Mesmo florestas que escaparam das chamas vêm perdendo biodiversidade. Essa é a principal constatação de um estudo conduzido por cientistas brasileiros no Corredor Cantareira-Mantiqueira, um dos mais relevantes remanescentes de Mata Atlântica do país.

Incêndios afetam até onde o fogo não chegou
A pesquisa, publicada na revista científica Forest Ecology and Management, revela que o histórico de incêndios nas áreas ao redor afeta negativamente até os fragmentos não queimados.

A explicação está no aumento da chamada pirodiversidade, termo que define a variedade de distúrbios causados por incêndios em uma determinada paisagem. Quando essa diversidade de impactos, que inclui frequência, extensão, severidade e tempo desde o último fogo cresce, os fragmentos intactos deixam de cumprir sua função de refúgio seguro para a fauna silvestre.
Menor número de aves em áreas não queimadas
A pesquisa analisou 15 paisagens próximas à cidade de Atibaia (SP), todas com diferentes históricos de incêndios desde 1985, de acordo com dados do MapBiomas-Fogo. Em todas elas, foram registradas florestas que nunca queimaram. No entanto, os cientistas observaram que, quanto maior a diversidade de incêndios nos arredores, menor era a riqueza de espécies de aves nesses fragmentos considerados “intocados”.
Segundo o pesquisador Ederson José de Godoy, da Universidade Federal de Alfenas (Unifal), primeiro autor do estudo, o fogo deixa impactos duradouros que ultrapassam os limites das áreas queimadas. “Essas áreas deveriam servir como abrigos para a fauna após incêndios, mas essa função está sendo comprometida”, afirmou em nota oficial da universidade.
Ameaça a espécies endêmicas e serviços ecossistêmicos
Os resultados apontam que 21% das espécies registradas, incluindo aves endêmicas e ameaçadas, foram encontradas exclusivamente em áreas não queimadas. Isso reforça a importância de preservar esses fragmentos intactos, fundamentais não só para a biodiversidade, mas também para a manutenção de serviços ecossistêmicos como polinização, dispersão de sementes, controle de pragas e regulação do clima.
O estudo contou com a participação de pesquisadores da Unifal, da Universidade Federal de São Carlos (UFSCar), campus Sorocaba, e do Instituto de Biociências da Universidade Estadual Paulista (Unesp), em Rio Claro. O trabalho teve apoio da FAPESP por meio de diversos projetos.

Crítica ao uso da pirodiversidade como estratégia ecológica
O conceito de pirodiversidade já foi defendido como positivo para a biodiversidade, sob o argumento de que a variedade de distúrbios pode criar diferentes nichos e favorecer a estabilidade ecológica. No entanto, os autores do estudo brasileiro alertam que essa hipótese é sustentada por evidências fracas. Apenas 44% dos estudos revisados apontaram efeitos positivos do fogo na biodiversidade.
Eles sugerem que, em regiões como a Mata Atlântica, a alta pirodiversidade tende a simplificar os hábitats e a prejudicar espécies dependentes de vegetação intacta. Por isso, defendem políticas rigorosas de prevenção de incêndios e restauração ativa das áreas mais afetadas.
Fonte: Agência FAPESP








































