Enquanto as negociações internacionais para um tratado global sobre poluição plástica chegaram a um impasse em Genebra no mês passado, com golpes de bastidor e disputas entre blocos de países, as cidades-membros da rede ICLEI mostram que ação local não espera que acordos globais se concretizem. Mesmo sem um tratado vinculante, governos municipais estão reduzindo a poluição plástica com criatividade, pragmatismo e redes de economia circular.

No front diplomático, a disputa é crua. Um grupo de países, denominado High Ambition Coalition to End Plastic Pollution, exige cortes na produção e responsabilidades mais rígidas para fabricantes. Já na outra ponta, potências como China, Rússia e Arábia Saudita insistem por ênfase na gestão de resíduos. Os debates se acirram em pontos sensíveis: quem assume responsabilidade os produtores? Que níveis de produção devem ser limitados, de onde virá o financiamento? Enquanto isso, a paralisação deixa uma lacuna, um vácuo que cidades e governos locais precisam preencher.
Por que as cidades assumem o protagonismo
Com o impasse global, cabe aos governos locais e regionais agir como ponta de lança na redução da poluição plástica. A ICLEI Europa oferece apoio técnico, protocolos e soluções testadas que permitem às cidades saltar de sistemas baseados no uso único para esquemas de reutilização. Em vez de esperar que os estados nacionais resolvam, uma prefeitura pode já criar políticas de compras que favorecem materiais recicláveis ou reutilizáveis, exigindo fornecedores que demonstrem mínimo impacto plástico.
Cidades como Amsterdam e Copenhague, ambas membros da ICLEI, estão na vanguarda do Circular Cities Frontrunner Group, um grupo de cidades que defendem políticas de aquisição pública mais ambiciosas e financiamento escalado para programas circulares. Essas capitais europeias representam mais de 50 milhões de habitantes sob governos dispostos a conduzir mudanças sistêmicas em escala urbana.
Em Tirana (Albânia), a prefeitura adotou medidas colaborativas: atua com empresas locais para implementar sistemas de reaproveitamento de embalagens em eventos públicos, e fomenta o empreendedorismo feminino no setor de reutilização plástica. Já em Zaragoza (Espanha), a municipalidade é parceira ativa no projeto REDOL, que busca redesenhar cadeias plásticas e de embalagem por meio de simbiose industrial-urbana — aspirando desviar 80% dos fluxos de resíduos do descarte tradicional e tratar 12 mil toneladas de material por ano.

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O REDOL: redesenhando plásticos com lógica local
O projeto REDOL (Aragon’s REgional Hub for circularity: Demonstration Of Local industrial-urban symbiosis) propõe uma abordagem sistêmica para transformar resíduos urbanos em recursos valorizados. Operando até 2026, REDOL abrange cinco cadeias de resíduos: embalagens, plásticos, resíduos de construção e demolição (CDW), têxteis e resíduos elétricos e eletrônicos (WEEE). O foco é criar hubs urbanos-circulares, otimizar rotas, digitalizar mercados e promover modelos de negócios inovadores e replicáveis.
Em Zaragoza, o objetivo é transformar a cidade num polo de circularidade até 2040, evitando que cerca de 144.720 toneladas de resíduos urbanos sejam descartadas. Estima-se que o projeto gere economia de € 14 bilhões e reduza 280 mil toneladas de CO₂ ao ano. REDOL também prevê replicação em outras cidades como Amsterdam, Prato (Itália) e Bornholm (Dinamarca).
Assim, Zaragoza serve como laboratório para demonstrar que abastecer redes locais de reaproveitamento plástico é viável, benéfico e escalável: uma lição valiosa para outras cidades que enfrentam o dilema da poluição plástica.
Estratégias e aprendizados urbanos
Com base nas experiências de cidades que já agem, podemos extrair caminhos práticos que não dependem de tratados globais:
1. Priorizar esquemas de reúso sobre descarte
Ao substituir embalagens descartáveis por modelos reutilizáveis e circulares, a cidade reduz resíduos no ponto de origem. Isso exige logística reversa eficiente (depósitos, sistemas QR de retorno, campanhas ciclando recipientes). A ICLEI ajuda a construir esses modelos e integrar exigências nas contratações públicas.
2. Desenhar políticas de aquisição municipal alinhadas à circularidade
Prefeituras compram muitos bens (papel, utensílios, embalagens). Ao exigir critérios ecológicos — por exemplo, materiais reciclados ou reaproveitáveis — os governos municipais criam demanda estável para soluções circulares. É uma alavanca poderosa.
3. Conectar resíduos urbanos à indústria local
Transformar resíduos plásticos em insumos para fábricas próximas reduz custos logísticos e cria sinergias. Projetos como REDOL demonstram como plásticos pós-consumo podem alimentar cadeias industriais de embalagens, construção e têxteis em circuitos fechados.
4. Inovar modelos financeiros e de responsabilização
Cidades podem exigir que fabricantes assumam parte do ciclo pós-consumo (responsabilidade estendida do produtor). Também é possível criar subsídios ou bônus para empresas que comprovarem redução plástica. Mesmo sem um tratado global, essas políticas locais já mudam incentivos.
5. Monitorar resultados com métricas claras e visíveis
A transparência é essencial: percentuais de retorno de embalagens, volumes de plástico evitado, participação cidadã, emissões evitadas. Dados públicos permitem ajustar programas e demonstrar impacto — o que fortalece legitimidade e mobilização social.
Rumo ao futuro: cidades moldando o tratado que ainda não existe
Embora a crise das negociações globais gere frustrações, esse vácuo abre espaço para governos locais ocuparem o protagonismo. Ao provar que a ação urbana faz efeito, cidades criam uma base de fato para futuros acordos. A ICLEI continuará a coordenar a Coalition of Local and Subnational Governments to End Plastic Pollution, integra os programas da ICLEI Europa e estimula novas adesões à causa.
Se sua cidade quiser embarcar nessa rota, já há luzes acesas: assinar a Circular Cities Declaration (uma iniciativa que congrega compromissos de circularidade para governos locais) ou dialogar com a ICLEI Europa sobre programas de apoio e replicação.
Enquanto o tratado global aguarda solução diplomática, as cidades que agem hoje ajudam a reconstruir o arcabouço onde ele pode de fato se sustentar amanhã.











































