Relatório global aponta queda na taxa de circularidade para 6,9% em 2024, pressionada pelo aumento na produção de matérias-primas virgens e lento crescimento do reaproveitamento.
Mundo caminha na contramão da circularidade
Mesmo com a pauta da economia circular ganhando força em fóruns internacionais, os dados mais recentes indicam um retrocesso. De acordo com o Relatório Anual de Circularidade Global 2025, divulgado pela Circle Economy Foundation em parceria com a Deloitte, apenas 6,9% das matérias-primas usadas globalmente em 2024 vieram de fontes recicladas ou reaproveitadas. O número representa queda em relação aos 7,1% registrados em 2023 e está 2,2 pontos percentuais abaixo do índice de 2018.
O relatório aponta que, dos 106 bilhões de toneladas de materiais consumidos globalmente em 2024, apenas 7,3 bilhões tiveram origem em cadeias circulares. Em contraste, a produção de insumos virgens aumentou de 92,8 bilhões em 2023 para 98,8 bilhões de toneladas em 2024.
Pressão sobre o planeta e o clima
Especialistas alertam que a queda na circularidade compromete metas de neutralidade de carbono até 2050. Materiais reciclados consomem menos energia para serem transformados, o que reduz significativamente as emissões de gases de efeito estufa. Segundo o estudo, se o uso global de materiais fosse reduzido para 84 bilhões de toneladas por ano — com taxa de circularidade de 17% —, seria possível cortar até 25 bilhões de toneladas de CO₂ até 2030.
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“A maior ameaça hoje é que continuamos aumentando a extração de recursos naturais, sem priorizar alternativas sustentáveis”, destaca Cecília Dall’Acqua, sócia da Deloitte e especialista em sustentabilidade. “É preciso atacar o problema desde o design dos produtos até o fim da vida útil.”
O que está por trás da queda?
A principal explicação para a redução na taxa de circularidade é o avanço mais rápido da produção de matérias-primas virgens em relação ao reaproveitamento. Embora o volume de insumos reciclados tenha subido levemente — de 7,2 para 7,3 bilhões de toneladas —, esse crescimento não foi suficiente para acompanhar a explosão do consumo.
Além disso, pela primeira vez, o estudo detalhou as origens dos materiais consumidos fora da cadeia circular. Entre os insumos não reciclados, os principais são:
- Estoque de empresas (38%)
- Biomassa neutra em carbono (21,5%)
- Materiais não recicláveis (18,1%)
- Combustíveis fósseis (13,3%)
Esses números mostram a dependência ainda alta de recursos que não retornam ao ciclo produtivo.
Design e durabilidade: pilares da mudança
Para reverter a tendência, o relatório defende uma mudança sistêmica que começa no design dos produtos. O objetivo é criar bens com vida útil mais longa, possibilidade de reparo e menor dependência de materiais virgens.
“Clientes estão abertos a produtos circulares, desde que não haja perda de qualidade”, explica Cecília. “Com inovação e engenharia, já conseguimos desenvolver itens reciclados melhores que os originais.”
Um exemplo citado é o uso de componentes modulares na construção civil e na indústria de eletrônicos, que facilita o conserto e reaproveitamento de peças.
Desigualdade no consumo global
Outro ponto crítico do relatório é a distribuição desigual do consumo de materiais entre países. Em média, pessoas em nações de alta renda consomem **24 toneladas de recursos por ano**, enquanto nas de baixa renda, o número cai para apenas **4 toneladas per capita** — uma diferença de seis vezes.
A redistribuição do consumo, associada ao aumento da circularidade, poderia garantir uma transição mais justa e sem perda da qualidade de vida. “Não é sobre reduzir o conforto, mas sobre otimizar o uso de materiais e eliminar desperdícios”, afirma o documento.
Políticas públicas e incentivos econômicos
Para alcançar os 25% de circularidade possíveis, a Circle Economy Foundation sugere:
- Incentivos fiscais para empresas que utilizem materiais reciclados
- Regulamentações mais rígidas sobre resíduos e logística reversa
- Investimentos em tecnologias de reciclagem e reuso
- Campanhas de conscientização voltadas ao consumidor final
Recentemente, o governo brasileiro revogou um decreto que autorizava a importação de resíduos, após pressão de catadores e ONGs do setor — um exemplo de como o engajamento social pode influenciar políticas públicas.
Um futuro circular é possível, mas exige ação rápida
O estudo mostra que a circularidade ainda é viável, mas o tempo para agir está se esgotando. A inércia atual indica que, se mantido o ritmo, os objetivos de redução de emissões e sustentabilidade global ficarão fora de alcance.
Reverter esse cenário exige uma coalizão entre governos, empresas e consumidores, com ações coordenadas que repensem o ciclo de vida dos produtos, priorizem materiais reaproveitáveis e reduzam a exploração de recursos naturais.
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