Cobra-camelão: como e por que a Enhydris gyii muda de cor espontaneamente


Você já ouviu falar da cobra que muda de cor como um camaleão? Pois é, a natureza asiática esconde uma das serpentes mais curiosas e pouco conhecidas do mundo: a Enhydris gyii, popularmente chamada de “cobra-camelão”. Esse nome não é exagero. Estamos falando de uma serpente aquática que consegue mudar de coloração de forma espontânea, sem estímulos externos aparentes. Mas por que ela faz isso? E como esse fenômeno ocorre?

Cobra-camelão - Enhydris gyii (2)

Como a cobra-camelão muda de cor

O fenômeno da mudança de cor na Enhydris gyii intriga herpetologistas desde sua descoberta, em 2005, em Bornéu, na Indonésia. Essa serpente aquática pertence à família Homalopsidae e vive principalmente em manguezais, pântanos e áreas alagadas.

O mais impressionante é que a mudança de cor ocorre de forma espontânea, ao contrário do que se observa em camaleões ou em outras espécies que reagem à luz, temperatura ou ameaça. A cobra-camelão pode passar de tons escuros a claros, e vice-versa, sem que esteja sob estresse ou alteração ambiental visível. Essa capacidade é rara entre répteis e ainda está sendo estudada.

A estrutura da pele da Enhydris gyii

O segredo da mudança de cor parece estar nos cromatóforos, células da pele que contêm pigmentos e refletem luz. Essas células estão presentes em répteis, peixes e anfíbios. No caso da Enhydris gyii, acredita-se que os cromatóforos estejam organizados de maneira diferente, o que permite uma reorganização interna dos pigmentos sem a necessidade de um gatilho externo.

Estudos com microscopia eletrônica mostraram que, em estados diferentes de coloração, a pele da cobra apresenta padrões distintos de distribuição de pigmentos. Isso sugere que a mudança pode ser controlada por fatores hormonais ou neurológicos internos, o que a tornaria uma das poucas cobras do mundo com controle autônomo de sua aparência.

Para que serve essa habilidade?

A grande pergunta é: qual a vantagem evolutiva de uma serpente aquática mudar de cor sem motivo ambiental aparente?

Uma hipótese é que a mudança de coloração esteja ligada a mecanismos de camuflagem sofisticada, especialmente em ambientes pantanosos de baixa luminosidade, onde a água reflete pouca luz e os tons da vegetação variam rapidamente. Assim, mesmo sem estímulo direto, a cobra poderia estar em constante ajuste visual, aumentando suas chances de permanecer invisível para predadores e presas.

Outra possibilidade envolve comunicação intraespécie. Embora a Enhydris gyii seja uma espécie ainda pouco estudada em seu comportamento social, não se descarta que a mudança de cor possa servir como sinalização — seja para corte, território ou alerta.

Comparação com o camaleão e outras cobras

Ao contrário do camaleão, cuja coloração muda em função de humor, temperatura e estímulos visuais, a Enhydris gyii parece seguir um ritmo próprio, mais parecido com uma “pulsação” interna de tonalidades. E isso é único entre as serpentes.

A maioria das cobras não possui habilidade para alterar sua aparência cromática. Algumas, como a jiboia e a sucuri, apresentam variações sutis conforme a umidade ou iluminação, mas nada comparado à mutação abrupta da cobra-camelão. Até hoje, não se conhece outra espécie de serpente com essa característica tão pronunciada.

Cobra-camelao-Enhydris-gyii-1 Cobra-camelão: como e por que a Enhydris gyii muda de cor espontaneamente
Cobra-camelão – Enhydris gyii (2)

Habitat e conservação da cobra-camelão

Endêmica das florestas tropicais do sudeste asiático, principalmente da ilha de Bornéu, a Enhydris gyii habita áreas de manguezal e pântanos alagados que estão sob crescente ameaça por conta da exploração madeireira, urbanização e conversão de áreas alagadas em plantações de palma de óleo.

Como ocorre com outras espécies pouco conhecidas, o risco maior é que a cobra-camelão desapareça antes mesmo de compreendermos completamente sua biologia. Atualmente, não há dados suficientes para determinar seu status de conservação pela IUCN, mas pesquisadores alertam que sua população pode estar em declínio.

O futuro da pesquisa sobre essa espécie

Estudar a cobra-camelão não é apenas um capricho da zoologia exótica — é também uma oportunidade de entender mecanismos biológicos raros que envolvem controle autônomo da aparência. Há quem vislumbre, inclusive, aplicações biomiméticas no futuro: imagine tecidos que mudem de cor de forma espontânea, inspirados na pele dessa serpente.

Para isso, é fundamental proteger seu habitat e incentivar expedições científicas que tragam mais dados sobre seu comportamento, ciclo reprodutivo e estrutura fisiológica. A natureza sempre esconde respostas incríveis — mas é preciso olhar com atenção antes que seja tarde demais.

Leia mais artigos aqui

Conheça também – Revista Para+