O derretimento das geleiras da Antártica avança em ritmo acelerado e ameaça causar impactos catastróficos no planeta até o fim do século.
O alerta da expedição científica
O alerta vem do glaciólogo brasileiro Jefferson Simões, que liderou uma expedição científica de 70 dias para estudar os efeitos das mudanças climáticas no continente. A missão, que percorreu a Antártica entre novembro e janeiro, contou com 57 pesquisadores de sete países.
No marco do primeiro Dia Mundial das Geleiras, em 21 de março, o especialista compartilhou com a ONU suas observações: as geleiras da Península Antártica estão encolhendo rapidamente, e sinais de esverdeamento já são visíveis em ilhas antes cobertas de gelo, com a expansão de musgos e gramíneas.
Degelo pode elevar o nível do mar em escala histórica
Além da perda visível de gelo, Simões aponta para um cenário mais alarmante. Estima-se que o derretimento da Antártica pode causar uma elevação do nível do mar de até 1,20 metro até 2100. No entanto, em um cenário mais extremo com colapso de partes instáveis do manto de gelo, o aumento pode chegar a 7 metros até o ano de 2300.
Esse cenário, classificado como “catastrófico”, decorre da instabilidade dinâmica de porções da Antártica que estão sendo desestabilizadas tanto pelo aquecimento atmosférico quanto pelo aquecimento dos oceanos. Para Simões, o planeta já caminha em direção a pontos de ruptura climáticos.
Antártica influencia o clima no Brasil
Muito além dos polos, os impactos do degelo chegam ao Brasil. Jefferson Simões explica que a Antártica funciona como um regulador térmico do sistema climático global, sendo essencial na movimentação de massas de ar frio que, normalmente, atingem o território brasileiro durante o inverno.
“Já estamos observando bloqueios na chegada dessas massas frias ao Brasil”, afirma o pesquisador, citando o superaquecimento do Cerrado como fator que dificulta a penetração dessas correntes até a Amazônia. Esse desequilíbrio já se manifesta, segundo ele, em eventos extremos como as chuvas intensas que atingiram o Rio Grande do Sul em abril e maio de 2024.
Além disso, o aumento do nível do mar poderá ter efeitos diretos sobre o litoral brasileiro, tornando vulneráveis cidades costeiras e zonas de mangue.
Geleiras: fonte crítica de água doce está desaparecendo
Responsáveis por cerca de 70% da água potável do planeta, as geleiras desempenham um papel vital no abastecimento de diversas regiões do mundo. Ao contrário do senso comum, a maior bacia de drenagem de água doce do planeta não está na Amazônia, mas na Antártica.
Simões alerta que, em montanhas como os Alpes, os Andes, as Montanhas Rochosas e o Himalaia, muitas geleiras já não conseguem mais acumular neve suficiente durante o ano, entrando em processo irreversível de derretimento.
Isso já afeta o abastecimento de cidades na Bolívia, Peru e Argentina, que enfrentam racionamento de água durante os períodos de seca. A Organização Meteorológica Mundial (OMM) confirma que cinco dos últimos seis anos registraram os recuos mais rápidos de geleiras da história.
Pressões geopolíticas agravam cenário nos polos
O pesquisador brasileiro também aponta para crescentes interesses políticos, econômicos e comerciais nas regiões polares, o que ameaça intensificar ainda mais a exploração de recursos naturais em áreas sensíveis.
Segundo Simões, a Antártica está deixando de ser um continente isolado e voltado exclusivamente à pesquisa científica. “Hoje vemos uma presença crescente de missões não governamentais e um avanço preocupante sobre áreas antes inacessíveis, inclusive no interior do continente”, afirmou.
Para ele, o Ártico vive um cenário ainda mais crítico, com disputas geopolíticas acirradas e uma militarização crescente da região.
Um sistema climático indivisível
Integrante do Painel Intergovernamental sobre Mudança Climática (IPCC), Simões reforça que o planeta funciona como um sistema climático interligado, e que as alterações em qualquer parte dele, como o colapso das geleiras, terão repercussões globais.
A mensagem do pesquisador é clara: a Antártica importa tanto quanto a Amazônia na regulação climática da Terra. Ignorar os sinais de alerta do continente gelado pode significar agravar ainda mais os impactos da crise climática, com consequências imprevisíveis para o futuro da humanidade.
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