Com o agravamento da crise climática, os créditos de carbono voltam a ocupar um lugar de destaque nas estratégias globais de descarbonização. Nesse contexto, a Amazônia brasileira desponta como protagonista incontornável. Com seu imenso estoque de carbono natural e pressão crescente por desmatamento, a região é hoje campo de disputa entre o potencial econômico da conservação e as dinâmicas predatórias do uso da terra. Mas entre o entusiasmo e a realidade, surge uma pergunta-chave: os projetos REDD (Redução de Emissões por Desmatamento e Degradação) estão mesmo evitando emissões que aconteceriam sem eles?
Esse é o cerne da chamada “adicionalidade”, um critério que determina se um crédito de carbono é válido. Em outras palavras: uma floresta não desmatada não vale crédito algum se ela não estivesse sob risco real. Avaliar esse risco é o desafio técnico e político que define o futuro dos mercados de carbono.
Um novo estudo do Climate Policy Initiative (CPI), em parceria com a PUC-Rio, propõe uma abordagem inovadora para medir a adicionalidade de projetos REDD na Amazônia. Em vez de se basear apenas em tendências históricas de desmatamento, como fazem as metodologias tradicionais, o modelo econômico criado pelos pesquisadores simula as decisões reais dos produtores rurais. A pergunta é simples: qual é o uso mais lucrativo para cada propriedade? A resposta leva em conta fatores como preços de commodities, produtividade, custos logísticos e estoque de carbono.
Os resultados revelam que 77% do carbono protegido pelos projetos REDD na Amazônia brasileira é adicional, ou seja, teria sido emitido na ausência desses projetos. É uma taxa significativa, que reforça o valor desses mecanismos de mercado para a conservação. Mas também indica que cerca de um quarto dos créditos gerados está associado a áreas que provavelmente permaneceriam florestadas de qualquer forma.
Essa média, no entanto, esconde disparidades regionais. A adicionalidade é altíssima em regiões desmatadas ou consolidadas pelo agronegócio, onde a pressão sobre a floresta é maior. Em municípios como Portel, no Pará, considerados sob pressão, mas com baixa viabilidade econômica para a agropecuária, os projetos apresentam baixos índices de adicionalidade. As propriedades ali têm altos estoques de carbono, mas também alto custo logístico e baixa produtividade. Isso significa que as florestas, mesmo sem créditos de carbono, provavelmente não seriam desmatadas.


VEJA TAMBÉM: Governo amplia lista de descontos no crédito rural familiar
Casos como o de Portel expõem não apenas a necessidade de metodologias mais refinadas, mas também de maior rigor na seleção de projetos. Ao excluir as propriedades desse município da análise, a adicionalidade média dos projetos REDD sobe de 77% para 89%. O dado é eloquente: a eficácia climática dos créditos de carbono está diretamente relacionada ao contexto econômico das áreas onde os projetos são implementados.
A análise também revela um padrão interessante: propriedades com maior produtividade agropecuária, menores estoques de carbono e melhor infraestrutura tendem a ter maior adicionalidade. Isso porque o risco de desmatamento é real e iminente. Projetos localizados em áreas com essas características geram créditos mais robustos e defensáveis.
A nova metodologia não apenas aprimora os critérios técnicos, mas também responde a críticas crescentes ao mercado voluntário de carbono. Várias investigações recentes questionaram a validade de créditos emitidos com base em modelos flexíveis demais, que permitiam escolhas estratégicas de janelas temporais e regiões de referência favoráveis à geração de créditos. A abordagem do CPI/PUC-Rio, por seu caráter dinâmico e centrado em fundamentos econômicos, oferece uma alternativa mais consistente.
Nesse cenário, a credibilidade dos mercados de carbono depende de três pilares: boas métricas, transparência e governança. A Verra, principal certificadora mundial, já começou a revisar suas metodologias, incluindo uso de dados oficiais e sensoriamento remoto. Essas mudanças, embora positivas, precisam ser acompanhadas de ferramentas que permitam identificar projetos com maior risco de não adicionalidade.
Outro ponto relevante: o preço. Hoje, os créditos REDD são negociados entre US$ 5 e US$ 15 por tonelada de CO2e, valor muito abaixo da média global de US$ 35 para instrumentos de precificação de carbono. Segundo o modelo proposto, se os preços pagos aumentassem para esse patamar, a adicionalidade poderia ultrapassar 86%. Ou seja, remunerar melhor quem conserva pode ser também uma forma de garantir maior impacto ambiental.
A nova metodologia representa um passo importante para qualificar o debate sobre créditos de carbono na Amazônia. Mais do que um ajuste técnico, ela propõe uma mudança de paradigma: olhar para o uso da terra com as lentes da economia real, e não apenas com modelos estatísticos. Isso torna a análise mais realista, mais transparente e mais eficaz.
Em tempos de urgência climática, iniciativas que aliam conservação florestal a instrumentos de mercado são essenciais. Mas sua efetividade está condicionada à capacidade de provar que fazem diferença. Com mais dados, melhores modelos e preços mais justos, os créditos de carbono na Amazônia podem deixar de ser promessa para se tornarem pilar da ação climática.


































