Esse sapo escava seu próprio abrigo quando pressente seca: o segredo da sobrevivência sob a terra


Você já ouviu falar de um sapo que cava seu próprio esconderijo quando sente que a chuva vai demorar a voltar? Parece coisa de fábula, mas é pura biologia adaptativa. No coração do Cerrado brasileiro, um anfíbio curioso protagoniza uma das estratégias de sobrevivência mais engenhosas do reino animal: ele literalmente desaparece sob a terra quando pressente que a seca está chegando. E o mais impressionante? Ele faz tudo isso sozinho — escavando com as patas traseiras, como se obedecesse a um instinto milenar que o conecta ao ritmo da natureza.

Esse sapo escava seu próprio abrigo quando pressente seca o segredo da sobrevivência sob a terra

O sapo-cururu é mestre da adaptação

O sapo-cururu (Rhinella schneideri), uma espécie bastante comum no Brasil, é um dos representantes desse comportamento. Embora o nome seja familiar para muitos, o que pouca gente sabe é que ele adota um verdadeiro “modo de hibernação” em períodos secos. Quando as chuvas cessam e o calor começa a rachar o solo, ele pressente a mudança no ambiente e se enterra no solo para conservar energia e umidade. Esse processo é chamado de estivação.

O que é estivação e por que ela é vital

Diferente da hibernação, que está ligada ao frio, a estivação é uma estratégia contra o calor extremo e a escassez de água. Durante essa fase, o metabolismo do sapo desacelera drasticamente. Ele entra num estado quase letárgico, com batimentos mais lentos e respiração reduzida. Tudo isso serve a um único objetivo: sobreviver ao tempo seco.

A natureza não dá ponto sem nó. Enquanto outros animais precisam migrar ou enfrentar as agruras do calor, o sapo-cururu evita desgastes ao simplesmente desaparecer sob o solo. É uma forma de economia energética extrema — uma espécie de “modo avião” biológico.

Como ele detecta que a seca está chegando

Esse sapo tem uma sensibilidade climática impressionante. Cientistas apontam que ele é capaz de perceber variações na umidade do ar e alterações na temperatura do solo. Quando os sinais se acumulam, ele entende que é hora de se preparar. Escava um buraco com as patas traseiras até se enterrar completamente. Lá dentro, o corpo se cobre de uma camada viscosa que ajuda a reter umidade — como se fosse um cobertor natural contra a desidratação.

É quase como se ele lesse o clima antes mesmo das previsões meteorológicas.

Um abrigo que também é escudo contra predadores

Ao se enterrar, o sapo-cururu não apenas escapa do calor: ele se torna praticamente invisível para predadores. Durante o período seco, aves de rapina, répteis e outros animais costumam sair à caça desesperada por alimentos. Mas o cururu está lá embaixo, quieto, imerso na terra, esperando o retorno da chuva.

Esse comportamento de camuflagem subterrânea é uma forma de autodefesa passiva extremamente eficaz. Muitos pesquisadores acreditam que a taxa de sobrevivência dos indivíduos que conseguem se enterrar é bem maior do que daqueles que não dominam essa técnica.

Quando a chuva volta, o espetáculo recomeça

Com a primeira pancada de chuva, o solo volta a amolecer e o sapo sente que é hora de voltar à superfície. A transformação é rápida: em poucas horas, ele emerge, salta com vigor e vai em busca de alimento e acasalamento. É um dos momentos mais efervescentes do ciclo da vida nos ambientes tropicais e semiáridos.

Os machos começam a coaxar intensamente para atrair fêmeas, transformando áreas antes silenciosas em verdadeiros concertos noturnos. As poças temporárias se tornam palcos para o ritual de reprodução, com centenas de ovos sendo depositados em um curto espaço de tempo. Afinal, o tempo é curto: logo, a seca pode voltar.

Esse comportamento inspira pesquisadores e até engenheiros

A habilidade do sapo de entrar em estivação vem chamando atenção não só de biólogos, mas também de especialistas em biomimética — um campo que estuda como a natureza pode inspirar soluções tecnológicas. O controle metabólico, por exemplo, poderia inspirar novos tratamentos médicos para estados de dormência induzida em cirurgias ou até em viagens espaciais.

Além disso, entender como o corpo do sapo evita desidratação em condições extremas pode trazer insights sobre conservação de água em ambientes áridos e desenvolvimento de tecidos que resistam à perda de umidade.

Um mestre da previsão silenciosa

Enquanto boa parte dos humanos ainda depende de aplicativos e mapas climáticos para se preparar para o clima, o sapo-cururu nos lembra que a natureza tem seus próprios sensores — muito mais antigos e sofisticados. Ele escava seu abrigo, silencia seu corpo e aguarda. Não por acaso, esse comportamento ancestral permanece eficaz há milhares de anos.

Num mundo que enfrenta mudanças climáticas cada vez mais severas, talvez devêssemos prestar mais atenção nos pequenos mestres da adaptação que vivem logo abaixo dos nossos pés.

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