As cidades estão enfrentando temperaturas mais elevadas, eventos climáticos extremos e desigualdade social crescente. Nesse cenário, a natureza surge como uma aliada poderosa para fortalecer a resiliência urbana. Soluções baseadas na natureza (SbN) — como florestas urbanas, corredores verdes, restauração de áreas úmedas e parques esponja — ajudam a promover a biodiversidade, gerenciar riscos climáticos, apoiar a saúde pública e melhorar serviços essenciais. Quando integradas ao planejamento urbano, essas intervenções contribuem para sistemas urbanos mais estáveis, resilientes e eficazes.

Apesar do crescente reconhecimento das SbN nas estratégias urbanas, transformar ideias em ação segue sendo um grande desafio, com o financiamento apontado como a principal barreira. Muitos gestores municipais e profissionais urbanos se perguntam: como financiar SbN de forma sustentável, escalável e socialmente justa? Superar esse desafio exige mudar a forma como as SbN são planejadas, avaliadas e integradas aos modelos de investimento urbano.
Criar um ambiente favorável
As cidades operam com orçamentos apertados, e as SbN costumam concorrer com obras tradicionais — como pavimentação, drenagem e edificações — que têm modelos financeiros mais claros. Os benefícios das SbN, por outro lado, se distribuem entre setores e podem levar anos para se concretizarem.
Os mecanismos de financiamento geralmente são pensados para projetos de curto prazo e setor único, enquanto as SbN oferecem benefícios intersetoriais e de longo prazo. Como nem sempre geram receita direta, é mais difícil justificá-las com análises tradicionais de custo-benefício.
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Os sistemas de compras públicas também podem complicar. Muitas regras não contemplam projetos multibenefícios, dificultando a implementação.
Ampliar o financiamento exige atuação em múltiplas frentes. Instituições financeiras e governos devem adaptar seus marcos para valorizar todos os co-benefícios das SbN. Ao mesmo tempo, os municípios precisam quebrar silos institucionais, promovendo o planejamento conjunto entre departamentos de meio ambiente, saúde, infraestrutura e finanças.
Integrar SbN ao planejamento urbano e ao orçamento público
Quando a infraestrutura verde é considerada desde o início do planejamento, é mais fácil alinhar estratégias financeiras e apoio político. Incorporar SbN aos planos climáticos, de adaptação, desenvolvimento urbano e uso do solo ajuda a incluí-las nas decisões de alto nível e melhora a coordenação entre órgãos e governos, essencial para desbloquear recursos públicos e atrair externos.
Muitos fundos ainda são repassados via governos nacionais, sem priorizar demandas locais. Alinhar planos municipais a marcos como as Contribuições Nacionalmente Determinadas (NDCs) e Planos Nacionais de Adaptação (NAPs) aumenta as chances de acesso. Ainda assim, é vital que as cidades tenham acesso direto a recursos e maior participação no planejamento climático e de biodiversidade nacional.
Desenvolver projetos prontos para investimento
Para atrair investimentos públicos e privados, é preciso desenvolver projetos SbN bem estruturados e alinhados com as expectativas dos investidores. Isso vai além do planejamento técnico: exige engajamento de partes interessadas, avaliação de riscos e valoração dos co-benefícios.
Municípios pequenos e médios, especialmente em países com capacidade institucional limitada, enfrentam maiores dificuldades. A falta de equipe, recursos técnicos e influência política torna os processos de aplicação – frequentemente complexos – ainda mais desafiadores. Sem apoio técnico e procedimentos simplificados, correm o risco de ficar para trás.
As facilidades de preparação de projetos podem preencher essa lacuna, auxiliando com estudos de viabilidade, estruturação financeira e sistemas de monitoramento robustos.
Um recurso prático para navegar neste tema é o Guia de Financiamento da Biodiversidade para Cidades e Regiões, do ICLEI, desenvolvido pelo projeto INTERACT-Bio. O material apresenta as etapas do desenvolvimento de projetos, instrumentos de financiamento mais utilizados e um acervo de recursos, definições e estudos de caso. O guia descreve sete fases do ciclo de projetos, com atividades essenciais em cada uma.
Explorar financiamentos combinados e parcerias
O financiamento combinado (blended finance), que une capital público, privado e filantrópico, tem se mostrado eficaz em projetos urbanos sustentáveis. No caso das SbN, recursos públicos podem reduzir riscos para investidores privados ou financiar componentes sem retorno direto, como envolvimento comunitário e restauração ecológica.
Outros instrumentos incluem títulos verdes, fundos de investimento de impacto e parcerias público-privadas (PPPs). Por exemplo, uma cidade pode emitir um título verde para recuperar uma bacia hidrográfica degradada que fornece água potável e protege contra enchentes, gerando retorno ambiental e social.
Em outros casos, organizações da sociedade civil e grupos comunitários co-desenvolveram intervenções baseadas na natureza e conseguiram financiamento externo ao demonstrar melhorias mensuráveis em bem-estar e resiliência climática.
O que as cidades já estão fazendo
Apesar do financiamento ser um desafio comum, as soluções devem ser adaptadas aos contextos locais. Essa foi uma das principais mensagens de dois eventos globais realizados em junho de 2025 em Bonn, Alemanha: os Diálogos Bonn do Daring Cities 2025, onde o ICLEI e o NetworkNature co-organizaram uma sessão sobre financiamento urbano para a natureza, e as Conversas Climáticas da ONU SB62, que incluíram o evento paralelo “Do Nacional ao Local: avaliando oportunidades para SbN no contexto urbano das NDCs e NAPs”.
Embora princípios como integração precoce, colaboração multissetorial e mecanismos inovadores de financiamento tenham aplicação ampla, modelos que funcionam em grandes cidades europeias podem não ser adequados para municípios pequenos da Ásia ou África.
Algumas cidades já mostram o que é possível. No Paquistão, parcerias comunitárias e subsídios cruzados apoiam SbN municipais. No Brasil, um fundo urbano dedicado à natureza está impulsionando a transição do planejamento à implementação. Na África do Sul, SbN são aplicadas tanto para adaptação climática quanto para promover equidade social. Esses exemplos mostram que é possível ampliar SbN quando os sistemas financeiros estão preparados para apoiá-las.
As SbN vão além de iniciativas ambientais. Elas funcionam como infraestrutura, fortalecem a saúde pública, promovem a adaptação climática e representam investimentos de longo prazo em cidades sustentáveis. Embora muitas já estejam explorando soluções inovadoras, os sistemas financeiros ainda não acompanham esse ritmo. É preciso apoiar os gestores urbanos para que desenvolvam, financiem e implementem SbN. Isso requer que governos e financiadores reconheçam plenamente os amplos benefícios dessas soluções, incluindo saúde, equidade e resiliência econômica.












































