O que começou como um dos movimentos mais ambiciosos do setor financeiro para alinhar o crédito global à meta de 1,5°C do Acordo de Paris agora pode estar chegando ao fim. A Net-Zero Banking Alliance (NZBA), criada em 2021 com mais de uma centena de instituições, anunciou a suspensão de suas atividades depois de perder membros de peso nos Estados Unidos, Europa, Japão e Austrália.

A decisão abre caminho para uma votação, marcada para setembro, que poderá transformar a coalizão em um simples órgão consultivo, sem compromissos formais de seus integrantes. Entre os que permanecem, estão os brasileiros Bradesco e Itaú Unibanco, que reforçaram seu compromisso público com a agenda climática, apesar da turbulência internacional.
O início da derrocada
A aliança foi lançada com pompa na COP26, em Glasgow, como parte do guarda-chuva GFANZ (Glasgow Financial Alliance for Net Zero), apoiado pela ONU e articulado por Mark Carney, hoje primeiro-ministro do Canadá. O objetivo era claro: usar o peso dos bancos globais para redirecionar fluxos de capital, restringindo crédito a setores altamente emissores e estimulando investimentos verdes.
Mas a guinada política nos EUA mudou o jogo. A volta de Donald Trump à Casa Branca, em 2024, deu força à ofensiva contra compromissos climáticos corporativos. Bancos americanos, sob risco de processos em estados republicanos, começaram a abandonar a aliança. Logo depois, vieram as saídas de HSBC, Barclays, UBS e outros europeus, minando o alcance global da iniciativa.
A lógica do “greenhushing”
Mesmo ao deixar a NZBA, a maioria dos bancos assegurou que manteria suas próprias metas de descarbonização. O Citibank, um dos fundadores, afirmou que continuará apoiando clientes na transição energética. Isso revela um fenômeno que especialistas chamam de “greenhushing”: em vez de renunciar às práticas ESG, instituições preferem reduzi-las ao silêncio estratégico, evitando chamar a atenção de políticos hostis.
“Fazer, mas não anunciar” parece ser a regra de sobrevivência num cenário em que compromissos climáticos passaram a ser alvo de polarização política e jurídica.
Ajustes nas metas e na credibilidade
A pressão também enfraqueceu os padrões da própria aliança. Originalmente, os bancos precisavam alinhar suas carteiras à meta de limitar o aquecimento global a 1,5°C. Em abril deste ano, após a saída dos americanos, a exigência foi flexibilizada para “bem abaixo de 2°C” — ainda dentro do Acordo de Paris, mas menos ambicioso.
O recuo gerou críticas de que a NZBA estaria cedendo justamente quando deveria endurecer a coerência de seus compromissos.

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O peso das cifras
A tensão entre discurso e prática é visível nos números. Desde o Acordo de Paris, em 2015, os bancos globais destinaram cerca de US$ 6,4 trilhões para petróleo, gás e carvão, contra US$ 4,3 trilhões para projetos verdes, segundo levantamento da Bloomberg.
Essa discrepância alimenta dúvidas sobre até que ponto alianças voluntárias como a NZBA conseguem realmente alterar a lógica do mercado financeiro — ainda profundamente atrelado a combustíveis fósseis.
Paralelos com os seguros
O destino da aliança dos bancos lembra o que aconteceu recentemente com a Net-Zero Insurance Alliance (NZIA), dissolvida em 2024 após a saída de gigantes como Allianz, Lloyd’s e Axa. Ambas faziam parte do GFANZ, mostrando como coalizões voluntárias do setor financeiro vêm sofrendo erosão diante da pressão política e do risco jurídico.
O dilema do Brasil
Para os bancos brasileiros que permanecem, a dissolução ou transformação da NZBA chega num momento delicado. O país prepara a COP30, em Belém, em 2025, e busca atrair capitais internacionais para a transição. O enfraquecimento de uma aliança global tão simbólica pode reduzir o espaço político para cobrar compromissos mais firmes de outras instituições financeiras.
Ainda assim, Bradesco e Itaú reiteraram que continuam comprometidos com a meta de net zero até 2050. O desafio será mostrar coerência entre esses anúncios e a realidade de suas carteiras de crédito, em um ambiente no qual investidores exigem mais transparência e governos testam novos mecanismos regulatórios.
O que vem pela frente
A votação marcada para setembro vai definir se a NZBA se reinventa como fórum consultivo ou se mergulha de vez na irrelevância. Em nota, a aliança declarou que busca “um novo modelo” para apoiar bancos a acelerarem a transição em linha com o Acordo de Paris.
A dúvida é se ainda haverá credibilidade e adesão suficientes para sustentar essa promessa. No meio do turbilhão, cresce a percepção de que a transição climática no setor financeiro dependerá cada vez mais de regulações nacionais e menos de pactos voluntários.








































