O agro brasileiro é o “Pix verde” que incomoda o mundo


Potência produtiva e sustentável, o setor sofre com narrativas externas e falta de financiamento

Alimentar uma população mundial em crescimento é hoje um dos maiores desafios globais. A FAO calcula que a demanda por alimentos vai aumentar 60% nos próximos 20 anos. Poucos países têm condições de atender a essa necessidade de forma escalável e sustentável. Entre eles, o Brasil ocupa uma posição única: não há solução global para a segurança alimentar que não passe pelo agro brasileiro.

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Esse papel estratégico, no entanto, não vem sem tensões. Assim como o Pix incomodou o sistema financeiro global, o agro brasileiro é visto por alguns concorrentes como um “Pix verde”, um modelo de produção que alia escala, eficiência e sustentabilidade, mas que desafia interesses estabelecidos. O resultado é um cenário em que o país produz muito, preserva extensas áreas, mas ainda é alvo de narrativas seletivas e, ao mesmo tempo, recebe migalhas do financiamento sustentável internacional.

Produtividade crescente que assusta concorrentes

Em apenas três décadas, o Brasil deixou de ser importador líquido de alimentos para se tornar líder global em exportações de soja, milho, carne bovina e frango — e começa a avançar também em arroz. Exceto pelo trigo, domina praticamente toda a “cesta básica” mundial.

Ao contrário da imagem frequentemente divulgada de que esse avanço ocorre às custas do desmatamento, os números revelam outra história: tecnologia, manejo adaptado ao clima e eficiência. Entre 1971 e 2014, a produtividade agrícola brasileira cresceu em média 2,7% ao ano — índice superado apenas pela China. Nos EUA e na Europa, esse número ficou entre 1% e 2%.

De 1990 a 2020, a produção agrícola nacional cresceu 480%, enquanto a área utilizada aumentou apenas 116%. Em outras palavras: crescemos mais produzindo melhor, não ocupando mais território.

E ainda há espaço. O país tem cerca de 28 milhões de hectares de pastagens degradadas que podem ser recuperadas, o equivalente a aumentar em 36% a área agrícola sem derrubar um único hectare de floresta. Isso corresponde a “meia França” disponível para se tornar lavoura.

Enquanto concorrentes como EUA, China e Índia já utilizam perto de 60% de seus territórios com agropecuária, o Brasil ocupa apenas 30%. Além disso, mantém 66% do território preservado — uma área maior do que 40 países europeus somados.

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A narrativa seletiva sobre desmatamento

É verdade que o Brasil carrega um passivo ambiental: entre 1985 e 2024 perdeu cerca de 13% de sua vegetação nativa. Isso marca a reputação internacional e oferece munição a críticos e concorrentes.

Mas esse retrato é parcial. O que raramente aparece nas narrativas externas é que o agro moderno brasileiro preserva em larga escala: metade das áreas de imóveis rurais é de conservação obrigatória, segundo a legislação. Estamos falando de uma extensão de vegetação preservada equivalente a dez países europeus juntos.

Essa “convivência de dois agros” — um que ainda desmata e outro que preserva — gera ruídos. Só que, no balanço geral, o Brasil é um dos países que mais preserva no mundo. A seletividade dessa narrativa serve muito mais aos concorrentes do que à realidade dos fatos.

O financiamento sustentável que não chega

Se de um lado há críticas, do outro existe um paradoxo ainda maior: apesar de sua relevância para a agenda climática e alimentar global, o agro brasileiro praticamente não acessa o financiamento sustentável internacional.

Globalmente, o setor agroindustrial responde por 30% das emissões de gases de efeito estufa, mas recebe apenas 7% dos recursos climáticos internacionais. E quando se olha para as dívidas rotuladas como sustentáveis — um mercado de US$ 9 trilhões —, o agro fica com apenas 3,5% desse total.

No Brasil, o quadro é ainda mais gritante: menos de 0,1% do financiamento sustentável global chega ao agro nacional. O país aparece em 15º lugar no ranking, atrás de França, Holanda, EUA e até de economias emergentes como Índia e México.

Ou seja, justamente o país que tem condições de expandir a produção de alimentos de forma sustentável — e que precisa de recursos para acelerar a recuperação de pastagens degradadas e ampliar tecnologias de baixo carbono — é aquele que menos recebe financiamento.

 

Um ativo global exige solução global

O Brasil não pode enfrentar esse desafio sozinho. Como lembra o relatório “Brazil 2050”, do Atlantic Council, não há como expandir a produção global de alimentos sem o Brasil. E isso só será possível se houver colaboração internacional, investimentos consistentes e mecanismos de financiamento que reconheçam o papel estratégico do agro brasileiro.

Para destravar esse potencial, será preciso superar três barreiras principais:

Escala – Investidores internacionais não financiam projetos fragmentados; é necessário consolidar iniciativas em larga escala.

Evidência de sustentabilidade – Não há espaço para compromissos superficiais; o setor precisa alinhar-se a padrões internacionais reconhecidos.

Competitividade de preço – O capital privado só virá em peso se encontrar retorno atrativo e mitigação de riscos cambiais e políticos.

Hoje, instrumentos já existem — como o Eco Invest e fundos climáticos globais —, mas precisam ser usados com mais pragmatismo, coordenação e velocidade.

O “Pix verde” do mundo

O agro brasileiro é um ativo global. Combinamos escala, competitividade e sustentabilidade como nenhum outro país. Esse é o nosso “Pix verde” — um sistema que funciona, é eficiente e tem potencial para transformar não apenas a economia nacional, mas a segurança alimentar e a agenda climática do planeta.

O que falta não é capacidade, nem compromisso. O que falta é o mundo reconhecer que sem o agro brasileiro não haverá equilíbrio entre alimento e clima. O que falta é o investimento internacional chegar à altura do desafio.