A imagem do Rio Tietê, o mais emblemático de São Paulo, continua marcada pela vulnerabilidade. Apesar de uma redução de quase 16% na extensão de água imprópria para usos múltiplos de 207 quilômetros em 2024 para 174 quilômetros em 2025 , os sinais de recuperação permanecem frágeis. A constatação é da mais recente edição do estudo Observando o Tietê, coordenado pela Fundação SOS Mata Atlântica, lançado às vésperas do Dia do Rio Tietê, celebrado em 22 de setembro.

O levantamento avaliou 55 pontos de monitoramento em 41 rios da bacia, que abrange 265 municípios e mais de 9 milhões de hectares, dos quais 79% estão inseridos no bioma Mata Atlântica. Os dados mostram que apenas um ponto apresentou água considerada boa. A imensa maioria foi classificada como regular (61,8%), ruim (27,3%) ou péssima (9,1%). Nenhum ponto alcançou a categoria “ótima”.
Um ciclo interrompido
O relatório revela que, entre 2016 e 2021, a bacia viveu um ciclo de recuperação. Naquele período, aumentaram os trechos com água regular e boa, e a mancha de poluição do próprio Tietê recuou para 85 quilômetros, o menor índice recente. A partir de 2022, porém, a trajetória se inverteu. O avanço da poluição atingiu um pico em 2024, quando 207 quilômetros estavam comprometidos, e os trechos de água boa diminuíram drasticamente.
“Essa piora não foi um acidente isolado, mas parte de uma tendência de retrocesso iniciada em 2022”, avalia Gustavo Veronesi, coordenador do projeto Observando os Rios da SOS Mata Atlântica. Segundo ele, apesar da oscilação anual, a qualidade do Tietê permanece altamente vulnerável, sem sinais consistentes de recuperação duradoura.
O estudo chama atenção para a perda de trechos de água considerada boa. Entre a nascente, em Salesópolis, e Barra Bonita, que somam 576 quilômetros, apenas 34 quilômetros foram classificados nessa categoria — uma queda de mais de 70% em relação aos 119 quilômetros de 2024. Nesse mesmo trecho, 120 quilômetros apresentaram qualidade ruim e 54 quilômetros foram classificados como péssimos. A condição regular, por sua vez, se expandiu de 250 quilômetros no ano passado para 368 quilômetros agora.
Embora essa predominância de águas regulares seja vista como um avanço em comparação a cenários mais críticos, ainda não é suficiente para garantir usos múltiplos sem restrições.

As pressões sobre o Tietê são múltiplas e se agravam em contextos de crise climática. A redução significativa do regime de chuvas — de 2.050 mm em 2010 para apenas 1.072 mm em 2024 — compromete a capacidade do rio de diluir poluentes. Acidentes recentes também pesaram, como o rompimento de um interceptor de esgoto na Marginal Tietê, em julho, além de despejos irregulares registrados no Rio Pinheiros e no próprio Tietê, em junho e agosto.
“É muito mais fácil poluir um rio do que despoluí-lo. O esforço é gigantesco, exige ação da sociedade, do poder público estadual e municipal e também das empresas, que têm enorme responsabilidade nesse processo”, afirma Veronesi. Ele lembra ainda que o descarte inadequado de lixo, associado à falta de cumprimento da lei de resíduos sólidos e da logística reversa, continua a despejar embalagens e rejeitos diretamente no rio.
Desafios de saneamento e justiça social
Um dos pontos mais críticos apontados pelo relatório é a falta de saneamento básico em grande parte da Região Metropolitana de São Paulo, onde está a Bacia do Alto Tietê, o maior aglomerado urbano da América do Sul. Segundo Veronesi, não é possível cobrar conexão à rede de esgoto de populações que sequer têm acesso a moradia digna.
Nesse contexto, a despoluição do Tietê não pode se restringir apenas ao tratamento de esgoto. O estudo aponta a necessidade de manejo eficiente de resíduos sólidos, recuperação de áreas de nascentes, criação de parques lineares às margens dos rios e revisão da atual classificação legal da água em alguns trechos — muitos ainda enquadrados na permissiva Classe 4, que admite maiores cargas de poluentes.
Mesmo após décadas de investimentos, trechos do Tietê continuam classificados como péssimos, mostrando a resiliência da poluição diante da fragilidade das políticas públicas. A queda recente da mancha de poluição é positiva, mas insuficiente para projetar um futuro sustentável para o rio.
O desafio é combinar políticas estruturais de saneamento, fiscalização, participação das empresas e engajamento social em torno da recuperação de um dos maiores patrimônios hídricos de São Paulo. Sem isso, o Tietê continuará a ser um rio vulnerável, exposto a retrocessos a cada crise climática ou acidente ambiental.
Você pode conferir o estudo aqui: https://darkslategray-goldfinch-715591.hostingersite.com/wp-content/uploads/2025/09/SOSMA-2023-Observando-o-Tiete.pdf







































