Um novo capítulo após a COP30
A conferência do clima realizada em Belém ficou marcada por debates intensos, avanços parciais e uma frustração evidente: a impossibilidade de incluir no texto final um compromisso explícito para eliminar gradualmente os combustíveis fósseis. O governo brasileiro, porém, decidiu não esperar o consenso internacional para agir. Poucos dias após o encerramento da COP30, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva anunciou a criação de um grupo interministerial destinado a transformar essa ambição em política doméstica.

A iniciativa, publicada no Diário Oficial da União, marca a tentativa do Brasil de assumir uma postura mais assertiva na transição energética global. O grupo reúne o Ministério de Minas e Energia, o Ministério da Fazenda, o Ministério do Meio Ambiente e Mudança do Clima e a Casa Civil, concentrando, em uma mesma instância, áreas que lidam com energia, orçamento, clima e articulação política. A missão central é dar forma ao chamado Mapa do Caminho para o fim dos combustíveis fósseis — uma proposta lançada pelo próprio Lula na COP30 e que dividiu opiniões ao redor do mundo.
Embora a conferência não tenha abraçado o conceito, o governo brasileiro transformou o impasse em ponto de partida. O grupo terá 60 dias para apresentar diretrizes e mecanismos que sustentem uma transição energética capaz de reduzir a dependência de petróleo, gás e carvão, e que também dialogue com os desafios econômicos e sociais internos.
O desafio político e diplomático por trás do Mapa do Caminho
Durante a COP30, o Mapa do Caminho surgiu como uma das propostas mais ambiciosas apresentadas por um país em desenvolvimento. Ministros da Alemanha, Colômbia, Reino Unido, Quênia e Serra Leoa manifestaram apoio público à ideia, sugerindo a formação de uma frente internacional para discutir o abandono dos fósseis. Esse entusiasmo inicial, no entanto, encontrou resistência imediata de países que dependem fortemente dessas fontes ou que temem impactos econômicos em suas cadeias de energia.
A omissão das palavras combustíveis fósseis no documento final da conferência expôs a sensibilidade do tema. Para o presidente da COP30, o embaixador André Corrêa do Lago, o resultado não foi exatamente uma surpresa. Ele próprio admitiu que a chance de consenso era remota, especialmente desde que o debate foi introduzido nas negociações climáticas durante a COP28, em Dubai, em 2023.
Mesmo assim, Corrêa do Lago decidiu manter viva a discussão no âmbito da própria presidência brasileira da conferência, que segue até o início da COP31. Ao deslocar o Mapa do Caminho para o terreno das iniciativas paralelas, o Brasil preserva a possibilidade de amadurecer a proposta sem depender da unanimidade entre quase duzentos países.

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Estrutura, financiamento e o papel do setor energético
O grupo interministerial criado agora não pretende apenas desenhar metas abstratas. Entre suas atribuições está a criação do Fundo para a Transição Energética, uma peça chave para viabilizar qualquer plano de mudança estrutural. O fundo será abastecido com parte das receitas obtidas por meio da exploração de petróleo e gás natural — uma estratégia que carrega uma certa ironia: usar ganhos do setor fóssil para financiar a própria descarbonização.
Além disso, o grupo deverá propor mecanismos financeiros que ajudem o país a expandir fontes renováveis e acelerar a transformação de sua matriz energética. A questão do financiamento foi justamente o ponto mais sensível durante a COP30. Países em desenvolvimento, incluindo o Brasil, defenderam que a transição energética global só fará sentido se houver recursos suficientes para tornar viável um processo que é caro, complexo e desigual entre nações.
O trabalho produzido será encaminhado ao Conselho Nacional de Política Energética (CNPE), que deverá consolidar as recomendações em políticas públicas de médio e longo prazo.
Entre avanços e cautelas: o que o Brasil busca construir
Embora a criação do grupo represente um gesto político importante, a tarefa adiante será árdua. O Brasil continua sendo um grande produtor de petróleo, com expectativas de aumento na exploração da margem equatorial e do pré-sal. Ao mesmo tempo, o país possui uma das matrizes elétricas mais limpas do mundo, baseada em hidrelétricas, eólica e solar — uma posição que lhe permite projetar liderança na transição global.
O que está em jogo é conciliar essas duas realidades. O Mapa do Caminho busca traduzir a ambição climática em políticas concretas, definindo metas de redução e prazos para substituição dos fósseis por energias renováveis. A criação do fundo e a articulação entre os ministérios são tentativas de evitar que a pauta fique restrita ao discurso e se transforme em programa de governo.
Ao avançar por conta própria após a COP30, Lula sinaliza que pretende manter o Brasil na dianteira do debate internacional, mesmo diante do ceticismo de grandes produtores de combustíveis fósseis. A construção desse caminho será longa e exigirá negociações internas delicadas, mas o movimento indica um posicionamento: o país quer influenciar o futuro da energia global, e não apenas reagir a ele.








































