Ele se alimenta de carniça, vive rondando lixões e é presença constante em estradas com animais atropelados. À primeira vista, o urubu-comum parece o oposto da higiene. Mas, na realidade, esse pássaro é uma espécie essencial para o equilíbrio ambiental — e possui hábitos surpreendentemente limpos que colocam em xeque nosso preconceito com a espécie. A verdade é que, quando o assunto é limpeza e saúde pública, o urubu-comum dá uma aula.

O papel do urubu-comum na natureza
O urubu-comum (Coragyps atratus), também conhecido como urubu-preto, é um dos principais “lixeiros naturais” do Brasil. Sua dieta é baseada em carne em decomposição, o que pode parecer repulsivo, mas cumpre uma função sanitária essencial: impedir a proliferação de doenças causadas por animais mortos.
Ao consumir cadáveres de outros bichos, ele evita que bactérias perigosas, como as que causam botulismo ou salmonelose, contaminem o solo, a água e até outros animais. Isso faz dele um verdadeiro aliado da saúde ambiental — um agente de limpeza natural que trabalha 24 horas por dia, sem exigir nada em troca.
Estômago poderoso e sistema imune imbatível
Uma das principais razões pelas quais o urubu-comum consegue se alimentar de carniça sem adoecer é o seu estômago extremamente ácido. Ele é capaz de neutralizar praticamente todas as bactérias e toxinas presentes na carne podre. Para se ter uma ideia, o pH do suco gástrico de um urubu pode chegar a níveis tão baixos quanto 1, semelhante ao de um ácido forte.
Além disso, seu sistema imunológico é altamente eficiente. Estudos mostram que os urubus têm uma microbiota intestinal composta por bactérias que os ajudam a digerir material putrefato sem causar infecções. O corpo deles é literalmente preparado para lidar com os resíduos que seriam letais para outras espécies.
Higiene pessoal: sim, o urubu-comum se limpa (e muito!)
Um dos grandes equívocos é imaginar que o urubu-comum vive sujo por comer carniça. A realidade é outra. Depois de cada refeição, ele dedica um tempo considerável à sua higiene. É comum vê-lo limpando o bico em galhos ou pedras e alisando as penas com o auxílio do bico — comportamento conhecido como “preening”.
Esse hábito não é apenas estético: ao se limpar, ele remove resíduos de carne, sangue e outros detritos que podem atrair parasitas. Além disso, o urubu se aproveita da luz do sol para manter suas penas secas e higienizadas, num processo conhecido como “termorregulação por exposição solar”. Ou seja: tomar sol não é só relaxante — é parte da faxina.
Defecar nas pernas: nojento ou inteligente?
Um dos comportamentos mais curiosos do urubu-comum é urinar e defecar nas próprias pernas. Pode parecer bizarro, mas isso tem uma função fisiológica e higiênica. Essa prática, chamada de “urohidrose”, ajuda a refrescar o corpo, especialmente em dias quentes — como um ar-condicionado natural.
Mas não para por aí: a acidez das fezes também atua como antisséptico, matando microrganismos que poderiam se instalar em suas patas após caminharem sobre cadáveres. Em outras palavras, o urubu usa os próprios excrementos como um tipo de “álcool em gel”. Parece grotesco, mas é extremamente eficaz.
Sem o urubu-comum, o problema seria nosso
Imagine um mundo sem urubus. O acúmulo de carcaças em áreas urbanas e rurais aumentaria rapidamente. Com isso, cresceria a proliferação de moscas, ratos e outros vetores de doenças, além de gerar um odor insuportável. Em poucas semanas, a saúde pública estaria comprometida — especialmente em regiões tropicais como o Brasil.
Esse cenário já é realidade em algumas cidades que tentaram afastar essas aves por razões estéticas ou de segurança aérea. O resultado? Aumento de lixo orgânico acumulado e mais gastos públicos com limpeza e controle de pragas. Ou seja, quando o urubu some, a sujeira sobra.
A visão distorcida da cultura popular
Infelizmente, o urubu-comum ainda é visto com desdém por muitas pessoas. Associações com morte, azar ou sujeira são reforçadas em filmes, desenhos animados e até expressões populares. Isso mostra o quanto o olhar humano pode ser limitado — e até injusto.
Biólogos e ambientalistas vêm tentando mudar essa imagem, destacando a importância ecológica do animal e seus hábitos higiênicos. Algumas escolas já introduzem o tema em atividades educativas para desconstruir mitos e ressaltar o valor dos urubus para o ecossistema.
O que podemos aprender com o urubu-comum?
Em tempos de crise climática, acúmulo de lixo e surtos de doenças, talvez devêssemos olhar para o urubu-comum com mais respeito. Seu papel discreto, mas vital, mostra que a limpeza não está necessariamente associada ao que é bonito ou cheiroso.
Mais do que isso: o urubu nos ensina sobre adaptação, equilíbrio e funcionalidade. Ele não desperdiça, não polui e ainda transforma o que seria foco de contaminação em recurso para a natureza. Se isso não é higiene com propósito, então o que seria?
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