O Brasil se encontra em uma encruzilhada histórica quando o assunto é o futuro energético global. O potencial do país para se tornar uma potência ambiental é inquestionável, mas os caminhos para alcançar essa transformação são repletos de desafios. Ao olhar para 2045, o Brasil tem a oportunidade de se consolidar como líder na transição energética, alcançando emissões líquidas negativas e demonstrando ao mundo como uma grande economia pode prosperar de maneira sustentável. No entanto, isso exigirá esforços coordenados, decisões estratégicas e, acima de tudo, comprometimento com uma mudança profunda na maneira como o país produz, distribui e consome energia.
Este capítulo inicial da série “Energia 2045: Brasil a Caminho da Potência Ambiental” explora as ambições do país e os desafios que o Brasil precisa enfrentar para alcançar sua meta de ser uma potência ambiental. Mais do que uma mera utopia, o caminho traçado para 2045 exige a implementação de políticas públicas inovadoras, o abandono gradual dos combustíveis fósseis e uma aposta firme em fontes renováveis, enquanto a sociedade precisa lidar com as implicações sociais, econômicas e ambientais dessa transição.
O Brasil e o Potencial para a Transição Energética
Com uma matriz energética predominantemente baseada em fontes renováveis, o Brasil já está em uma posição única quando comparado a muitas outras grandes economias globais. De acordo com o Balanço Energético Nacional (BEN) de 2024, as fontes renováveis representam mais de 89% da matriz elétrica do país, sendo a hidreletricidade a principal fonte, seguida pelas energias eólica, solar e de biomassa. Isso coloca o Brasil à frente de muitos países no que diz respeito à geração de eletricidade limpa e cria uma base sólida para a transição energética rumo a 2045.
No entanto, apesar de sua matriz elétrica ser predominantemente renovável, o setor energético brasileiro ainda depende consideravelmente de combustíveis fósseis. O petróleo e o gás natural continuam a desempenhar papéis importantes, especialmente nos setores de transporte e indústria. A transição energética que se desenha para as próximas décadas exigirá a redução gradual da dependência desses combustíveis e um aumento significativo na participação de energias renováveis não apenas na matriz elétrica, mas em toda a matriz energética do país.
Descarbonização e Justiça Energética
Uma transição energética eficaz não é apenas uma questão de substituir uma fonte de energia por outra; trata-se também de garantir que os benefícios dessa transição sejam amplamente distribuídos e que as populações vulneráveis não sejam deixadas para trás. A justiça energética é um dos pilares centrais dessa discussão no Brasil.
O país enfrenta uma realidade de desigualdade acentuada quando se trata de acesso à energia. Em regiões remotas, como na Amazônia Legal, ainda existem comunidades sem acesso regular à eletricidade, e milhões de brasileiros sofrem com a pobreza energética, definida como a incapacidade de arcar com os custos básicos de energia necessários para uma vida digna. Garantir que todos os brasileiros tenham acesso a uma energia limpa, confiável e a preços acessíveis é um dos principais desafios da transição.
A Tarifa Social de Energia Elétrica (TSEE) é uma medida importante, mas insuficiente. A série abordará em capítulos posteriores como a política precisa ser ampliada e complementada com outras iniciativas que incluam não apenas a redução de tarifas para populações de baixa renda, mas também programas que garantam a melhoria da eficiência energética nas residências e que facilitem o acesso a sistemas de geração distribuída, como a energia solar.
Além disso, a transição para uma matriz energética descarbonizada oferece ao Brasil a oportunidade de criar novos empregos e reduzir desigualdades socioeconômicas. Investir em fontes renováveis, como a energia solar e eólica, pode gerar milhares de empregos em áreas de instalação e manutenção de usinas, bem como na produção de equipamentos necessários para a expansão dessas tecnologias. No entanto, é fundamental que o planejamento dessas iniciativas seja realizado com foco na inclusão social e na capacitação da força de trabalho.
O Papel das Energias Renováveis
O Brasil tem um dos maiores potenciais do mundo para a produção de energia a partir de fontes renováveis. A energia solar fotovoltaica, por exemplo, tem mostrado crescimento expressivo nos últimos anos, e já representa uma parcela significativa da matriz elétrica do país. De acordo com a Associação Brasileira de Energia Solar Fotovoltaica (Absolar), em 2024, a capacidade instalada de energia solar atingiu 45,7 GW, superando todas as expectativas de crescimento. Com uma irradiação solar abundante ao longo de quase todo o território nacional, o Brasil tem condições de expandir essa capacidade ainda mais nos próximos anos.
Outro destaque é a energia eólica, que já ocupa a segunda posição entre as fontes renováveis mais importantes do Brasil. As condições favoráveis dos ventos, especialmente no Nordeste, fazem do país um dos líderes globais nesse setor. A expansão da energia eólica offshore também é uma possibilidade que vem sendo explorada, com projetos pilotos em desenvolvimento ao longo da costa brasileira.
Além disso, a biomassa desempenha um papel crucial, especialmente na produção de energia a partir de resíduos agrícolas e florestais. A cana-de-açúcar, em particular, é uma fonte de biomassa amplamente utilizada no Brasil, tanto para a geração de eletricidade quanto para a produção de biocombustíveis.
Essas fontes renováveis já são responsáveis por uma parcela significativa da eletricidade gerada no Brasil, mas, para que o país atinja suas metas de descarbonização, será necessário investir ainda mais nessas tecnologias e expandir sua utilização para além da matriz elétrica, alcançando outros setores como o de transportes e a indústria.
Os Desafios da Transição
Apesar de todo o potencial, a transição energética no Brasil enfrenta diversos desafios. Um dos principais é a dependência histórica do petróleo. O setor de petróleo e gás ainda desempenha um papel central na economia brasileira, sendo responsável por uma parte significativa do PIB e das exportações. Isso cria uma pressão econômica e política para manter a exploração de petróleo em alta, especialmente em novas fronteiras como a Foz do Amazonas.
A expansão da produção de petróleo, no entanto, vai na contramão das metas de descarbonização estabelecidas pelo Acordo de Paris e dos esforços globais para limitar o aquecimento global a 1,5°C. Embora o petróleo ainda seja uma commodity valiosa, o Brasil precisa traçar uma estratégia para reduzir sua dependência dessa fonte de energia e investir mais em renováveis. O desafio aqui é equilibrar as necessidades econômicas de curto prazo com os compromissos climáticos de longo prazo.
Outro grande obstáculo está no setor de transportes, que ainda é fortemente dependente de combustíveis fósseis, em especial o diesel. O Brasil precisa promover uma transformação radical em sua matriz de transporte, incentivando a eletrificação de veículos e o uso de biocombustíveis sustentáveis, como o etanol e o biodiesel. A transição para veículos elétricos, por exemplo, está em um estágio inicial no país, e exigirá investimentos significativos em infraestrutura, como a instalação de estações de recarga, além de políticas de incentivo à adoção desses veículos.
Além dos desafios econômicos e tecnológicos, a transição energética no Brasil também enfrenta obstáculos de natureza política e regulatória. Nos últimos anos, houve retrocessos importantes nas políticas de incentivo às energias renováveis, como a retirada de subsídios para a geração solar distribuída e a priorização de termelétricas a carvão e gás natural. Embora o governo atual tenha se comprometido com a transição energética, ainda falta um plano concreto e ambicioso que alinhe todas as políticas públicas em torno dessa agenda.
A Política Nacional de Transição Energética
Em agosto de 2024, o governo federal lançou a Política Nacional de Transição Energética (PNTE), uma iniciativa que busca atrair investimentos para a chamada economia verde, com a meta de gerar R$ 2 trilhões em investimentos ao longo dos próximos 10 anos. Embora seja um avanço importante, a PNTE ainda carece de detalhes concretos sobre como esses investimentos serão direcionados e quais setores serão priorizados.
A criação do Fórum Nacional de Transição Energética (FONTE) e do Plano Nacional de Transição Energética (PLANTE) são passos na direção certa, mas a sociedade civil e os especialistas alertam que é preciso mais ambição e comprometimento para que o Brasil alcance suas metas de descarbonização de forma justa e sustentável.
Oportunidades Econômicas e a Nova Indústria Verde
A transição energética não representa apenas um desafio, mas também uma enorme oportunidade econômica. Com a expansão das energias renováveis, o Brasil pode se posicionar como um dos principais exportadores de tecnologias verdes e produtos de baixo carbono, como biocombustíveis avançados e o hidrogênio verde.
A indústria do hidrogênio verde, em particular, é vista como uma das maiores apostas para o futuro energético do Brasil. O país tem condições ideais para a produção de hidrogênio a partir de fontes renováveis, como a energia solar e eólica, e pode se tornar um dos principais fornecedores dessa tecnologia para o mundo. Grandes players internacionais já estão de olho nesse mercado, e investimentos substanciais estão sendo feitos para desenvolver essa cadeia produtiva no Brasil.
Além disso, a reindustrialização verde pode gerar novos empregos e diversificar a economia brasileira, reduzindo sua dependência de commodities de alto impacto ambiental, como o petróleo. A transição para uma economia verde também pode ajudar o Brasil a se integrar mais plenamente nas cadeias produtivas globais que estão cada vez mais exigindo produtos com menor pegada de carbono.
A Rota para 2045
Para que o Brasil atinja a meta de ser uma potência ambiental até 2045, serão necessárias mudanças profundas em todos os setores da economia. A descarbonização da matriz energética precisa ser acompanhada por políticas de inclusão social, investimentos em infraestrutura verde e uma reorientação estratégica dos recursos públicos e privados.
O Brasil tem todas as condições de ser um líder global na transição energética, mas isso exigirá vontade política, mobilização social e, acima de tudo, coragem para fazer as escolhas difíceis que essa transformação demanda.
Revista Amazônia lança série especial: “Energia 2045: Brasil a Caminho da Potência Ambiental”
Nos próximos capítulos, a Revista Amazônia continuará a explorar esses temas com mais profundidade, analisando as políticas necessárias, as tecnologias emergentes e as implicações sociais dessa transição. O futuro do Brasil como uma potência ambiental está sendo construído hoje — e o que está em jogo é o futuro de todos nós.
Matérias disponíveis: Energia 2045: Brasil a Caminho da Potência Ambiental