Em tempos em que o Brasil se apresenta ao mundo como defensor das florestas, do clima e da inclusão regional, a realidade vivida pela Zona Franca de Manaus (ZFM) revela uma contradição tão crua quanto silenciosa: somos um país que nega infraestrutura ao seu maior polo industrial na Amazônia, e com isso, sabota sua própria promessa de desenvolvimento sustentável.

Cicatriz aberta
Enquanto o Sul e o Sudeste discutem reformas tributárias, portos privados e ampliação ferroviária, Manaus segue isolada. E não é força de expressão. No século XXI, o coração industrial da Amazônia ainda depende de rios imprevisíveis e estradas interrompidas. A BR-319, que deveria integrar Manaus a Porto Velho e ao restante do país, permanece um monumento ao abandono — asfaltada em trechos, paralisada em outros, e sem licença ambiental para ser completada. É uma cicatriz aberta na lógica de qualquer projeto de nação.

A indústria que resiste à margem
A ZFM abriga mais de 500 fábricas, emprega diretamente 100 mil pessoas e movimenta R$ 200 bilhões por ano. Produz de motocicletas a eletrodomésticos, passando por fármacos e bicicletas. Não é pouca coisa. Ainda assim, para escoar sua produção, depende de balsas e cabotagem via Belém, em uma jornada que pode levar até 28 dias. E com custo até três vezes maior do que o equivalente no Sudeste.
Esse modelo de logística ineficiente não apenas limita a competitividade das empresas locais como agrava a desigualdade federativa. Enquanto outras regiões contam com corredores rodoviários e ferroviários integrados, a Amazônia sofre com a ausência de planejamento e investimentos. Recebe menos de 0,2% do orçamento nacional de logística — quando o necessário seria 2,5% do PIB, segundo lideranças do setor.
A seca revelou o colapso
Em 2023 e 2024, uma seca histórica expôs a fragilidade desse sistema. Rios secos impediram a navegação, fábricas paralisaram, estoques se acumularam. O problema não foi apenas climático — foi estrutural. Porque não se trata apenas da falta de chuva, mas da ausência de alternativas.
A falta de infraestrutura não é um detalhe técnico: é um veto econômico, social e ambiental. É dizer, sem palavras, que a Amazônia não é prioridade. Que sua população pode pagar mais caro, esperar mais tempo e correr mais riscos para produzir o mesmo que se fabrica em São Paulo ou Curitiba.
Integração ou isolamento?
É impossível falar em justiça ambiental ou desenvolvimento sustentável sem garantir infraestrutura básica. E isso não se resolve com slogans ou discursos de cúpula internacional. Se o Brasil quer proteger sua floresta, deve antes integrar sua população ao restante do país com dignidade. Sem isso, a floresta vira símbolo vazio. E a indústria, uma promessa desfeita.

Hoje, defender a pavimentação sustentável da BR-319 é defender o direito da Amazônia de existir economicamente. É garantir que empresas possam competir em igualdade de condições, que famílias tenham acesso a bens essenciais e que os empregos não sejam perdidos por causa de um frete insustentável.
Reverter o abandono é possível
O que falta não é viabilidade técnica. Soluções existem: rodovias com engenharia ambiental, navegação interiorana reforçada, terminais integrados em Itacoatiara, Porto Velho e Belém. O que falta é vontade política.
E mais do que isso: falta reconhecimento. A Amazônia não pode ser tratada apenas como vitrine ambiental ou limite geográfico. Ela é parte central do Brasil, com gente que produz, consome, inova. Isolá-la é amputar o país de seu próprio futuro.








































