Rascunho de Plano Regional para Conservação dos Bagres Migratórios da Amazônia


Começou em Brasília, no dia 17 de setembro de 2025, um encontro de três dias que reúne autoridades, pesquisadores, sociedade civil e convidados internacionais com um objetivo em comum: garantir o futuro dos grandes bagres migratórios da Amazônia. O principal resultado esperado é a elaboração do primeiro rascunho do Plano Regional de Conservação dos Bagres, documento que deve estabelecer compromissos concretos e uma estratégia coordenada entre países para preservar espécies que são, ao mesmo tempo, fundamentais para o equilíbrio ecológico e para a sobrevivência de milhares de famílias.

Fernando Frazão/Agência Brasil

Os bagres migratórios da Amazônia não são apenas peixes, mas símbolos vivos da interconexão do bioma. Espécies como o dourado (Brachyplatystoma rousseauxii) e a piramutaba (Brachyplatystoma vaillantii) realizam a maior migração de água doce do planeta. Nascem no sopé dos Andes e percorrem milhares de quilômetros até a foz do rio Amazonas, onde crescem e se alimentam, antes de iniciar a difícil jornada de volta contra a correnteza. Nesse ciclo, transportam nutrientes essenciais, mantendo a vitalidade de todo o ecossistema amazônico.

A escala desse deslocamento impressiona. Alguns dourados percorrem mais de 8.000 quilômetros ao longo da vida — distância equivalente a uma viagem de ida e volta entre São Paulo e Nova York. No trajeto, enfrentam obstáculos naturais e, cada vez mais, barreiras criadas pelo ser humano, como barragens e desmatamento. Para sobreviver, dependem de uma capacidade de navegação extraordinária, que pesquisadores buscam compreender com o auxílio de tecnologias como a telemetria, que permite rastrear em tempo real as rotas migratórias.

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Por que eles importam

A importância desses peixes vai muito além da biologia. Eles sustentam a pesca comercial na região, movimentam exportações e garantem segurança alimentar a comunidades ribeirinhas que dependem deles há gerações. O colapso dessas espécies significaria não apenas a perda de biodiversidade, mas também o enfraquecimento do tecido cultural e econômico da Amazônia.

O dourado já está classificado como Vulnerável na Lista Vermelha da IUCN. A piramutaba, embora ainda não esteja oficialmente listada, apresenta sinais claros de declínio populacional. No Brasil, o monitoramento é feito pelo ICMBio, responsável pela Lista Vermelha da Fauna Ameaçada de Extinção, em consonância com os critérios da IUCN. Sem ações coordenadas, ambas as espécies podem estar em risco de colapso.

O “Workshop para Elaboração do Plano Regional de Conservação dos Bagres Migratórios da Amazônia” é um passo decisivo nesse enfrentamento. O evento é organizado pelo Ministério do Meio Ambiente e Mudança do Clima, pelo Ministério da Pesca e Aquicultura, pela Organização do Tratado de Cooperação Amazônica (OTCA) e pela Aliança Águas da Amazônia.

Para elaborar o rascunho, os participantes foram divididos em grupos temáticos que discutem desde a conservação de áreas prioritárias até governança, cadeias de valor da pesca, monitoramento científico e mecanismos de fiscalização. A expectativa é que o documento resultante seja um roteiro capaz de unir ciência, política e realidade social em torno de um objetivo comum.

Pressões crescentes

As pressões sobre os bagres migratórios se multiplicam. A pesca predatória, alimentada por alta demanda nacional e internacional, compromete a reposição natural dos estoques. Hidrelétricas bloqueiam rotas migratórias, quebrando a ligação entre áreas de reprodução e de alimentação. O desmatamento e a degradação dos ambientes aquáticos reduzem a qualidade da água e ameaçam várzeas essenciais para o ciclo de vida dessas espécies.

Isolados, esses fatores já seriam graves. Combinados, tornam-se uma ameaça sistêmica que pode levar dourado e piramutaba ao colapso. Daí a urgência de um plano regional, que ultrapasse fronteiras nacionais e trate a Amazônia como um sistema integrado.

O encontro em Brasília vai além de rascunhar um documento técnico. Ele representa um esforço de cooperação internacional, busca alinhar agendas e criar uma responsabilidade comum entre os países amazônicos. O desafio é equilibrar a conservação das espécies com a sobrevivência econômica das populações que delas dependem.

A jornada dos bagres migratórios reflete os dilemas da conservação amazônica: longa, árdua e repleta de obstáculos, mas essencial para manter vivo o maior bioma tropical do planeta. Se o Plano Regional for bem-sucedido, poderá se tornar referência em governança ambiental transfronteiriça, mostrando como ciência, política e saberes locais podem se unir em defesa da vida.