A artesã Luana Kaingang, de 34 anos, vive em uma comunidade de 58 famílias em Porto Alegre (RS), onde o artesanato tradicional depende do cultivo de plantas nativas como a criciúma, a taquara e o komag. Mas o que antes crescia em abundância hoje sofre com longas estiagens e temporais intensos. “Essas plantas não crescem como antes. Isso prejudica nossa produção e a renda da comunidade”, relata.

As mudanças climáticas têm afetado diretamente o sustento de povos indígenas em várias regiões do país — e, diante desse cenário, centenas de lideranças se reuniram nesta segunda-feira (13), em Brasília, para pedir a aceleração da demarcação de terras e a adoção de políticas de enfrentamento à crise ambiental.
O ato, promovido pela Articulação dos Povos Indígenas do Brasil (Apib) com apoio da Avaaz, reuniu cerca de 200 representantes de diferentes etnias. Eles caminharam até o gramado em frente ao Ministério da Justiça e realizaram falas públicas em defesa da regularização fundiária e da proteção climática.
“Escudo contra o desmatamento”
Segundo o diretor-executivo da Apib, Kleber Karipuna, cada território indígena demarcado funciona como um “escudo” contra o desmatamento. Ele destaca que estudos científicos comprovam a relação direta entre a proteção de terras indígenas e a conservação ambiental.
“A ciência comprova o que já sabemos: terra demarcada é floresta em pé e viva. Só nossos territórios na Amazônia geram 80% das chuvas que alimentam o agronegócio no Brasil”, afirmou Karipuna.
Entre 2001 e 2021, as Terras Indígenas da Amazônia absorveram cerca de 340 milhões de toneladas de CO₂ da atmosfera — volume equivalente às emissões anuais de combustíveis fósseis do Reino Unido. Além disso, essas áreas perderam historicamente apenas 1,74% de sua vegetação original, índice muito inferior ao observado em regiões fora dos territórios tradicionais.

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Propostas indígenas para o clima
O evento fez parte da campanha “A Resposta Somos Nós”, da Apib, e marcou também a apresentação da NDC Indígena — proposta construída por lideranças de diferentes povos para inserir a proteção de territórios, saberes e modos de vida nas metas oficiais do Brasil no Acordo de Paris.
Segundo a entidade, há 104 Terras Indígenas que aguardam apenas as etapas finais de regularização no Executivo Federal. A Apib defende que a conclusão desses processos é essencial não apenas para garantir direitos constitucionais, mas também para fortalecer a política climática nacional.
Impactos no Sul e no Centro-Oeste
Entre os participantes da manifestação estava também a jovem artesã Kauane Félix, de 24 anos, do povo Kaingang, moradora da zona rural de Nova Laranjeiras (PR). Com o filho de dois anos nos braços, ela contou que o desmatamento de araucárias e o uso de agrotóxicos próximos à comunidade vêm comprometendo a alimentação local.
“Está impactando o milho, o feijão, a mandioca e também as frutas nativas, como a pitanga. Quando eu era criança, fazia frio nesta época do ano. Agora, está calor”, disse.
No Paraná, comunidades Kaingang têm desenvolvido ações de reflorestamento com apoio da Polícia Rodoviária Federal (PRF), que auxilia no lançamento de sementes por helicóptero em áreas degradadas.
Na fronteira do Mato Grosso do Sul com o Paraguai, a indígena Sally Nhandeva, de 21 anos, relata outro tipo de pressão: ameaças de fazendeiros e pulverização de agrotóxicos em áreas próximas. “Queremos viver sem os agrotóxicos dos vizinhos e proteger nossa floresta. Eles entram na nossa comunidade querendo nos despejar”, conta.
Sally vive em território já demarcado, o que, segundo ela, oferece alguma segurança. Ainda assim, afirma que o medo é constante. “Se a gente fugir, quem vai lutar por nós?”, questiona.
Território como política climática
As manifestações reforçam a conexão direta entre justiça climática e segurança territorial. Para as lideranças indígenas, a demarcação das terras não é apenas uma questão fundiária, mas uma estratégia fundamental de preservação ambiental e de enfrentamento às mudanças climáticas.
Em um país que se prepara para sediar a COP30, em 2026, em Belém, as vozes indígenas cobram do governo que políticas de clima incluam, de forma efetiva, a proteção dos territórios e dos modos de vida tradicionais. “Demarcação é política climática”, resume uma das faixas erguidas no ato.







































