Em meados de outubro de 2025, os olhos da comunidade científica e da esfera política se voltaram para uma carta enviada ao editor da revista Nature, redigida pelos diretores do IPAM (Instituto de Pesquisa Ambiental da Amazônia), Paulo Moutinho e André Guimarães. Nesse texto formal, mas carregado de urgência, os pesquisadores defenderam que o Brasil poderia deixar um legado decisivo na COP30, em Belém, se ampliasse de modo substancial as áreas de floresta sob proteção legal na Amazônia. Eles apresentaram uma visão estratégica: unir a preservação do bioma às responsabilidades climáticas globais, em um gesto capaz de reforçar credibilidade nacional e compromisso internacional.

Moutinho e Guimarães destacaram que, legalmente, muitas dessas florestas já deveriam estar destinadas à conservação, mas o processo de definição tem sido adiado por estados e governos federais. Essa demora, segundo eles, deixou um imenso território vulnerável à grilagem, ao garimpo ilegal e aos incêndios florestais — ameaças que corroem, diariamente, o capital natural da Amazônia. Eles propuseram que as chamadas FPNDs (Florestas Públicas Não Destinadas), hoje com cerca de 50 milhões de hectares no bioma, sejam oficialmente convertidas em unidades de conservação ou de uso sustentável, com prioridade para povos indígenas, comunidades tradicionais e extrativistas.

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Para aprofundar essa proteção, sugeriram ainda que se estendam salvaguardas a mais 30 milhões de hectares de vegetação florestal. Parte desse território já pertence a pequenos proprietários, que poderiam continuar produzindo, sob apoio técnico e financeiro, e ao mesmo tempo ser remunerados pela preservação da vegetação remanescente. Outra parcela, excedente de Reserva Legal em grandes propriedades, legalmente passível de desmatamento, poderia ser incorporada a programas como o Conserv, que paga por serviços ambientais associados à manutenção de áreas naturais.
Os pesquisadores lembraram que proteger mais florestas traz benefícios diretos ao país: mais de 90% da agricultura brasileira depende de chuvas, e a floresta amazônica cumpre papel essencial na geração e manutenção desses regimes pluviométricos. Assim, ampliar a conservação não é apenas uma medida ecológica, mas uma estratégia para garantir segurança alimentar e mitigar impactos climáticos globais.
Um dado alarmante citado na carta: das perdas de vegetação nativa no bioma amazônico, cerca de 36,5% ocorrem em florestas públicas não destinadas. No primeiro semestre de 2025, foram desmatados mais de 69 mil hectares nessas áreas, enquanto 32,7 milhões de hectares seguem sob risco de ocupação ilegal.
Para além dos argumentos técnicos, o IPAM fez um apelo simbólico: ao destinar essas terras à conservação, o Brasil poderia reivindicar a “maior contribuição individual de uma nação ao combate da crise climática” — imagem potente para ganhar relevância no contexto da COP30.
Essa proposta, se acolhida, poderia transformar o perfil brasileiro no cenário internacional: não apenas como país amazônico, mas como ator que entrega resultados ambiciosos e estruturados de conservação. Em outras palavras, não se pede apenas discurso, mas compromisso institucional de longo prazo.
A carta do IPAM foi recebida como um desafio e uma chamada, especialmente para um momento em que o Brasil, por sediar a conferência, tem sob os olhos do mundo a expectativa de mostrar liderança global. A proteção das florestas públicas não destinadas pode ser um fio condutor entre diplomacia climática e ação efetiva no território.








































