BNDES liberou R$ 250 milhões para restaurar biomas degradados


No início de outubro de 2025, o Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES) anunciou um aporte significativo: R$ 250 milhões destinados à restauração ecológica de mais de 24 mil hectares degradados nos biomas Amazônia, Cerrado e Mata Atlântica. O anúncio representou o maior financiamento já aprovado pelo BNDES com recursos do Fundo Clima para recuperação de mata nativa no país.

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O convênio foi formalizado com a Suzano, multinacional brasileira líder na produção de celulose, que opera vastas áreas florestais no país. O plano envolveu recuperar vegetação em regiões de preservação permanente e reserva legal em diversos estados, entre os quais São Paulo, Bahia, Espírito Santo, Maranhão, Pará e Mato Grosso do Sul, contemplando parte dos biomas Cerrado, Mata Atlântica e Amazônia.

Objetivos e escopo da restauração

Segundo o BNDES, o projeto previa atuação em cerca de 24.304 hectares degradados, somando áreas de solo exposto, pastagens, vegetação secundária e zonas agrícolas que poderiam se beneficiar de intervenções de restauração adaptativas. Um ponto importante era que cerca de 60% dessas áreas pertenciam a imóveis de terceiros, parceiros da Suzano, o que implicaria em ações de restauração colaborativa.

As metas envolviam não só recompor ecossistemas, mas também restaurar funções ecológicas: reduzir erosão, proteger nascentes e recursos hídricos, reconectar corredores ecológicos e recuperar biodiversidade local. Esperava-se que as áreas restauradas capturassem aproximadamente 228 mil toneladas de CO₂ equivalente por ano.

Além disso, parte do esforço seria direcionada à regularização ambiental de mais de mil imóveis rurais nos estados contemplados, uma medida que integrou aspectos jurídicos, ambientais e de governança no projeto.

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Contexto: o papel do Fundo Clima e o desafio das monoculturas de eucalipto

O Fundo Clima, criado em 2009, consiste em instrumento público de financiamento de iniciativas de mitigação e adaptação climática, incluindo restauração florestal. O aporte da ordem de R$ 250 milhões representou, de fato, o maior desembolso desse tipo até então autorizado pelo BNDES dentro desse programa.

A escolha da Suzano não foi casual. A empresa mantém cerca de 1,5 milhão de hectares plantados de eucalipto, usados para produção de celulose, distribuídos entre os biomas Amazônia, Mata Atlântica e Cerrado, dentro de seus 2,6 milhões de hectares de florestas sob controle. Esse cenário insere o projeto num contexto mais amplo: o Brasil ocupa o nono lugar mundial em áreas plantadas com eucalipto, com mais de 7,8 milhões de hectares espalhados por vários estados como Minas Gerais, Mato Grosso do Sul, São Paulo, Paraná, Santa Catarina, Rio Grande do Sul e Bahia.

As monoculturas intensivas de eucalipto têm sido alvo de alertas de pesquisadores. Um estudo da Universidade Federal de Juiz de Fora (UFJF) apontou que essas monoculturas podem reduzir em quase 30% a diversidade de invertebrados bentônicos. Além disso, o manejo intensa dessas plantações tende a esgotar nutrientes do solo — porque os ciclos de retorno de matéria orgânica não são suficientes para compensar a retirada —, o que pode levar à acidificação. O uso elevado de água pelas plantações também é um risco apontado por estudos da Universidade Estadual de Goiás: solos desprotegidos ficam mais sujeitos à erosão, ao aumento de temperatura local e à intensificação do impacto das chuvas. Outro aspecto preocupante refere-se à alelopatia: folhas de eucalipto podem liberar compostos químicos no ambiente aquático ao serem carregadas pela chuva, prejudicando organismos aquáticos.

Significados, riscos e desafios

Esse investimento do BNDES aponta para uma tentativa de aliar restauração ecológica a compromissos climáticos e ao modelo de bioeconomia. Se entregue conforme o previsto, o projeto poderia servir como modelo de parcerias público-privadas para reflorestamento em escala, integrando objetivos ambientais, sociais e produtivos.

No entanto, há desafios. A restauração de ecossistemas complexos requer monitoramento, adaptabilidade e insumos técnicos diversificados. A garantia de continuidade ao longo dos anos, diante de pressões econômicas, é essencial. Além disso, a dimensão territorial e os riscos de retrocessos, por retomadas de práticas intensivas, são elementos que colocam pressão sobre a eficácia real.

Ainda, a articulação entre os interesses econômicos de empresas florestais e as exigências ambientais demanda mecanismos sólidos de governança, transparência e envolvimento local. O fato de grande parte da restauração incidir sobre imóveis de terceiros e parceiros implica coordenação cuidadosa e equidade nas relações.

Por fim, o aporte reforça uma estratégia em voga no Brasil: utilizar a restauração florestal como instrumento de mitigação de emissões de gases de efeito estufa e como componente da agenda climática nacional. Se bem executado, pode render ao Brasil não apenas ganhos ambientais locais, mas credibilidade internacional e protagonismo nas negociações climáticas.