A COP30 abriu espaço para debates que ultrapassam a agenda climática tradicional e iluminam questões de identidade, território e reconhecimento histórico. Na Arena Agri Talks, instalada na AgriZone dentro da sede da Embrapa Amazônia Oriental, em Belém, o tema ganhou contornos inéditos: políticas públicas para Povos Tradicionais de Matriz Africana. O encontro, realizado neste domingo, reuniu lideranças comunitárias, especialistas e representantes do governo do Pará, consolidando um debate muitas vezes invisibilizado nas agendas ambientais.

A iniciativa foi conduzida pela Emater-Pará, que transformou o espaço da COP30 em palco para algo mais profundo do que anúncios protocolares. A instituição realizou a entrega de dois documentos centrais para a inclusão rural: o Cadastro Ambiental Rural (CAR) e o Cadastro da Agricultura Familiar (CAF). O gesto simboliza uma inflexão histórica, especialmente para comunidades que, por décadas, estiveram à margem dos mecanismos formais de regularização e acesso a políticas públicas.
A entrega foi feita ao agricultor e pai de santo Cristiano dos Santos, morador de Marituba. Em seu relato, ele descreveu a importância do documento como uma chave que abre portas não apenas para o seu trabalho, mas para toda a comunidade. A documentação, explicou, representa a possibilidade de planejar o futuro: pensar em projetos produtivos, fortalecer o terreiro, acessar editais e conquistar autonomia. Seu depoimento sintetiza a essência do que estava em discussão ali: políticas públicas só existem plenamente quando chegam às pessoas certas.
A ação nasce de uma diretriz estruturante da Emater-Pará: a Política de Interesse de Direitos Difusos e Coletivos, instituída pela Portaria nº 0456/2023. Essa política estabelece que a equidade nas relações de gênero, geração, raça e etnia não é um apêndice institucional, mas uma prioridade operacional. É ela que orienta a presença dos extensionistas rurais junto a povos indígenas, comunidades quilombolas, mulheres agricultoras e, agora, os Povos Tradicionais de Matriz Africana, reconhecendo suas especificidades e vulnerabilidades.
Swasilanne Fonseca, zootecnista e chefe do Núcleo de Programas e Projetos da Emater-Pará, destacou que o programa é pioneiro entre as instituições públicas de assistência técnica no Brasil. Atualmente, o atendimento chega a terreiros em sete municípios e beneficia 39 comunidades Potma, mas a meta é expandir o alcance para outras regiões do estado. A ampliação não é apenas territorial: envolve formação de extensionistas, metodologias específicas e construção de vínculos com lideranças religiosas e culturais.

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A engenheira ambiental Camila Salim, coordenadora de operações da Emater-Pará, reforçou que uma pauta desse porte dentro da COP30 evidencia um movimento mais amplo: o reconhecimento de que a transição climática não se sustenta sem justiça social. Para ela, o trabalho de campo dos extensionistas é o elo entre o plano global e a vida real das comunidades. Levar assistência técnica gratuita, adequada e respeitosa a públicos historicamente excluídos é, em si, uma política climática. É garantir dignidade, autonomia produtiva e segurança territorial — três pilares invisíveis, mas essenciais, na construção de adaptação climática.
A discussão também revelou um aspecto central da COP30: a busca por protagonismo amazônico na construção de políticas ambientais. Ao incluir os Povos Tradicionais de Matriz Africana no debate climático, a conferência abre espaço para narrativas que quase nunca aparecem nos fóruns globais. O evento mostrou que falar de florestas, clima e agricultura na Amazônia exige olhar para sua pluralidade cultural, religiosa e produtiva. E que as políticas públicas só produzem justiça quando reconhecem essa diversidade.
Em Belém, as discussões sobre clima ganharam contornos mais humanos. Ali, a entrega de um CAR ou de um CAF representou mais do que burocracia rural: significou reparação histórica, ampliou direitos e devolveu protagonismo a comunidades que fazem parte do tecido cultural amazônico. Ao expor essas histórias no maior evento climático do mundo, a Emater-Pará reposicionou o debate, mostrando que a transição justa começa com ações concretas — e começa pelo chão, pelos terreiros, pelas comunidades que sustentam a vida amazônica todos os dias.







































