Nas imponentes montanhas dos Andes, que abrigam uma rica fauna como o puma, o condor-andino e o urso-de-óculos, existe uma árvore menos conhecida, mas de importância vital: a polylepis, conhecida também como a “árvore-nuvem”. Essas árvores, que crescem a altitudes impressionantes de até 5.000 metros, são as de maior altitude do planeta e desempenham um papel essencial na preservação dos ecossistemas andinos. Elas têm a capacidade única de capturar água das nuvens e da fusão das geleiras, liberando-a de forma gradual através do musgo que as reveste, alimentando rios e nascentes que, por fim, abastecem o imenso sistema do rio Amazonas.
Desmatamento ameaça as florestas de polylepis
No passado, vastas áreas dos Andes eram cobertas por florestas de polylepis, mas o desmatamento e o avanço do desenvolvimento nos últimos séculos reduziram essas florestas a apenas 500.000 hectares, uma fração mínima da cobertura original. Como consequência, as florestas deixaram de fornecer uma proteção natural contra deslizamentos de terra e enchentes, além de colocar em risco o abastecimento de água das milhões de pessoas que dependem dos contrafortes andinos.
Constantino Aucca Chutas, biólogo peruano e descendente da comunidade Quechua, sentiu-se inspirado a proteger as terras ancestrais de seus avós e as comunidades locais que delas dependem. “Cresci ao lado dos rios e da natureza, e pensei comigo mesmo, seria maravilhoso se pudéssemos preservar tudo isso para as futuras gerações”, compartilhou Aucca Chutas em entrevista.
Em 2018, ele co-fundou a Acción Andina, uma colaboração entre a organização americana Global Forest Generation e a peruana Asociación Ecosistemas Andinos, com o objetivo de restaurar as florestas de altitude e proteger as comunidades que delas dependem. O trabalho começou no Peru, mas logo se expandiu para outros países andinos, como Equador, Argentina, Bolívia, Chile e Colômbia. O projeto visa restaurar um milhão de hectares de florestas nativas até 2045, e, até hoje, mais de 10 milhões de árvores foram plantadas com o apoio de milhares de famílias indígenas.
“Assim como no Império Inca, quando todos os povos andinos se uniram, hoje nos unimos pela proteção de uma árvore, a polylepis,” afirmou Aucca Chutas.
Reviver a Cultura Inca e Proteger a Natureza
A relação dos incas com a natureza era profunda, com um grande respeito pela Pachamama (Mãe Terra), cujos elementos naturais, como rios, montanhas e animais, eram venerados e considerados parte do equilíbrio do mundo. “Na cultura inca, o ambiente era tratado com respeito, e as pessoas viviam em harmonia com a natureza. Precisamos resgatar esse ensinamento,” afirma Aucca Chutas.
Para restaurar o ecossistema andino, ele também recupera os princípios de Ayni e Minka, que representavam a colaboração entre as pessoas para o bem comum. Através da Acción Andina, ele busca envolver as comunidades locais em um esforço coletivo para salvar as florestas de altitude. “Plantar milhões de árvores não é algo que posso fazer sozinho”, destaca.
Todos os anos, em Cusco, no Peru, a Acción Andina organiza o festival Queuña Raymi, um evento de plantio de árvores que reúne todas as gerações da comunidade local. O evento começa com rituais tradicionais, como danças e músicas em homenagem à Pachamama, seguidos de uma jornada montanha acima para plantar mudas de polylepis. Em edições anteriores, até 100.000 árvores foram plantadas em um único dia.
Restauração e Proteção Sustentável
Após o plantio, são implementadas cercas e programas de proteção contra incêndios, com o auxílio das comunidades para manter e cuidar das árvores. A troca de conhecimento é fundamental para o sucesso do projeto, já que as comunidades locais possuem uma conexão profunda com a floresta e um entendimento único sobre como as árvores crescem em diferentes regiões e altitudes.
Em troca de seus esforços, a Acción Andina também oferece apoio às comunidades, como serviços médicos e a instalação de painéis solares para eletrificação de vilarejos. Além disso, a organização ajuda na garantia de direitos territoriais e na criação de áreas protegidas contra a exploração de empresas madeireiras, mineradoras e petrolíferas.
Modelo de Conservação Comunitária Reconhecido Globalmente
A iniciativa foi reconhecida mundialmente, e em 2024, a Acción Andina recebeu o Prêmio Earthshot do Príncipe William na categoria “Proteger e Restaurar a Natureza”. Além disso, em 2022, Aucca Chutas foi nomeado “Campeão da Terra” pela ONU.
Elizabeth Mrema, diretora-executiva adjunta do Programa das Nações Unidas para o Meio Ambiente, destacou a importância dessa restauração liderada pela comunidade, afirmando que é um exemplo de como pessoas e comunidades podem se unir para a preservação da natureza, criando empregos e ampliando os esforços de conservação globalmente.
As florestas de polylepis desempenham um papel crucial na proteção contra a erosão do solo, na captura de umidade e na retenção da água da chuva. Elas são fundamentais para a segurança hídrica e a estabilidade ambiental da região. “A conservação e proteção da Pachamama são responsabilidades de todos nós”, conclui Aucca Chutas, reforçando a necessidade de um esforço coletivo para salvar a Mãe Terra.