Proteína ORF6 como peça-chave
Um estudo revelou como o SARS-CoV-2, vírus causador da COVID-19, se esquiva do sistema imunológico. Pesquisadores identificaram a proteína ORF6 como peça-chave nesse processo. O artigo foi publicado na revista Cell.
A pesquisa, conduzida por Wilfredo Garcia-Beltran e Julie Boucau, do Ragon Institute (Mass General, MIT e Harvard), teve como primeira autora a brasileira Marcella Cardoso, pós-doutoranda na Harvard Medical School – Massachusetts General Hospital, em parceria com Jordan Hartmann, também da Harvard. Cientistas de instituições brasileiras e alemãs também participaram do estudo.
“Observamos que o SARS-CoV-2 evita a detecção pelo sistema imune ao diminuir os sinais de sua presença nas células infectadas. Ele modifica proteínas na superfície dessas células, dificultando a interação com linfócitos”, explica Cardoso.
Linfócitos natural killers
Os linfócitos natural killers (NK) são cruciais na resposta imune inata, a primeira linha de defesa contra infecções. Eles identificam células infectadas por meio de ligantes de estresse, como MIC-A/B. A ORF6 do SARS-CoV-2 interfere nesse processo, removendo os ligantes e ajudando o vírus a escapar.
Para confirmar esse mecanismo, os pesquisadores usaram um anticorpo, o 7C6, para proteger os receptores de MIC-A/B. Com isso, as células NK tiveram mais sucesso em destruir as células infectadas.
Participaram do estudo outros quatro brasileiros: Maria Cecília Ramiro, doutoranda, e os professores Fernanda Orsi, Lício Velloso e Erich de Paula, da Unicamp. De Paula destaca que a participação da Unicamp foi possível graças a projetos financiados pela FAPESP durante a pandemia.
“Colaboramos na discussão de estratégias e compartilhamos uma coorte clínica para validação dos dados”, afirma de Paula, coordenador do projeto sobre hemostasia na COVID-19. Velloso conduziu um ensaio clínico sobre inibição de bradicinina em adultos hospitalizados com COVID-19 grave.
“Os estudos revelaram que a eliminação de proteínas também ocorre em casos graves de COVID-19. Dados coletados durante a hospitalização foram essenciais para essa pesquisa internacional”, enfatiza Cardoso.
As amostras do Hospital de Clínicas da Unicamp mostraram diversidade nos desfechos clínicos devido às diferentes cepas do vírus. Em paralelo, experimentos in vitro foram realizados com células pulmonares infectadas pelo vírus vivo.
Novos rumos para pesquisa e tratamento
Estudos oncológicos pré-clínicos indicaram que o anticorpo monoclonal 7C6 impede a eliminação de MIC-A/B. O artigo investigou se ele poderia também conter a evasão imunológica do coronavírus.
“Essa abordagem pode não apenas eliminar células infectadas, mas também aumentar a coestimulação dos linfócitos T CD8+, ativando tanto o sistema imune inato quanto o adaptativo”, diz Cardoso. Experimentos in vitro foram realizados para testar essa hipótese.
“Entender como o SARS-CoV-2 e outros coronavírus afetam essas proteínas e a resposta imunológica ajuda a identificar possíveis alvos para novos tratamentos, fortalecendo o sistema imunológico e combatendo a infecção”, explica Cardoso.
A pesquisa abre novas frentes para terapias antivirais direcionadas pelo hospedeiro. A descoberta do papel do anticorpo 7C6 na eliminação de células infectadas com o SARS-CoV-2 sugere estratégias terapêuticas inovadoras. “Os próximos passos incluem testes in vivo, em modelos animais transgênicos, para avaliar a aplicabilidade clínica da estratégia”, conclui Cardoso. “Embora ainda sejam necessárias mais etapas de pesquisa, os resultados são promissores.”
O artigo “Evasion of NKG2D-mediated cytotoxic immunity by sarbecoviruses” pode ser acessado em: ScienceDirect.