A Amazônia enfrenta um aumento alarmante da degradação florestal, com dados do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe) indicando mais de 38 mil focos de queimadas em agosto, um aumento de 120% em relação ao mesmo período de 2022. No Dia da Amazônia, celebrado em 5 de setembro, a devastação continua avançando. No entanto, a ciência aponta um caminho promissor: a restauração biocultural, que alia conhecimentos tradicionais e científicos, pode ser uma ferramenta fundamental para a preservação do bioma.
Restauração biocultural
Uma metodologia inovadora de restauração biocultural foi testada com sucesso em um estudo liderado pelo Museu Paraense Emílio Goeldi (MPEG), em parceria com a Universidade Federal do Oeste do Pará (Ufopa), Universidade Federal de Pernambuco (UFPE) e comunidades indígenas Tupinambá de quatro aldeias na Reserva Extrativista (Resex) Tapajós-Arapiuns, no Pará. O projeto investigou os impactos dos incêndios frequentes nas florestas e como os povos locais percebem e lidam com a degradação, propondo uma abordagem de restauração que combina saberes tradicionais com ciência moderna.
Os resultados mostraram que o fogo reduz drasticamente a biomassa florestal — 44% em áreas queimadas uma vez e 71% em regiões atingidas por incêndios múltiplos. Além disso, a perda de biodiversidade variou de 37% a 51%. A pesquisa destaca que florestas queimadas se tornam ainda mais suscetíveis a novos incêndios, o que gera um ciclo de degradação e vulnerabilidade social, prejudicando comunidades locais e os serviços ecológicos essenciais que a floresta oferece.
Ima Célia Vieira, ecóloga e pesquisadora do Museu Goeldi, coordenou o projeto de recuperação das áreas degradadas. Ela explica que a restauração biocultural é uma estratégia eficaz para reverter esse quadro: “A restauração biocultural pode transformar florestas degradadas em florestas sociais de uso múltiplo, ao mesmo tempo em que fortalece a produção local e os valores culturais associados à floresta”. Essa abordagem combina a regeneração natural das áreas com o plantio de espécies úteis para as comunidades indígenas, promovendo a subsistência local e a recuperação ambiental.
O protagonismo dos povos indígenas e comunidades tradicionais na preservação da Amazônia é cada vez mais evidente. De acordo com dados do MapBiomas, as Terras Indígenas (TIs) são as áreas mais preservadas do Brasil, com apenas 1% de perda de vegetação nativa entre 1985 e 2023, em contraste com uma redução de 28% em áreas privadas. No projeto, as comunidades Tupinambá elaboraram um plano de restauração que visa criar florestas sociais nas áreas degradadas, reforçando a importância da integração de saberes tradicionais e científicos.
Estudos recentes, como “Os motores e impactos da degradação da floresta amazônica”, publicado na revista Science, alertam que 38% das florestas remanescentes da Amazônia estão sob ameaça de degradação. O avanço do fogo, combinado com a exploração madeireira ilegal, é o principal fator dessa tendência. As florestas degradadas emitem mais CO2, liberam menos água para a atmosfera, dificultando a formação de chuvas, e perdem biodiversidade em ritmo acelerado.
O estudo também traz propostas para enfrentar a degradação florestal. Entre as recomendações estão a criação de políticas públicas voltadas para o monitoramento da degradação, incentivos para preservar a qualidade das florestas em áreas de reserva legal e a criação de fundos emergenciais para combater o fogo em anos de secas extremas. Essas medidas são essenciais para proteger os territórios mais afetados, como os municípios de São Félix do Xingu, Altamira e Santarém, que juntos concentraram mais da metade da degradação florestal entre 2018 e 2022.
Ima Vieira reforça a importância de uma abordagem integrada para lidar com os incêndios florestais e a degradação ambiental. “O fogo não apenas destrói a biodiversidade, mas também compromete os meios de subsistência das comunidades locais, afetando diretamente suas áreas de extrativismo”, explica a pesquisadora, que também assessora a FINEP em temas relacionados à Amazônia.
A restauração biocultural surge, assim, como uma solução promissora para enfrentar a degradação e criar um futuro sustentável para a Amazônia, valorizando tanto a ciência quanto os saberes e práticas tradicionais dos povos que habitam a região.