Agroflorestas ganham força como resposta à crise climática

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A ideia de que florestas produtivas podem coexistir com lavouras deixou de ser apenas um ideal de ambientalistas para tornar-se uma estratégia concreta diante das mudanças climáticas. Em diversos territórios do Brasil e do mundo, ganha força um modelo de uso da terra que combina cultivos agrícolas e vegetação nativa, permitindo que milho cresça sob a copa de uma castanheira e que áreas degradadas se tornem viveiros de biodiversidade. Esse modelo é conhecido como agrofloresta e tem sido apresentado por especialistas como um dos caminhos mais eficientes para enfrentar o aquecimento global.

Yago Fagundes/Divulgação

Ao contrário de sistemas baseados em monocultivos e no uso intensivo de agrotóxicos, a agrofloresta parte da própria lógica da natureza. A coexistência de plantas de porte variado, raízes profundas, sombreamento natural e reciclagem de nutrientes cria um ambiente no qual o solo se recupera, a água circula com mais eficiência e a emissão de dióxido de carbono diminui. Quanto mais árvores vivas, maior a capacidade de absorção de carbono e menor a concentração de gases que intensificam o efeito estufa.

Em entrevista ao podcast S.O.S! Terra Chamando!, Moisés Savian, engenheiro agrônomo e secretário do Ministério do Desenvolvimento Agrário, disponível no site do próprio Ministério do Desenvolvimento Agrário, explica que a agrofloresta responde simultaneamente a duas frentes centrais da crise climática: mitigação e adaptação. Ele cita o exemplo de um pasto degradado que, ao ser convertido em agrofloresta, passa a estocar carbono. E lembra também que lavouras associadas a árvores são mais resistentes às estiagens, pois se beneficiam da umidade retida pelas raízes profundas e do microclima criado pela sombra.

Essa visão integrada, segundo Savian, não se limita ao aspecto ambiental. Ela articula produção de alimentos, geração de renda, fortalecimento comunitário e combate à fome. Foi por isso que o tema ganhou destaque nas discussões da COP30, realizada em Belém, onde pesquisadores e lideranças apontaram as florestas produtivas como parte fundamental da agenda climática brasileira.

Entre esses especialistas está o climatologista Carlos Nobre, referência internacional nos estudos sobre Amazônia. Em conversa recente para o mesmo podcast, ele lembrou que povos indígenas desenvolveram sistemas agroecológicos complexos milhares de anos antes da ciência moderna estudá-los. Os mais de dois mil produtos da biodiversidade usados tradicionalmente exemplificam a convivência harmoniosa entre agricultura e floresta, um conhecimento ancestral que ainda sustenta muitas comunidades amazônicas.

Essa sabedoria também tem inspirado iniciativas contemporâneas, como o programa de cooperação entre Botuporã, na Bahia, e pequenas comunidades da Alsácia do Norte, na França. O projeto, iniciado em 2021, articula agricultores, estudantes e voluntários dos dois países em torno da difusão de práticas agroecológicas. A prefeitura de Eschbach, liderada por Hervé Tritschberger, idealizou a parceria em diálogo com a gestão municipal baiana, reconhecendo que desafios agrícolas distintos podem ser enfrentados com objetivos comuns.

O jovem Yago Fagundes, estudante de Direito, foi um dos participantes dessa troca. Ele viveu uma imersão em território francês, conhecendo propriedades certificadas como orgânicas e participando da produção tradicional do queijo Tomme de Vache. De volta ao Brasil, ajuda a aplicar os aprendizados em ações comunitárias, oficinas e projetos escolares. Segundo ele, a agroecologia fortalece laços internacionais e constrói uma rede de solidariedade capaz de transformar solos pobres em sumidouros de carbono. Em contrapartida, voluntárias francesas passaram meses em Botuporã aprendendo técnicas de agricultura orgânica brasileira, demonstrando que a troca é bilateral.

5_-_yago_1-400x239 Agroflorestas ganham força como resposta à crise climática
Yago Fagundes/Divulgação

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A experiência resultou em um livro público, apresentado no Festival Nosso Futuro, em Salvador, e que consolida as principais reflexões e aprendizados do programa. Para o prefeito francês, a troca é também uma oportunidade de repensar contradições presentes no modelo europeu: países que rejeitam agrotóxicos em sua produção interna, mas consomem alimentos importados cultivados com químicos.

As histórias de transformação não estão apenas em programas internacionais. No Rio de Janeiro, o jornalista socioambiental William Torres cultiva verduras e leguminosas no quintal de casa e vê nisso um gesto político e afetivo. Ele conta que sua primeira referência em agroecologia veio do quintal das avós, muito antes de conhecer o termo. Para ele, práticas sustentáveis incluem não apenas o cultivo sem venenos, mas também a valorização do território, das memórias familiares e da relação íntima com a natureza. Sua visão destaca que cada gesto que rompe com a lógica extrativista do agronegócio é um ato de resistência.

O próprio governo brasileiro vem usando a COP30 para apresentar ao mundo sua agenda de florestas produtivas. Savian, representando o Ministério do Desenvolvimento Agrário, ressalta que o país tem milhões de hectares de áreas degradadas e pastagens subutilizadas com enorme potencial para serem convertidas em sistemas agroflorestais. O futuro, segundo ele, passa por incentivar agricultura de baixo carbono, diversa e resiliente, com apoio de crédito rural e participação ativa de consumidores e redes de varejo. Ele cita como exemplo iniciativas que já trabalham com prateleiras dedicadas a produtos da floresta e adotam pagamento antecipado aos agricultores, reduzindo a vulnerabilidade financeira de pequenos produtores.

Para Savian, a transição para a Floresta em Pé é gradual, mas vital. Ele compara o processo a um remédio homeopático: doses pequenas, contínuas e transformadoras. Combinada ao combate ao desmatamento, à restauração florestal e à pecuária sustentável, a agrofloresta oferece um caminho possível para enfrentar a crise ambiental global.