Pau-brasil ganha proteção internacional reforçada a partir de 2026


O pau-brasil, árvore que deu nome ao país e atravessou séculos como símbolo da exploração colonial e da resistência da Mata Atlântica, terá sua proteção internacional significativamente ampliada a partir de março de 2026. A decisão foi tomada durante a 20ª Conferência das Partes da Convenção sobre o Comércio Internacional de Espécies da Fauna e Flora Selvagens Ameaçadas de Extinção (Cites), realizada em Samarkand, no Uzbequistão, e marca um novo capítulo na relação do Brasil com uma de suas espécies mais emblemáticas.

Foto: Gilberto Vasconcelos/Bioma Urbano

A partir de 5 de março de 2026, a comercialização internacional do pau-brasil e de produtos derivados de madeira nativa da espécie Paubrasilia echinata ficará vedada entre países. A medida estabelece cota zero para exportação comercial, reforçando o controle sobre o comércio e respondendo a alertas recorrentes sobre exploração ilegal e tráfico internacional da madeira.

Um símbolo nacional sob ameaça real

Endêmica do Brasil, a espécie é classificada como criticamente ameaçada de extinção. Suas cinco linhagens conhecidas sobrevivem hoje em fragmentos da Mata Atlântica espalhados pela faixa litorânea entre o Rio Grande do Norte e o Rio de Janeiro. O cenário atual é resultado de séculos de extração predatória, inicialmente para produção de corantes e, mais recentemente, para fins comerciais ligados à indústria musical.

Durante a conferência, a delegação brasileira, liderada pelo Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (Ibama), defendeu o endurecimento das regras internacionais. Segundo representantes do órgão, a nova decisão da Cites atende a preocupações históricas do Brasil no combate ao desmatamento ilegal e ao comércio irregular da madeira.

Embora a proposta inicial fosse incluir o pau-brasil no Anexo I da Cites — categoria que proíbe completamente o comércio internacional —, prevaleceu um consenso entre o Ibama, o Ministério do Meio Ambiente e Mudança do Clima (MMA) e o Ministério da Cultura (MinC) para mantê-lo no Anexo II, porém com restrições significativamente ampliadas. Na prática, a decisão cria um bloqueio comercial efetivo para madeira nativa, sem inviabilizar completamente outros usos específicos.

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Delegação brasileira na COP20 da Cites, no Uzbequistão – Foto: Divulgação/Ibama

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O desafio dos instrumentos musicais e o equilíbrio diplomático

Um dos pontos mais sensíveis das negociações envolveu os instrumentos musicais feitos de pau-brasil, especialmente os arcos utilizados em violinos, violas, violoncelos e contrabaixos. Há mais de dois séculos, a madeira brasileira é considerada referência mundial para a confecção desses arcos, amplamente utilizados por orquestras europeias e norte-americanas.

Países como Estados Unidos e membros da União Europeia manifestaram preocupação com possíveis impactos sobre músicos, luthiers e orquestras. Para lidar com o impasse, foi criado um grupo de trabalho dentro da própria Cites, que resultou em uma solução intermediária: a circulação internacional de instrumentos musicais feitos com pau-brasil continuará permitida, desde que fique comprovado que não há intenção comercial.

Profissionais como músicos, professores, arqueteiros, restauradores, avaliadores e expositores poderão viajar com esses instrumentos, desde que declarem previamente o transporte e apresentem as peças à fiscalização em portos e aeroportos. Caberá às autoridades alfandegárias avaliar se a quantidade e o contexto indicam uso pessoal ou tentativa de comércio. Casos suspeitos poderão resultar em apreensão e sanções administrativas, conforme a legislação brasileira.

Instrumentos e materiais adquiridos legalmente antes de 13 de setembro de 2007 são considerados pré-convenção. Nesses casos, a comercialização internacional permanece permitida, desde que acompanhada da licença específica emitida pela autoridade administrativa do país de origem.

Conservação, rastreabilidade e novos caminhos produtivos

Além do bloqueio comercial, a COP20 aprovou um conjunto de recomendações voltadas à conservação de longo prazo do pau-brasil. Entre elas estão o registro detalhado dos estoques existentes no exterior, com informações sobre origem e cadeia de custódia; o desenvolvimento de sistemas de marcação e rastreabilidade da madeira; e a comunicação sistemática de infrações envolvendo a espécie.

Também ganhou destaque o incentivo à pesquisa científica. A conferência recomendou investimentos na busca por espécies alternativas para a fabricação de arcos musicais, na avaliação da qualidade da madeira oriunda de plantios comerciais e no desenvolvimento de tecnologias capazes de diferenciar madeira plantada de madeira nativa.

Ao Brasil caberá informar ao secretariado da Cites sobre a existência de plantios viáveis da espécie para eventual exploração comercial futura. A decisão abre espaço para o fortalecimento da silvicultura do pau-brasil, desde que baseada em árvores cultivadas, e para a criação de projetos de restauração florestal, ampliação de áreas protegidas e recuperação de populações naturais.

Mais do que uma medida ambiental, o novo status do pau-brasil no comércio internacional representa um reposicionamento político e simbólico do país diante de sua própria história. A árvore que marcou o início da exploração colonial passa agora a ser tratada como patrimônio vivo, cuja preservação exige cooperação internacional, ciência, fiscalização e educação ambiental.