As cidades brasileiras guardam em seus territórios uma riqueza muitas vezes invisível: suas áreas verdes. Para compreender melhor o papel desses espaços e sua distribuição nos centros urbanos, o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) lançou um projeto-piloto que promete inaugurar uma metodologia inédita de mapeamento das áreas verdes urbanas no país.

As cidades de Guarulhos (SP) e Palmas (TO) foram escolhidas como áreas-teste por representarem realidades bastante distintas — desde a formação urbana até o clima e a vegetação predominante. Os resultados iniciais revelam não apenas números, mas também o potencial de leitura sobre como a presença da natureza se articula com a vida urbana.
Uma metodologia em construção
O trabalho foi desenvolvido pela Diretoria de Geociências do IBGE, sob coordenação técnica de Manuela Mendonça de Alvarenga. Segundo ela, o caráter experimental é fundamental para que o método possa ser avaliado, debatido e, no futuro, aplicado em todo o território nacional.
A pesquisa utiliza como base a definição de áreas verdes urbanas prevista no Código Florestal Brasileiro, que considera tanto áreas públicas quanto privadas de vegetação, sejam elas naturais ou recuperadas, desde que desempenhem função distinta do uso residencial. Além disso, a classificação dialoga com critérios do Ministério do Meio Ambiente e Mudança do Clima, que reconhece diferentes tipologias, como parques, praças e canteiros.
Outro diferencial foi a adoção de padrões internacionais. A delimitação das áreas de estudo seguiu os parâmetros da ONU-Habitat, que considera densidade demográfica e tamanho populacional em áreas urbanas contínuas. Complementando os dados, o IBGE utilizou informações de cartografia colaborativa — mapas alimentados por cidadãos — e imagens de satélite, permitindo maior precisão na detecção da vegetação.

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No município de Guarulhos, na Região Metropolitana de São Paulo, foram identificados 7.096 hectares de áreas verdes, correspondendo a 45% da área urbanizada quando se considera um raio de 800 metros ao redor do centro. Ao restringir a análise ao perímetro intraurbano, o número cai para 6.036 hectares, equivalentes a 38% da área urbana.
Segundo a equipe técnica, esse resultado indica a relevância das áreas localizadas no entorno imediato do núcleo urbano. Elas não apenas ampliam o mosaico de áreas verdes, mas também contribuem com serviços ambientais fundamentais, como regulação climática, infiltração de água e oferta de espaços de lazer.
Já na capital tocantinense, Palmas, os contrastes são ainda mais marcantes. O mapeamento mostrou 5.137 hectares de áreas verdes no recorte que inclui o entorno urbano, representando quase metade (49%) da área urbanizada. No entanto, quando a análise se restringe apenas ao núcleo intraurbano, a proporção despenca: restam 977 hectares, apenas 10% da mancha urbana.
Essa redução de 80% entre as duas escalas tem uma explicação clara: Palmas é atravessada por rios e tributários do Rio Tocantins, que possuem extensas matas ciliares. Essas áreas funcionam como importantes corredores ecológicos, mas não entram na contagem de áreas urbanizadas por estarem afastadas de moradias e edificações.
A ciência a serviço do planejamento urbano
Para o IBGE, o objetivo não é apenas medir a quantidade de áreas verdes, mas oferecer insumos que ajudem gestores e planejadores urbanos a repensar as cidades. As áreas verdes exercem funções que vão além da estética: regulam a temperatura, reduzem a poluição do ar, favorecem a biodiversidade e oferecem espaços de convivência e lazer.
Manuela Alvarenga destaca que o caráter simples do processamento foi pensado para garantir aplicabilidade em escala nacional. A primeira versão já abre espaço para futuras inovações, como o uso de algoritmos de inteligência artificial capazes de automatizar a atualização dos mapas e oferecer diagnósticos em tempo quase real.
A proposta do IBGE sinaliza uma mudança importante: tratar as áreas verdes urbanas não como espaços residuais, mas como infraestrutura vital das cidades. Ao adotar padrões internacionais e testar metodologias em cidades com realidades tão distintas, o instituto lança as bases de um mapeamento capaz de dialogar com diferentes escalas e contextos.
O passo seguinte será ampliar o debate com pesquisadores, gestores e sociedade civil para consolidar uma metodologia nacional. Se bem-sucedido, o projeto permitirá não apenas conhecer melhor o verde que já existe nas cidades brasileiras, mas também planejar a expansão e preservação dessas áreas no futuro.













































