A decisão do Congresso Nacional de derrubar grande parte dos vetos presidenciais ao novo marco do licenciamento ambiental abriu um novo capítulo de preocupação para a Fundação Nacional dos Povos Indígenas. Segundo o órgão, a mudança legislativa deixa expostas centenas de terras indígenas ainda em processo de homologação, reduzindo salvaguardas que, até então, impediam a instalação de obras e empreendimentos sem análises específicas sobre riscos ambientais e socioculturais.

A Funai afirma que a nova configuração da lei ameaça diretamente a integridade de 297 territórios indígenas não homologados. Trata-se de uma parcela significativa das terras identificadas no país: mais de 40 por cento do total de 792 áreas reconhecidas pela autarquia. O temor central é que, sem a participação do órgão no processo, decisões que afetem comunidades inteiras passem a ser tomadas apenas sob critérios de oportunidade econômica e interesse estratégico, sem considerar o impacto profundo que determinadas obras podem provocar no cotidiano, nos modos de vida e nas relações territoriais dos povos originários.
Transformações na Lei de Licenciamento Ambiental
O Congresso removeu 56 dos 63 vetos estabelecidos pelo Executivo, reabilitando trechos que flexibilizam o processo de licenciamento. Essa alteração permite que projetos considerados estratégicos, como obras de transporte, linhas de transmissão, exploração mineral e outras atividades de grande porte, avancem sem a exigência de estudos e pareceres que antes dependiam da análise da Funai sempre que houvesse risco para territórios indígenas.
A fundação afirma que, com esses vetos derrubados, fica comprometida a capacidade institucional de exercer sua função de proteção. Antes, a participação do órgão era indispensável para identificar impactos diretos e indiretos de empreendimentos sobre comunidades indígenas, especialmente aquelas que vivem em territórios ainda em regularização. Agora, essas análises poderão ser dispensadas ou substituídas por avaliações menos detalhadas, o que aumenta a vulnerabilidade de áreas tradicionalmente ocupadas.

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Impactos para territórios ainda não homologados
Os territórios não homologados são justamente os que se encontram em maior fragilidade jurídica. Embora reconhecidos como áreas de ocupação tradicional, eles ainda dependem de etapas administrativas e jurídicas para serem definitivamente protegidos pelo Estado. A retirada da Funai do processo de licenciamento, segundo a própria instituição, abre brechas para que tais áreas sejam tratadas como espaços disponíveis para implantação de obras, mesmo quando há presença consolidada de comunidades indígenas.
Essa ausência de participação impede, por exemplo, a definição de diretrizes específicas de proteção, a realização de estudos sobre impactos socioculturais e a garantia de consulta às populações afetadas. Tais atividades são apontadas pela fundação como essenciais para prevenir danos irreparáveis, como degradação ambiental, conflitos territoriais, desestruturação comunitária e descaracterização de áreas tradicionalmente utilizadas para roças, caça, pesca, coleta e rituais.
Relação com o Marco Temporal e outras ameaças jurídicas
A Funai também destaca que a mudança pode reforçar os efeitos da Lei 14.701/2023, que instituiu o Marco Temporal. Ao dificultar o andamento de processos de regularização fundiária, a retirada de salvaguardas ambientais tende a enfraquecer ainda mais territórios que já enfrentam disputas, invasões e pressões de grupos econômicos. A instituição afirma que os vetos presidenciais tinham justamente a função de evitar retrocessos e assegurar coerência entre licenciamento ambiental e proteção territorial.
Segundo a autarquia, ao ignorar territórios em regularização, a lei passa a tratar povos indígenas como se estivessem fora do processo, quando, na verdade, dependem do território para assegurar sua reprodução física e cultural. O alerta reforça que licenciamento ambiental não é apenas um procedimento técnico, mas também uma ferramenta de garantia de direitos reconhecidos constitucionalmente.
Riscos ampliados e necessidade de revisão
Para a Funai, o cenário pós-derrubada dos vetos representa um enfraquecimento institucional e territorial. A autarquia defende que a proteção indígena precisa ser vista como parte da proteção ambiental e que excluir sua participação significa criar condições para a expansão de impactos que, muitas vezes, não podem ser revertidos. O órgão declara que continuará defendendo as salvaguardas apresentadas nos vetos, consideradas essenciais para evitar danos socioambientais e assegurar que o desenvolvimento não avance sobre direitos historicamente violados.










































