Ciência na América Latina: acelerador de partículas no Brasil

Autor: Redação Revista Amazônia

 

Grandes instalações científicas não apenas fornecem avanços, mas também constroem capacidade. As regiões que as hospedam se beneficiam da criação de empregos e habilidades, além de infraestruturas, desde computação até eletricidade e transporte.

Os benefícios podem ser especialmente grandes para fontes de luz avançadas, que geram feixes intensos de luz para uma variedade de usos na academia e na indústria. Tais fontes utilizam lasers de elétrons livres ou radiação de sincrotrão (gerada acelerando elétrons a velocidades próximas à da luz em um anel que mede até 1,5 quilômetros em instalações de grande escala) para criar feixes de fótons com energias em todo o espectro eletromagnético – desde raios-X até comprimentos de onda ultravioleta e infravermelho.

Esses feixes de luz podem ser usados em física da matéria condensada e para estudar as estruturas e propriedades de materiais, catalisadores, medicamentos e vacinas, além de caracterizar solos e acompanhar processos biológicos. As implicações desses estudos se estendem desde o clima, energia, saúde e agricultura até a preservação do patrimônio cultural.

No entanto, o acesso aos sincrotrões é desigual em todo o mundo, e especialmente escasso em países de baixa e média renda (LMICs, na sigla em inglês). Em particular, pesquisadores na África e no Grande Caribe – uma região que inclui as ilhas do Caribe, México, América Central, Venezuela e Colômbia – lutam para acessar os sincrotrões. Muitos pesquisadores na África e no Grande Caribe poderiam se beneficiar dessas instalações. Ambas as regiões enfrentam grandes desafios sociais e ambientais. Elas também têm mais a ganhar com os tipos de ciência que os sincrotrões possibilitam. No entanto, o financiamento continua sendo um desafio, assim como o acesso às tecnologias, infraestrutura e pessoal necessários.

Fazemos parte do projeto da Sincrotrão Internacional Latino-Americano para Tecnologia, Análise e Desenvolvimento (LAMISTAD), que tem como objetivo construir uma Fonte de Luz do Grande Caribe (GCLS). Estabelecido em 2021, este projeto segue a partir de algumas propostas nacionais do México, Colômbia e Cuba que lutaram para sair do papel individualmente.

O projeto LAMISTAD tem muito em comum com o de uma instalação de sincrotrão pan-africana, a African Light Source (AfLS). Ambos os projetos ainda não se tornaram realidade, mas a conclusão de duas instalações semelhantes em LMICs nos últimos sete anos é motivo de otimismo. A instalação SESAME (Sincrotrão para Ciência e Aplicações Experimentais no Oriente Médio), que foi inaugurada em 2017 na Jordânia e levou duas décadas para ser concluída, é um feito significativo na diplomacia científica. Essa iniciativa priorizou a cooperação internacional em uma região caracterizada por sensibilidade política e diversidade. Em Campinas, Brasil, uma instalação chamada Sirius foi inaugurada em 2018 e aberta para pesquisa em 2020. Ela desempenhou um papel importante ao permitir que os pesquisadores determinassem prontamente as estruturas de proteínas no vírus SARS-CoV-2. Isso foi crucial para entender alguns aspectos do comportamento do vírus – um passo importante no desenvolvimento de medicamentos contra a COVID-19. O sucesso de projetos dessa natureza requer apoio de pesquisadores, formuladores de políticas e organizações globais que financiam o desenvolvimento científico. Isso é crucial para impulsionar descobertas científicas, mas também para enfrentar desafios sociais e econômicos regionais. Aqui, delineamos cinco etapas necessárias para tornar a Fonte de Luz do Grande Caribe uma realidade.

Escolha um local e escopo técnico
Decisões devem ser tomadas sobre onde colocar o sincrotrão do Grande Caribe. Vários locais estão sendo considerados. Uma possibilidade, ainda a ser confirmada, é a terra no estado de Hidalgo, México, que foi generosamente oferecida pelo governo local para a iniciativa nacional anterior do país. Este local é geologicamente estável, não apresenta riscos ao meio ambiente e possui bons suprimentos de água e eletricidade. É acessível por estrada, ferrovia e ar, e possui Internet de alta velocidade e telecomunicações modernas. A escolha eventual, no entanto, dependerá de considerações políticas e dos compromissos existentes dos governos dos países participantes.

No lado técnico, o nível de energia em que o sincrotrão operará precisa ser acordado. A decisão deve ser apoiada por um conselho que inclui representantes de todos os países participantes e estar de acordo com o orçamento. Um forte argumento pode ser feito para optar por um sincrotrão de 1,5 gigaelétron-volt (GeV), para complementar o anel de energia de 3 GeV do Sirius. Um anel de energia mais baixa limitaria a energia alcançável no espectro eletromagnético, mas é mais econômico de operar. Além das considerações financeiras, esses feixes de baixa energia também causam menos danos a materiais biológicos e orgânicos. Eles podem servir, por exemplo, para determinar a composição química, estrutura e ambiente atômico de amostras, incluindo matéria macia, solo e plantas – tornando-os adequados para estudos analíticos nos campos de biodiversidade, água e agricultura.

Fontes de energia limpa podem ser consideradas. SESAME é a primeira – e até agora única – instalação de sincrotrão que funciona exclusivamente com eletricidade de fontes renováveis. Isso foi possível por meio de uma colaboração entre a Jordânia e a União Europeia. Além dos benefícios ambientais, também economiza entre US$ 2 milhões e US$ 3,75 milhões por ano em comparação com o uso de fontes de energia convencionais, então é uma abordagem que a região do Grande Caribe poderia adotar.


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