Emater leva documentação essencial a assentados em Senador José Porfírio

Regularização que abre portas

Um mutirão conduzido pela Emater levou documentação essencial a trinta famílias assentadas da reforma agrária no município de Senador José Porfírio, na região da Transamazônica. Foram entregues os cadastros nacionais da agricultura familiar, documentos que funcionam como chave de acesso às políticas públicas destinadas ao setor e que permitem que agricultores familiares ingressem em programas de crédito e incentivo produtivo.

A iniciativa foi organizada com apoio direto da Associação dos Agricultores Familiares do Projeto de Assentamento Lajes e da Agrovila Nova Canaã. As equipes da Emater, tanto do escritório local quanto da regional de Altamira, permaneceram no assentamento Lajes desde a madrugada para garantir que todos fossem atendidos.

Deslocamento longo para chegar até a produção familiar

A ação exigiu logística complexa. Para alcançar o chamado Polo II, onde se concentram as comunidades beneficiadas, as equipes precisaram percorrer um trajeto que atravessa três municípios — Anapu, Vitória do Xingu e Altamira — além da passagem de balsa sobre o rio Xingu. Somados, os deslocamentos chegam a quase 300 quilômetros.
Essa presença direta no campo é considerada fundamental para que comunidades geograficamente isoladas não fiquem à margem das políticas públicas.

Acesso ao crédito e fortalecimento de cadeias produtivas

Com o Caf em mãos, as famílias poderão acessar, já no início do próximo ano, linhas de crédito rural de até doze mil reais por beneficiário. Os projetos serão elaborados pela própria instituição, dentro do Programa Nacional de Microcrédito Produtivo Orientado, em articulação com o Banco da Amazônia.
Nesse primeiro momento, o financiamento prioriza a cadeia produtiva do cacau, cultura de grande relevância econômica na região da Grande Assurini.

Segundo projeção das equipes técnicas, a demanda inicial pode alcançar cinquenta famílias apenas no Polo II, o que representa um potencial de injeção imediata de cerca de seiscentos mil reais nas atividades produtivas locais. Esse recurso tende a ampliar a circulação econômica nas comunidades e fortalecer arranjos produtivos já existentes.

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Divulgação – EMATER

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A presença do Estado como ação concreta

Para a coordenação regional da Emater, o mutirão simboliza mais do que a entrega de documentos. Representa a materialização da política pública na ponta, onde ela é mais necessária.
O supervisor regional, Júlio Albuquerque, destaca que a presença presencial da equipe em áreas remotas é decisiva: levar o Estado até o produtor rural, e não o contrário, reduz barreiras logísticas, simplifica processos e fortalece a autonomia dos agricultores.

Ele ressalta que ações como essa demonstram a importância da assistência técnica pública e contínua, capaz de transformar intenção em resultados reais para quem vive do trabalho na terra. É, segundo ele, uma forma de garantir que a política agrícola não fique restrita ao papel, mas chegue de maneira efetiva às famílias que sustentam a produção rural do estado.

O mutirão como estratégia de integração

Além da prestação de serviço, o mutirão também aproxima instituições, lideranças comunitárias e agricultores. O engajamento das associações locais evidencia o papel estratégico das organizações rurais na mobilização social e no acesso a direitos.
A participação ativa das comunidades não apenas facilita o atendimento, mas também reforça vínculos de cooperação entre produtores e órgãos estaduais.

Perspectivas para 2026

Com a regularização concluída, o próximo ano deve marcar uma fase de ampliação da produção, especialmente da cacauicultura. O crédito promete dinamizar áreas já manejadas e estimular novas iniciativas, permitindo que famílias fortaleçam sua segurança econômica e ampliem a diversificação produtiva.

A ação consolida mais um passo na política de apoio à agricultura familiar e reafirma a relevância do trabalho técnico no campo. A expectativa é que novas etapas de documentação, planejamento e incentivo produtivo continuem ao longo de 2026, ampliando o impacto das políticas rurais na região

Banco da Amazônia acelera modernização e amplia impacto verde

O avanço tecnológico do Banco da Amazônia ao longo de 2025 reforça a transformação pela qual a instituição vem passando para consolidar um modelo de desenvolvimento que combina modernização interna, eficiência operacional e compromisso efetivo com a sustentabilidade na Amazônia Legal. Os resultados acumulados entre janeiro e setembro mostram que a agenda de inovação está diretamente conectada à capacidade do Banco de ampliar o crédito, fortalecer cadeias produtivas regionais e sustentar uma estratégia robusta de finanças verdes.

Nos nove primeiros meses de 2025, o Banco registrou lucro líquido de R$ 799,9 milhões, desempenho que se destaca diante de um cenário econômico mais complexo e de uma postura prudencial na concessão de crédito. A carteira ativa somou R$ 64,4 bilhões, um salto de 19,4% em comparação a setembro de 2024. O patrimônio líquido alcançou R$ 7,3 bilhões, crescimento de 12,3%. O ROAE chegou a 15,6%, sinal de resiliência e geração consistente de valor para a região em que atua.

Grande parte desse resultado decorre do avanço do Programa de Transformação, um conjunto de iniciativas que redesenha processos internos, amplia a digitalização e prepara o Banco para operar com um novo Core Bancário. O movimento inclui o uso estratégico de dados, a automatização de fluxos antes manuais e a integração mais harmoniosa dos sistemas internos, criando uma arquitetura capaz de reduzir gargalos, acelerar entregas e suportar uma experiência de atendimento mais fluida para o cliente. Trata-se de uma mudança estrutural que fortalece a produtividade das equipes e estabelece bases tecnológicas compatíveis com o papel da instituição como banco de desenvolvimento.

Para o presidente do Banco da Amazônia, Luiz Lessa, a modernização e o impacto social caminham juntos. Ele afirma que os resultados dos três primeiros trimestres evidenciam que é possível expandir a carteira de crédito sem abrir mão da responsabilidade e de um desenho institucional que coloca o cliente no centro das decisões. A transformação digital, segundo ele, é um pilar tão relevante quanto a missão socioambiental do Banco.

O impulso às práticas ASG reforça essa direção. As linhas de crédito voltadas à sustentabilidade somaram R$ 7,4 bilhões, alta de 23,8% em relação ao ano anterior, impulsionadas por projetos de bioeconomia, energias renováveis e sistemas agroflorestais. Em paralelo, o apoio a municípios de baixa e média renda atingiu R$ 11,4 bilhões, crescimento de 32,1%. Na faixa de fronteira, foram investidos R$ 3,8 bilhões, ampliando a presença do Banco em áreas sensíveis e estratégicas para o desenvolvimento regional.

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Divulgação
– Banco da Amazônia

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O papel do Banco da Amazônia como administrador exclusivo do Fundo Constitucional de Financiamento do Norte (FNO) também foi determinante para os resultados. Até setembro, foram aplicados R$ 13,4 bilhões, expansão de 25,4%. O PRONAF teve desempenho especialmente expressivo: R$ 1,7 bilhão em contratações, aumento de 113,7%, beneficiando mais de 24 mil agricultores familiares. Esses números ilustram uma atuação que vai além das métricas financeiras e que se traduz no fortalecimento direto das cadeias produtivas e das economias locais.

A atuação institucional também ganhou projeção internacional. A presença do Banco em agendas globais como a COP30 e a Climate Week NYC 2025 evidenciou o esforço da instituição para dialogar com outras organizações, captar tendências e apresentar ao mundo suas experiências com crédito verde, inclusão produtiva e transição ecológica. Ao integrar esses debates, o Banco da Amazônia se posiciona não apenas como financiador regional, mas como agente ativo da agenda climática e da construção de modelos econômicos sustentáveis.

Para Lessa, a mensagem é clara: a instituição está empenhada em ampliar o acesso ao crédito, fortalecer estruturas internas e impulsionar iniciativas que promovam transformação socioeconômica sem abrir mão da responsabilidade ambiental. Ele ressalta que inovação, prudência e sustentabilidade caminham alinhadas, e que essa combinação tem sustentado o desempenho do Banco.

Mais informações sobre o balanço, relatórios e dados institucionais podem ser acessadas no site oficial do Banco da Amazônia.

Cem dias de patinetes elétricos transformam a mobilidade em Belém

Os cem primeiros dias de operação dos patinetes elétricos da JET em Belém ofereceram um retrato claro de como a micromobilidade pode se integrar ao cotidiano urbano quando combinada a planejamento, tecnologia e adesão popular. Desde que os patinetes azuis começaram a circular pelas ruas da capital paraense — que ganhou projeção internacional ao sediar a COP30 — o novo modal rapidamente deixou de ser novidade e se tornou parte da rotina de moradores, trabalhadores, estudantes e visitantes.

O balanço inicial revela números expressivos. Foram mais de 100 mil usuários cadastrados e cerca de 450 mil viagens realizadas nesse período, totalizando quase 1 milhão de quilômetros percorridos. Em um intervalo tão curto, esses dados mostram que os patinetes conquistaram espaço como alternativa ágil para deslocamentos de curta e média distância. Ao mesmo tempo, evidenciam uma mudança de comportamento da população, que encontrou nos modais elétricos uma forma mais eficiente e sustentável de circular pela cidade.

Do ponto de vista ambiental, o impacto foi imediato. A JET estima que o uso dos patinetes evitou a emissão de 480 toneladas de dióxido de carbono, resultado que reforça sua contribuição na transição para modelos de mobilidade menos poluentes. Em uma cidade que experimenta diariamente os efeitos de picos de calor, sistemas atmosféricos intensificados e pressão sobre o transporte coletivo, a micromobilidade aparece como um alívio — não apenas no trânsito urbano, mas na pegada ambiental das atividades cotidianas.

Os índices de uso também vieram acompanhados de um comportamento majoritariamente responsável dos clientes. Apenas 0,8% dos usuários tiveram suas contas bloqueadas por descumprimento das regras de trânsito ou das normas de operação. A baixa taxa de infrações sugere uma adaptação rápida ao novo serviço e uma compreensão mais ampla sobre a importância de manter padrões seguros de circulação. Para a JET, esse amadurecimento coletivo é um indicador de que Belém reúne condições favoráveis para consolidar um ecossistema de mobilidade sustentável.

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Divulgação – JET

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O assessor da empresa, Lincoln Silva, destaca que o serviço rapidamente se tornou parte do ritmo urbano. Segundo ele, a aceitação popular demonstra que os patinetes não apenas atendem necessidades de quem circula diariamente pela cidade, como também dialogam com o turismo, fortalecem a economia local e ampliam as possibilidades de deslocamento em áreas comerciais e culturais. Na prática, a micromobilidade tem contribuído para reorganizar fluxos urbanos e criar novas dinâmicas de convivência no espaço público.

O aplicativo da JET orienta o usuário desde o início de cada viagem. Antes de iniciar o deslocamento, o sistema apresenta as recomendações de segurança e indica onde estacionar corretamente, evitando obstrução de calçadas, rampas ou vias de circulação. As regras são claras: a idade mínima é de 18 anos; não é permitido transportar cargas, levar passageiros ou animais; e o patinete deve ser estacionado em áreas designadas. A intenção é promover o uso consciente para preservar tanto a segurança individual quanto a ordem urbana.

A empresa mantém ainda uma equipe de instrutores distribuída nas principais estações da cidade, oferecendo suporte presencial. Eles orientam sobre frenagem, aceleração, manobras básicas e comportamento seguro no trânsito. A presença desses profissionais contribui para reduzir dúvidas, prevenir acidentes e reforçar boas práticas de mobilidade.

Os equipamentos utilizados em Belém são patinetes elétricos modelo Ninebot 60l, reconhecidos pela robustez e adequação à mobilidade urbana. Com potência de 250W, limite de velocidade de 20 km/h e capacidade para até 120 kg, os veículos contam com sistema de freios eficiente, campainha e iluminação própria para circulação noturna. São aparelhos projetados para combinar segurança, eficiência energética e durabilidade — atributos essenciais para um serviço de compartilhamento em larga escala.

Com presença consolidada no mercado, a JET se posiciona como líder no segmento de micromobilidade na América Latina. Atua hoje em mais de 30 municípios das cinco regiões brasileiras, com uma frota superior a 20 mil patinetes elétricos. A experiência acumulada em diferentes contextos urbanos mostra que a empresa tem capacidade de adaptar seus serviços às necessidades específicas de cada cidade, ampliando alternativas de transporte limpo e democratizando o acesso a modais sustentáveis.

Em Belém, o balanço dos cem dias aponta para um caminho promissor. A combinação entre tecnologia acessível, uso responsável e impactos ambientais positivos coloca os patinetes como parte da transformação da mobilidade local. E, ao que tudo indica, a cidade está apenas no início desse percurso.

Capacitação reúne nove estados e fortalece manejo de quelônios

O Acre integrou, no início de novembro, uma das formações mais amplas já realizadas pelo Programa Quelônios da Amazônia, reunindo especialistas de nove estados para fortalecer o manejo ambiental em territórios indígenas. A capacitação ocorreu entre 29 de outubro e 7 de novembro no Tabuleiro de Monte Cristo, tradicional área de reprodução da tartaruga-da-amazônia no rio Tapajós, em Aveiro, no Pará. O encontro, promovido pelo Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (Ibama) em cooperação com a Fundação Nacional dos Povos Indígenas (Funai), buscou alinhar metodologias, aprimorar instrumentos de monitoramento e atualizar diretrizes técnicas que orientam o manejo de quelônios em toda a Amazônia.

A iniciativa está ancorada no Acordo de Cooperação Técnica nº 33/2020, firmado entre Funai e Ibama, que estabelece bases para ações conjuntas de conservação da biodiversidade, especialmente em terras indígenas. Representando a Funai, participaram os servidores Amanda Bartolomeu e André Tarapanoff, ambos da Coordenação de Conservação da Biodiversidade e Recuperação Ambiental, estrutura vinculada à Coordenação-Geral de Promoção Ambiental e à Diretoria de Gestão Ambiental.

Amanda destacou que a presença das comunidades indígenas nas atividades de manejo é mais do que uma colaboração: é o eixo que sustenta a gestão ambiental nesses territórios. Para muitas etnias, os quelônios ocupam um lugar simbólico e prático na cultura, na alimentação e na memória coletiva. O encontro no Tapajós, segundo ela, reafirmou a importância do diálogo contínuo entre os conhecimentos técnico-científicos e os saberes tradicionais, que há décadas orientam práticas sustentáveis de manejo.

Na avaliação de André Nogueira Júnior, coordenador substituto do Programa Quelônios da Amazônia, a formação marcou um ponto de inflexão. Foi a primeira vez que o rio Tapajós recebeu um curso reunindo técnicos das duas instituições de forma integrada, fortalecendo uma trajetória construída desde os anos 1970, quando o programa foi criado para conter o declínio populacional da tartaruga-da-amazônia, do tracajá e do pitiú. Ao longo de quase meio século, o PQA se tornou uma das estratégias de conservação mais consolidadas no território amazônico, combinando pesquisa, fiscalização e manejo conservacionista.

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Reprodução

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O curso foi direcionado aos coordenadores estaduais do PQA dos nove estados que compõem a área de atuação do programa: Acre, Amazonas, Roraima, Rondônia, Amapá, Pará, Mato Grosso, Tocantins e Goiás. Também participaram servidores da Funai que acompanham iniciativas de manejo indígena. Segundo o técnico do Ibama Raphael Fonseca, o objetivo principal foi nivelar os procedimentos de campo, especialmente para novos coordenadores que passam a integrar a rede de trabalho. A atualização ocorre no momento em que o Acordo de Cooperação Técnica entre as instituições passa por processo de renovação, o que reforça a necessidade de padronizar diretrizes, registrar boas práticas e fortalecer a atuação conjunta.

Durante os dias de campo, os participantes realizaram atividades essenciais ao manejo de quelônios, como identificação e proteção de ninhos, biometria e marcação de fêmeas, mensuração de ovos e monitoramento de variáveis ecológicas. Cada estado apresentou seus resultados recentes, oferecendo um panorama abrangente das iniciativas em curso. A Funai, por sua vez, compartilhou um diagnóstico atualizado sobre experiências de manejo conduzidas por povos indígenas, que têm se tornado referência em conservação comunitária e protagonismo local.

O Acordo de Cooperação Técnica nº 33/2020 orienta ações de monitoramento, conservação, recuperação e uso sustentável dos recursos naturais em terras indígenas. Ele se articula diretamente com a Política Nacional de Gestão Territorial e Ambiental em Terras Indígenas, a PNGATI, que reconhece o papel estratégico das comunidades na proteção da biodiversidade e no enfrentamento das pressões ambientais. A partir dessa base legal e institucional, Funai e Ibama programam um novo ciclo de ações conjuntas, que inclui a elaboração de materiais informativos, novas formações e estratégias reforçadas de apoio ao manejo indígena.

Criado há 46 anos, o Programa Quelônios da Amazônia se consolidou como uma política pública de longo prazo voltada à conservação de espécies emblemáticas e à construção de modelos de sustentabilidade que conciliam inclusão social, valorização cultural e preservação dos ecossistemas. A capacitação em Aveiro reafirmou esse compromisso, aproximando equipes, harmonizando metodologias e fortalecendo o papel dos povos indígenas como guardiões fundamentais das paisagens amazônicas.

Jovens amazônidas apresentam soluções tecnológicas para a região

A Amazônia volta a ser palco de uma experiência singular de criatividade, ciência e cidadania. No próximo dia 29 de novembro, jovens, crianças e adolescentes de 7 a 16 anos apresentarão soluções tecnológicas criadas ao longo de um ano inteiro de pesquisas, testes e descobertas na Mostra Tecnológica Manaós Tech 2025, realizada no Casarão de Inovação Cassina, no Centro de Manaus. O evento, promovido pela iniciativa educacional Manaós Tech for Kids em parceria com a Prefeitura de Manaus, reúne protótipos e experimentos que dialogam diretamente com desafios reais da região: secas severas, cheias históricas, incêndios florestais, insegurança hídrica e desigualdade no acesso à tecnologia.

O coração da mostra é o protagonismo juvenil. Ao longo do ano, meninos e meninas mergulharam nos Objetivos de Desenvolvimento Sustentável da ONU e foram incentivados a transformar curiosidade em projeto, problema em solução e imaginação em tecnologia. O resultado desse percurso é uma coleção de invenções que, embora criadas por jovens, carregam maturidade técnica e relevância social.

Entre os destaques está um robô projetado para auxiliar na colheita do açaí, reduzindo o risco de acidentes comuns quando trabalhadores sobem em palmeiras altas e instáveis. Outro projeto, construído com sensores inteligentes de baixo custo, detecta mudanças ambientais que antecedem incêndios florestais, um problema que se agravou nos últimos anos com ciclos extremos de seca na Amazônia. Esses protótipos revelam que, quando estimuladas, as novas gerações conseguem aliar criatividade, conhecimento técnico e responsabilidade socioambiental.

Para o CEO da Manaós Tech for Kids, Glauco Aguiar, a mostra é mais que um evento anual: representa uma mudança cultural. Ele relata que, desde 2017, a iniciativa busca democratizar o acesso à inovação e evidenciar que tecnologia é uma linguagem também amazônica. Segundo ele, cada projeto exposto é fruto de um esforço coletivo entre alunos e educadores que enxergam a ciência como instrumento de transformação social. Em suas palavras, há um encontro simbólico entre curiosidade, propósito e pertencimento, que fortalece a autoestima das crianças e aproxima as famílias dos processos de aprendizagem.

Um dos projetos que melhor traduz essa visão é o filtro de água de baixo custo criado por crianças entre 9 e 11 anos. O equipamento foi pensado para comunidades ribeirinhas que enfrentam escassez de água potável durante períodos prolongados de estiagem. O jovem inventor Lucas Ronda conta que a ideia nasceu da percepção de que muitas famílias dependem de soluções improvisadas para ter acesso à água limpa. Sua equipe pesquisou alternativas, testou materiais e chegou a um protótipo caseiro de fácil reprodução, especialmente útil em áreas de difícil acesso. O relato de Lucas revela o valor pedagógico da iniciativa: crianças aprendem ciência ao mesmo tempo em que compreendem o território e se conectam às necessidades da sua própria população.

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Prefeitura Manaus

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A participação das famílias tem sido outro pilar do projeto. A mãe de Lucas, Carla Rabelo, afirma que a mostra desperta um senso de responsabilidade nos jovens ao estimular a criação de soluções sustentáveis. Para ela, observar o próprio filho desenvolver um protótipo voltado para melhorar a vida de outras pessoas reforça a importância de ensinar tecnologia como ferramenta para o bem comum.

Além dos experimentos expostos, a mostra contará com avaliação técnica e premiação dos trabalhos mais inovadores. A entrada é gratuita, reforçando o caráter público e acessível do evento. O Casarão de Inovação Cassina, revitalizado recentemente e hoje um polo de criatividade tecnológica da capital amazonense, abriga o encontro como um espaço simbólico: um casarão histórico que se transforma em vitrine para a ciência produzida por jovens.

A Mostra Tecnológica Manaós Tech 2025 revela uma mensagem essencial: a inovação que o país precisa para enfrentar os desafios da Amazônia não virá apenas de laboratórios avançados ou grandes centros urbanos. Ela também surge do entusiasmo de crianças que investigam, testam, erram e tentam de novo. A nova geração amazônica está aprendendo a enxergar problemas complexos e a propor caminhos possíveis para resolvê-los. A mostra, portanto, não celebra apenas protótipos — celebra o futuro da região sendo moldado pelas mãos de quem vai habitá-lo.

Retrocesso histórico marca novo capítulo da política ambiental

O Brasil encerrou novembro assistindo a um movimento que redesenha profundamente sua política ambiental. Em uma sessão marcada por tensionamentos e articulações de bastidores, o Congresso Nacional derrubou 56 dos 63 vetos presidenciais à nova Lei Geral de Licenciamento Ambiental. O resultado prático foi o ressurgimento do chamado PL da Devastação, reconstituído peça por peça, mesmo após sua versão original ter sido parcialmente barrada pelo presidente Luiz Inácio Lula da Silva.

Para especialistas, organizações socioambientais e juristas, a decisão representa o maior retrocesso normativo já imposto ao meio ambiente desde a criação da Política Nacional do Meio Ambiente, em 1981. A avaliação é quase unânime entre as entidades que compõem o Observatório do Clima, que já anunciaram a intenção de recorrer ao Supremo Tribunal Federal para tentar reverter o novo marco.

O licenciamento ambiental, pilar central da política ambiental brasileira, é responsável por regular todas as atividades que utilizam recursos naturais ou que possam gerar impactos significativos. Inclui desde empreendimentos agrícolas e postos de combustíveis até obras de infraestrutura, estradas, hidrelétricas, mineração e projetos industriais. A derrubada dos vetos, porém, altera completamente essa estrutura. Entre os pontos restituídos pelo Congresso, está a ampliação da Licença por Adesão e Compromisso, a LAC — o chamado autolicenciamento. Antes limitada a empreendimentos de baixo impacto, ela agora passa a abranger também obras de médio impacto. O efeito estimado pelas entidades é avassalador: cerca de 90% dos licenciamentos estaduais poderão ser liberados de forma automática, num clique, sem análise técnica prévia. A mudança colide com decisões já consolidadas do Supremo e enfraquece a capacidade de prevenção dos órgãos ambientais.

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A nova lei também dispensa de licenciamento toda a atividade agropecuária extensiva, mesmo nos casos em que o Cadastro Ambiental Rural da propriedade ainda não foi homologado. Isso significa que fazendas em áreas griladas ou com desmatamento ilegal poderão operar normalmente, sem qualquer controle ambiental. Grandes obras de infraestrutura, como a pavimentação da BR-319 — associada a risco de explosão do desmatamento ao longo de sua rota — entram na mesma lógica de dispensa ou flexibilização, criando um passaporte para a expansão de danos irreversíveis.

Outro ponto crítico é a autorização para que estados e municípios criem regras próprias de licenciamento, o que fragmenta o sistema nacional e esvazia a função da norma federal. Para organizações como o Instituto Socioambiental, isso abre caminho para que territórios indígenas não homologados e áreas quilombolas ainda sem titulação sejam atravessados por empreendimentos sem consulta, sem salvaguardas e sem compensação.

A sessão do Congresso teve protagonistas claros. A bancada ruralista foi a força motriz, mas duas figuras exerceram liderança decisiva: o presidente da Câmara, Hugo Mota, e o presidente do Senado, Davi Alcolumbre. Este último ignorou um acordo firmado com o Executivo em torno da Medida Provisória da Licença Ambiental Especial, mecanismo criado por ele para acelerar o licenciamento da exploração de petróleo na Foz do Amazonas. A própria MP ainda será votada e já acumula mais de 800 emendas que reacendem, sob nova roupagem, os mesmos dispositivos do PL da Devastação.

As organizações socioambientais reagiram imediatamente. Para Suely Araújo, do Observatório do Clima, a decisão destrói o licenciamento ambiental ao reintroduzir dispositivos que fragilizam salvaguardas e reduzem responsabilidades, inclusive de instituições financeiras. Letícia Camargo, do Painel Mar, destacou o impacto direto sobre biomas, áreas de pesca artesanal e territórios tradicionais, chamando o episódio de ataque à segurança jurídica ambiental. Representantes de entidades internacionais, como a Proteção Animal Mundial, afirmaram que a medida desconsidera vidas humanas e não humanas ao favorecer a devastação de ecossistemas.

O diagnóstico de organizações como o Greenpeace Brasil e o NOSSAS converge: a nova lei se traduz em uma licença para devastar, com efeitos que incluem expulsões forçadas de povos indígenas, aceleração de projetos petrolíferos e aumento da vulnerabilidade socioambiental em todo o país. Instituições como a Avaaz e o Instituto Democracia e Sustentabilidade reforçam que a norma nasce inconstitucional e aprofunda os riscos num momento em que o país enfrenta eventos climáticos extremos cada vez mais frequentes.

O episódio deixa um alerta: o licenciamento ambiental, antes considerado ferramenta essencial para equilibrar desenvolvimento e proteção dos territórios, passa agora por um processo de desmonte. E o país, recém-saído da COP30 e comprometido com metas climáticas ambiciosas, vê sua governança ambiental colocada em xeque num momento decisivo para o futuro da Amazônia e para a segurança climática global.

Cooperação França–Brasil impulsiona bioeconomia na COP30

A COP30, realizada em Belém, reforçou uma percepção que vem se consolidando nos últimos anos: a transição para uma economia de baixo carbono passa, de forma inevitável, pela floresta amazônica e pelos povos que nela vivem. Nesse cenário, a cooperação franco-brasileira ganhou novo fôlego com iniciativas dedicadas à bioeconomia, articuladas sobretudo pelo Programa AMABIO – um esforço conjunto que une financiamento sustentável, conhecimento tradicional e inovação socioprodutiva.

O programa, financiado pela Agência Francesa de Desenvolvimento (AFD) e implementado pela Expertise France, busca transformar compromissos diplomáticos entre Brasil e França em ações concretas. Durante a conferência, as instituições promoveram, em parceria com o Banco da Amazônia, uma agenda intensa voltada à valorização de iniciativas comunitárias e ao fortalecimento de cadeias da sociobiodiversidade. Uma das atividades mais aguardadas ocorreu na Green Zone, com a apresentação dos projetos selecionados pelo Edital AMABIO, que destinou R$ 4 milhões para organizações dos estados do Acre, Amapá, Amazonas, Pará e Maranhão.

O edital, lançado em junho, contemplou 27 iniciativas de base comunitária, cooperativas, startups e pequenas empresas que atuam em territórios amazônicos. Ali, representantes de associações rurais, coletivos de mulheres extrativistas e institutos de assistência social mostraram como a bioeconomia pode gerar renda, fortalecer identidades locais e ampliar perspectivas para suas comunidades.

Na cerimônia, vozes diversas ajudaram a traduzir a dimensão prática do programa. A agricultora Maria Oenice Xavier, da Associação de Produtores Rurais da Colônia Alto Coaraci (APRAC), explicou que a implantação de sistemas agroflorestais não responde apenas às demandas produtivas, mas também à permanência digna no território. Sua fala trouxe um recado recorrente entre os participantes: inovação tecnológica, quando conectada ao conhecimento tradicional, torna-se ferramenta de autonomia.

Outro exemplo veio do Instituto de Assistência Social e Educacional Apoema, representado pelo antropólogo Jean Pacheco. O projeto Raízes que Florescem, voltado ao fortalecimento de mulheres extrativistas da Ilha do Combu, mostrava como iniciativas historicamente voluntárias podem ganhar escala e estrutura quando encontram apoio financeiro e institucional. A organização já trabalha com biojoias, óleos essenciais e artesanato, e agora vislumbra ampliar suas ações, consolidando um arranjo produtivo sustentável e liderado por mulheres.

 Cooperação França–Brasil impulsiona bioeconomia na COP30

O público no stand do Banco da Amazônia, Green Zone, participou ativamente das ações. Foto: Rodrigo Lima/Agência Filadélfia

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Para a chefe do Programa AMABIO na Expertise France, Janaína Galvão, a bioeconomia amazônica demanda uma articulação que vai muito além do financiamento. Em sua análise, é preciso integrar bancos públicos, universidades, setor privado e agências internacionais, mas sempre colocando povos e comunidades tradicionais no centro. Esse enfoque explica o desenho do programa, que valoriza processos participativos e reconhece que a Amazônia já abriga redes consolidadas de resistência e inovação.

Executivos da AFD e do Banco da Amazônia reforçaram essa interpretação. Segundo Matthieu Le Grix, chefe da divisão de Agricultura, Desenvolvimento Rural e Biodiversidade da AFD, o banco público francês busca apoiar cadeias de valor capazes de conservar a natureza, mitigar a crise climática e gerar benefícios sociais tangíveis. Para ele, a bioeconomia amazônica reúne essas três condições, justificando os investimentos realizados por meio do AMABIO.

Já Samara Farias, gerente executiva do Banco da Amazônia, ressaltou que a parceria com AFD e Expertise France tem ajudado a consolidar uma nova forma de fazer política de desenvolvimento, alicerçada no diálogo direto com quem produz na floresta. A combinação de crédito, assistência técnica e cooperação internacional tem se mostrado essencial para transformar a bioeconomia em um caminho real de oportunidades.

A cooperação franco-brasileira ganhou mais profundidade em uma reunião realizada na sede do Banco da Amazônia, em que representantes dos projetos dialogaram com Jérémie Pellet, diretor-geral da Expertise France, e Dominique Hautebergue, diretor regional da AFD no Brasil e Cone Sul. Ali, experiências de diferentes territórios se encontraram, revelando tanto os desafios quanto o potencial da economia de base comunitária. O encontro destacou a centralidade da Amazônia para a agenda global de implementação climática e reafirmou o compromisso do Grupo AFD em apoiar soluções que valorizem a floresta em pé.

A partir dessas trocas, ficou evidente que a bioeconomia amazônica não é um conceito abstrato, mas um processo vivo, moldado por agricultores, extrativistas, jovens empreendedores, lideranças indígenas e organizações que traduzem a biodiversidade em conhecimento, trabalho e renda. O AMABIO, sediado em Belém, surge como ponte entre esses saberes e estruturas de financiamento, mobilizando recursos e fomentando negócios sustentáveis que dialogam diretamente com o território.

Na COP30, a França e o Brasil reafirmaram que suas estratégias de cooperação caminham lado a lado com os desafios da floresta. Mais do que projetos isolados, trata-se de construir um ecossistema de desenvolvimento que concilie inovação, justiça social e conservação ambiental. A bioeconomia amazônica, como mostraram os participantes, não é apenas uma agenda do futuro: ela já está acontecendo.

Brasil alcança 30 mil cavernas com nova descoberta em MG

Uma descoberta recente em Minas Gerais marcou um momento histórico para o patrimônio natural subterrâneo do Brasil. Com o registro da Gruta do Pica-Pau, no Parque Nacional Cavernas do Peruaçu, o país chegou oficialmente à marca de 30 mil cavernas registradas no sistema nacional de cadastro. O registro, realizado pelo ICMBio / Centro Nacional de Pesquisa e Conservação de Cavernas (Cecav), representa um novo capítulo para a espeleologia brasileira — seja para a ciência, para a conservação ou para o reconhecimento da enorme riqueza subterrânea do território nacional.

A nova caverna e o marco simbólico

A Gruta do Pica-Pau — localizada na Fazenda Cordisburgo 2, dentro do Peruaçu — foi anunciada como a cavidade de número 30 000 no Cadastro Nacional de Informações Espeleológicas (CANIE). O ID simbólico traz mais do que um número: consolida décadas de levantamentos, pesquisas e esforços coordenados para mapear cavernas, grutas e abismos naturais em todas as regiões do Brasil. Para os gestores do parque, o registro da Pica-Pau evidencia a complexidade geológica e a importância científica do Peruaçu, reforçando seu papel como um dos grandes complexos espeleológicos do mundo.

A gruta foi originalmente cadastrada por uma empresa de consultoria ambiental — processo requerido como parte de um estudo para regularização fundiária, num acordo de compensação espeleológica firmado entre o ICMBio e a empresa Vale S.A.. Além de contribuir para o mapeamento e o conhecimento técnico, a contabilização formal garante que a nova cavidade passe a fazer parte dos instrumentos de proteção e monitoramento ambiental do País.

Espeleologia em ritmo acelerado

O salto recente não é um passo isolado. O sistema de cadastro de cavernas brasileiro, o CANIE, vêm registrando milhares de novas cavidades ao longo dos últimos anos. Entre 2023 e 2024, foram cadastradas 2.668 novas cavernas — um crescimento de 11,41% sobre 2022 — elevando o total para mais de 26 mil naquele momento. Segundo o próprio ICMBio/Cecav, o avanço se intensificou em 2025, com o registro recorde que alcança os 30 mil sítios subterrâneos.

Esse ritmo crescente demonstra que o Brasil ainda tem um enorme potencial subterrâneo inexplorado — estimativas das autoridades indicam que há muito mais territórios por sondar, catalogar e estudar. A expansão do número de cavernas registradas reflete não só o trabalho de espeleólogos e pesquisadores, mas também o fortalecimento da legislação, das políticas públicas e do compromisso com a conservação do patrimônio espeleológico.

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ICMBIO/divulgação

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Por que cavernas merecem atenção

Cavernas e grutas cumprem papel essencial na estrutura ecológica e hidrológica do país. Elas armazenam água subterrânea, regulam aquíferos, conservam formações geológicas raras e abrigam espécies muitas vezes endêmicas — organismos adaptados a ambientes escuros, instáveis e isolados. Muitos desses ecossistemas subterrâneos também funcionam como laboratórios naturais: por sua sensibilidade às mudanças ambientais, oferecem pistas sobre impactos da mudança climática, poluição e alterações no uso da terra. No Brasil, onde a biodiversidade subterrânea ainda é pouco conhecida, cada nova caverna catalogada representa uma peça importante no quebra-cabeça ambiental e científico.

Além disso, unidades de conservação como o Parque Nacional Cavernas do Peruaçu acumulam valor histórico e cultural. No Peruaçu, convivem paisagens dramáticas — com cânions, matas, formações rochosas — e sítios arqueológicos com vestígios de ocupação humana milenar, incluindo pinturas rupestres que remontam há milhares de anos. Essa sobreposição de natureza, história e geologia classifica o parque como patrimônio natural e cultural de valor excepcional.

Caminhos futuros: pesquisa, proteção e visibilidade

O registro da trigésima milésima caverna nacional é menos um ponto final que um novo começo. A visibilidade conquistada com o marco pode impulsionar a ampliação de estudos sistemáticos, o investimento em espeleologia e a conscientização sobre a importância desse patrimônio escondido. O uso intensificado de ferramentas como o CANIE — o Cadastro Nacional de Informações Espeleológicas — assegura que novos sítios sejam devidamente registrados, mapeados e monitorados, com dados técnicos e geoespaciais precisos.

Para além da ciência, há também o desafio da preservação: garantir que cavernas e grutas sejam protegidas contra degradação, exploração indevida e impactos de atividades humanas. A regularização fundiária, exigida em muitos casos por licenciamentos ambientais, precisa caminhar junto com monitoramento e gestão territorial.

O fato de a Gruta do Pica-Pau surgir em um contexto de termo de compensação ambiental ilustra esse dilema — mas também aponta uma solução: a integração entre pesquisa, licenciamento e conservação pode assegurar que o patrimônio subterrâneo seja reconhecido e preservado.

Por fim, o registro estimula o turismo de natureza, desde que manejado com responsabilidade. Parques como o do Peruaçu, com sua combinação de natureza, patrimônio arqueológico e potencial espeleológico, podem se tornar referências de turismo sustentável, valorizando o meio ambiente, a educação patrimonial e o desenvolvimento local.

O Brasil, com seus 30 mil registros, reafirma que o subsolo também é parte central da riqueza natural e cultural do país. Mais do que celebrar o marco, é hora de consolidar políticas de proteção, pesquisa e valorização — para que cada gruta catalogada represente também um compromisso com o futuro.

Safra de guaraná no Amazonas cresce e surpreende em 2025

No coração da Amazônia, onde o guaraná molda paisagens e sustenta tradições, a safra de 2025 vem surpreendendo agricultores e pesquisadores. A colheita, ainda em curso entre novembro e janeiro, desponta como uma das mais promissoras da última década. No campo, a impressão geral é de abundância: plantas carregadas, cachos vibrantes e uma produtividade que contraria o receio inicial de que o calor extremo prejudicaria o desenvolvimento das flores.

As observações feitas pelo pesquisador André Atroch, da Embrapa Amazônia Ocidental, reforçam a sensação de otimismo. Após visitas técnicas, análises em áreas experimentais e trocas constantes com produtores, Atroch identifica uma tendência clara: a safra de 2025 já apresenta um ganho estimado entre 20% e 30% em relação ao ano anterior. O entusiasmo é ainda maior entre grandes empresas do setor, que relatam saltos próximos de 50%, resultado incomum para uma cultura tão sensível às variações climáticas.

A produção amazonense costuma oscilar entre 600 e 700 toneladas anuais. Com o avanço atual da colheita, a expectativa é de que o volume final se aproxime de 800 toneladas. Atroch destaca que essa projeção considera apenas o guaraná em rama — a semente seca em torno de 13% de umidade, padrão usado para mensurar a produção. Em campo, o que se vê é uma combinação rara: plantas homogêneas, com boa carga de sementes e cachos bem formados, sinalizando um ano de alto desempenho agronômico.

A explicação para esse resultado, no entanto, não está apenas na técnica agrícola. Em 2025, o clima desempenhou um papel decisivo. Setembro, período crítico para a floração do guaranazeiro, transcorreu sem extremos. Não houve estiagens capazes de comprometer as flores nem chuvas intensas suficientes para derrubá-las. Os dias de calor mais severo, embora entre os mais quentes das últimas duas décadas, não chegaram a interferir no ciclo reprodutivo da planta. Para uma cultura frequentemente vulnerável aos humores do clima amazônico, esse equilíbrio meteorológico foi determinante.

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Foz do Amazonas -agencia brasil

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O avanço das chuvas de novembro traz novos desafios. Em anos de precipitações mais violentas, cachos maduros podem cair precocemente ou apodrecer ainda presos à planta. Mesmo assim, a expectativa dominante é positiva. Produtores e técnicos antecipam uma colheita final robusta, capaz de reposicionar o guaraná do Amazonas em patamares mais altos de produtividade após safras marcadas por incertezas climáticas.

Essa recuperação ocorre em paralelo aos esforços contínuos da Embrapa para fortalecer a cadeia produtiva. No campo experimental em Manaus, a instituição conduz linhas de pesquisa que vão desde o melhoramento genético — voltado a plantas mais resistentes, mais produtivas e com maior qualidade de fruto — até a conservação de variedades tradicionais que sustentam a identidade cultural das comunidades produtoras. A ênfase na produtividade, na resiliência às mudanças climáticas e no manejo sustentável busca preparar o cultivo para um futuro marcado por maior instabilidade ambiental.

O guaraná, mais do que um produto agrícola, representa uma simbologia profunda na cultura amazônica, associada à força, ao mito e à ancestralidade. Sua trajetória econômica também é significativa. Com a crescente demanda nacional e internacional por bebidas energéticas, suplementos alimentares e produtos naturais, o guaraná do Amazonas ocupa um espaço estratégico na bioeconomia da região. O desempenho acima da média em 2025 reforça o potencial dessa cadeia para gerar renda, movimentar mercados locais e fortalecer a agricultura familiar.

O que emerge da safra atual é uma narrativa de resiliência. Entre clima favorável, dedicação dos produtores e avanços científicos, o ano consolida um ciclo de retomada para o guaraná amazônico. O desfecho da colheita, esperado para o início de 2026, deverá confirmar se essa recuperação se mantém. Mas, desde já, 2025 se impõe como um marco de esperança e vitalidade para uma das culturas mais emblemáticas do Amazonas.

Brasil acelera a descarbonização dos portos rumo a 2027

O Brasil deu um passo estratégico para enfrentar um cenário global que se aproxima rapidamente: a taxação internacional de emissões do transporte marítimo. Com a Organização Marítima Internacional discutindo tarifas que podem chegar a 380 dólares por tonelada de dióxido de carbono emitida, o governo decidiu antecipar tendências e lançar um pacote de iniciativas voltadas à descarbonização dos portos e da navegação. Os novos Programas Nacionais de Descarbonização de Portos e da Navegação, apresentados pelo Ministério de Portos e Aeroportos durante a COP30, em Belém, funcionam como um mapa de transição energética para um setor que historicamente depende de combustíveis fósseis.

A construção dessas diretrizes parte de um entendimento mais amplo: o país não pode esperar que o mercado ou regras externas façam o trabalho por ele. O ministro Silvio Costa Filho apresentou os programas como instrumentos de modernização, capazes de alinhar o sistema portuário brasileiro às exigências ambientais que moldarão o comércio internacional nas próximas décadas. Há nesse gesto tanto pragmatismo econômico quanto ambição climática. Cada país que se adiantar na adequação às novas regras garante competitividade, reduz custos operacionais e projeta uma imagem de responsabilidade ambiental.

Um dos eixos centrais é a eletrificação das estruturas portuárias. A estratégia busca fornecer energia limpa aos navios atracados, eliminando a necessidade de manter motores ligados durante longos períodos e reduzindo a dependência de diesel. A ação tem impacto direto no corte de emissões e funciona como porta de entrada para tecnologias de baixo carbono, já consolidadas em países líderes do transporte marítimo. O Brasil, porém, precisa adaptar tais soluções à sua realidade: condições climáticas mais extremas, diferenças de infraestrutura entre portos e um mosaico logístico que envolve zonas urbanas, áreas industriais e comunidades costeiras.

Durante a COP30, um exemplo provisório dessa transição pôde ser observado com o uso de Gás Natural Liquefeito no abastecimento de embarcações utilizadas como hotéis flutuantes. Apesar de ser ainda um combustível fóssil, o GNL reduz em até 30% as emissões quando comparado ao diesel, funcionando como etapa intermediária até a consolidação de combustíveis verdadeiramente limpos.

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Além das adaptações físicas nos portos, o governo também mira mudanças de comportamento no setor. O Pacto pela Sustentabilidade, lançado em 2025, busca engajar empresas da cadeia portuária e de navegação. A iniciativa introduz uma lógica de reconhecimento, por meio de selos ambientais, às organizações que adotam boas práticas socioambientais e de governança. Os selos não são apenas simbólicos: eles atuam como mecanismos de reputação e podem influenciar decisões de mercado, financiamentos e parcerias internacionais.

Outro vetor importante é o fortalecimento da navegação fluvial, um modal cujo impacto ambiental é cinco vezes menor do que o transporte rodoviário. A Secretaria Nacional de Hidrovias e Navegação conduz o processo das primeiras concessões de hidrovias do país, movimento que busca oferecer segurança jurídica, impulsionar investimentos privados e trazer previsibilidade às rotas logísticas pelos rios. O avanço desse modal tem potencial para alterar a distribuição da matriz de transporte, reduzindo pressões sobre rodovias e emissões associadas.

A regulamentação da BR do Mar também ganhou novo significado com a pauta climática. A política que estimula a cabotagem passa a exigir que empresas interessadas em ampliar suas operações adotem embarcações de menor emissão. Esse tipo de condicionamento é um sinal do novo tempo: a expansão da frota nacional precisará dialogar com metas climáticas, sob risco de incompatibilidade com padrões internacionais.

A desburocratização, por sua vez, continua sendo um instrumento decisivo para a redução de emissões. O programa Porto Sem Papel, ao simplificar processos e reduzir o tempo médio de permanência dos navios, tem efeito direto no consumo de combustível. A lógica é simples: menos espera, menos motores ligados, menos carbono liberado.

O conjunto dessas iniciativas evidencia uma mudança de mentalidade no setor. A descarbonização deixa de ser apenas uma exigência ambiental e passa a ser também um movimento estratégico de competitividade. A transição energética do transporte marítimo global será inevitável. O desafio está em decidir se o país atuará como espectador ou protagonista. Pelas medidas anunciadas, o governo quer ocupar a segunda posição.

Mapas estratégicos guiam nova fase da restauração no Brasil

O Brasil anunciou um marco que reposiciona o país no centro da agenda global de restauração ecológica. Segundo o Ministério do Meio Ambiente e Mudança do Clima (MMA), já são 3,4 milhões de hectares em recuperação de vegetação nativa, resultado direto do esforço coordenado do Plano Nacional de Recuperação da Vegetação Nativa, o Planaveg. O número representa quase um terço da meta nacional de restaurar 12 milhões de hectares até 2030, e sinaliza uma virada concreta na forma como o país enfrenta o colapso climático, a degradação dos solos e o declínio da biodiversidade.

O anúncio foi feito durante o encontro Agenda Restaura Brasil – Conectando Convenções, Impactando Pessoas e Natureza, realizado na COP 30, em Belém. No evento, o MMA apresentou o conjunto de políticas, parcerias internacionais e mecanismos financeiros que têm dado sustentação ao avanço da restauração em todos os biomas. Trata-se de um movimento que integra ciência, governança territorial e participação social para transformar a recuperação da vegetação nativa em política de Estado — permanente, contínua e mensurável.

O avanço divulgado é fruto de um grande esforço de mapeamento conduzido pelo MMA no âmbito da Comissão Nacional para a Recuperação da Vegetação Nativa (CONAVEG), em parceria com a Organização das Nações Unidas para Alimentação e Agricultura (FAO) e com a aliança União pela Restauração, formada pelas organizações CI-Brasil (Conservation International), TNC Brasil (The Nature Conservancy), WRI Brasil (World Resources Institute) e WWF-Brasil (World Wide Fund for Nature). O trabalho integrou diferentes bases e sistemas de monitoramento, produzindo a leitura mais completa já feita sobre restauração ecológica nos biomas brasileiros.

Para a secretária de Biodiversidade, Florestas e Direitos Animais do MMA, Rita Mesquita, o país vive uma mudança de trajetória. Ela destaca que grande parte das áreas recuperadas corresponde a vegetação secundária em regeneração — florestas que se recompõem espontaneamente quando as pressões diminuem e a governança ambiental melhora. Esse processo natural, quando protegido, se torna um dos caminhos mais eficientes e de baixo custo para gerar escala em restauração.

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O levantamento mostra que os 3,4 milhões de hectares mapeados se distribuem entre Terras Indígenas, Unidades de Conservação, propriedades privadas e áreas sob instrumentos de responsabilização ambiental. No caso das Áreas de Preservação Permanente (APPs), Áreas de Uso Restrito (AUR) e Reservas Legais, o cômputo considera exclusivamente áreas de imóveis com Cadastro Ambiental Rural validado, garantindo segurança jurídica e alinhamento ao Código Florestal.

De acordo com Thiago Belote, diretor do Departamento de Florestas do MMA, os dados atestam que a restauração deixou de ser promessa e entrou definitivamente no domínio das políticas públicas com rigor técnico, rastreabilidade e amplitude territorial.

Durante o evento, o MMA apresentou ainda o primeiro mapa de áreas prioritárias para restauração na Amazônia, validado pela Câmara Consultiva Temática do Planaveg. A seleção considera critérios como biodiversidade, clima, água, geração de empregos, custo-efetividade e uso do solo. Os demais biomas terão seus mapas finalizados até meados de 2026, compondo um Sistema Nacional Unificado de Monitoramento.

O governo também destacou três frentes que estruturam a agenda de longo prazo. A primeira é a garantia de permanência da vegetação secundária, com reforço aos Planos de Prevenção e Controle do Desmatamento (PPCDs) e à implementação integral do Código Florestal. A segunda é a ampliação de mecanismos financeiros inovadores, combinando recursos públicos, privados e internacionais em modelos de blended finance para diminuir riscos e atrair investimentos. A terceira envolve iniciativas que aceleram a capacidade de transformação, como o Fundo Tropical das Florestas (TFFF), o fortalecimento de cadeias produtivas da restauração e o desenvolvimento de territórios prioritários.

O marco dos 3,4 milhões de hectares demonstra que a restauração não é tema periférico, mas sim uma oportunidade concreta de estruturar uma nova economia baseada na regeneração. Os avanços foram possíveis graças ao trabalho conjunto de governos, organizações ambientais, comunidades tradicionais, produtores rurais e setor privado. A expectativa agora é ampliar esse esforço até cumprir a meta de 12 milhões de hectares em 2030 — e consolidar o Brasil como referência global na reconstrução de paisagens resilientes, produtivas e inclusivas.

Jovem do Amapá cria kit solar e vence Prêmio Jovem Cientista

Uma estudante do Amapá acaba de conquistar um marco importante para a ciência na Amazônia. Com apenas 23 anos, Manuelle da Costa Pereira, do Instituto Federal do Amapá (Ifap), venceu a categoria Ensino Superior do 31º Prêmio Jovem Cientista com um projeto de kit solar, que pode transformar a vida dos extrativistas de castanha na floresta: um kit solar portátil adaptado às realidades amazônicas.

A solução surgiu do convívio direto de Manuelle com castanheiros na vila São Francisco do Iratapuru, no Vale do Jari. Vivendo a experiência dos extrativistas, ela percebeu que os geradores a diesel — caros, pesados e poluentes — representam um ônus enorme: exigem transporte difícil, custam caro e causam impacto ambiental. A partir desse diagnóstico, a estudante desenvolveu o “Kit Solar Castanheiro”, pensado para ser leve, acessível e eficiente.

O protótipo inicial já passou por várias evoluções. Da versão volumosa — equivalente a um contêiner de 1.000 litros — o kit foi refinado até caber em uma mochila de 50 litros. O custo de produção gira em torno de R$ 2,8 mil, beneficiando-se do reaproveitamento de bombonas descartadas — estratégia que alia sustentabilidade e reaproveitamento.

Apesar do tamanho reduzido, o equipamento não perde funcionalidade. A bateria alimenta lanternas, rádios, celulares e pequenos aparelhos, suprindo as necessidades básicas dos castanheiros durante longos períodos em campo: iluminação noturna, preparo de alimentos, recarga de equipamentos de comunicação — itens essenciais para quem vive entre as árvores e longe da rede elétrica.

O projeto foi iniciado em 2022, com apoio de uma bolsa de Iniciação Tecnológica pelo CNPq, que possibilitou à estudante desenvolver a ideia sem sair de sua terra natal, Laranjal do Jari (AP). Com orientação do professor Diego Armando Silva da Silva (Ifap) e inserida no Centro de Estudos em Ecologia e Manejo na Amazônia, Manuelle acompanhou de perto os desafios e rotina dos extrativistas — um contato intenso e essencial para o desenho de uma solução realista.

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Foto: CNPq/Divulgação

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Em 2023, o kit foi registrado como Modelo de Utilidade no Instituto Nacional da Propriedade Industrial (INPI), com apoio do Núcleo de Inovação Tecnológica do Ifap e da FAPEAP (Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado do Amapá). Esse passo formal assegura a propriedade intelectual da invenção e abre caminho para eventuais ampliações, parcerias ou produção em maior escala.

O reconhecimento concedido pelo Prêmio Jovem Cientista é muito mais que um troféu: simboliza o valor da ciência feita na Amazônia, por quem vive nela. A conquista histórica — é a primeira vez que uma estudante do Amapá ganha essa categoria do prêmio — coloca em evidência o potencial de soluções locais para problemas complexos como energia, meio ambiente e desenvolvimento sustentável.

Mas o caminho ainda é longo. Manuelle mesma admite que o próximo passo será buscar financiamento e apoio institucional para transformar o protótipo em produto acessível para comunidades extrativistas de todo o território amazônico. A meta é que o kit se torne um instrumento real de redução da pegada de carbono, substituindo geradores a diesel e facilitando a vida no campo.

O “Kit Solar Castanheiro” carrega uma promessa maior. Ele representa um gesto concreto de reconciliação entre tecnologia, meio ambiente e modos de vida tradicionais. É, também, um sinal de que a Amazônia pode gerar inovação, desenvolvimento e inclusão sem abrir mão da floresta — e que, nesse processo, as vozes locais merecem protagonismo.

Amido nanotecnológico cria nova geração de fertilizantes inteligentes

A tentativa de reinventar a liberação de nutrientes no solo ganhou um novo capítulo nas pesquisas conduzidas pelo Laboratório Nacional de Nanotecnologia para o Agronegócio da Embrapa Instrumentação, em São Carlos, em parceria com a Universidade Federal de São Carlos (UFSCar). A equipe tem explorado uma alternativa capaz de substituir os polímeros sintéticos comumente usados em fertilizantes: sachês de amido reforçados com nanopartículas, projetados para liberar nutrientes de forma controlada e reduzir perdas que hoje comprometem tanto a produtividade quanto o ambiente.

O princípio é simples e, ao mesmo tempo, engenhoso. O amido, um polímero biodegradável amplamente disponível, é moldado em pequenos invólucros que armazenam fertilizantes em pó ou granulados. Esses sachês se decompõem gradualmente no solo, liberando nutrientes no ritmo necessário para o desenvolvimento das plantas. A tecnologia nasce como resposta a um problema antigo: a dificuldade das culturas absorverem de imediato fertilizantes altamente solúveis, como o cloreto de potássio, componente central do tradicional NPK. O excesso, que não é aproveitado pelas plantas, acaba disperso pelo vento, levado pela água das chuvas ou infiltrado no solo, gerando custos adicionais e impacto ambiental significativo.

Segundo o químico João Otávio Donizette Malafatti, autor principal do estudo publicado no periódico Journal of Inorganic and Organometallic Polymers and Materials, a formulação do sachê pode ser adaptada conforme a combinação de nutrientes desejada. Supervisionado pela pesquisadora Elaine Cristina Paris, da Embrapa Instrumentação e docente do Programa de Pós-Graduação em Química da UFSCar, Malafatti desenvolveu filmes de amido processados com ureia e ácido cítrico reforçados com zeólita rica em íons de cobre.

Essa zeólita cumpre múltiplas funções. Por um lado, funciona como barreira contra microrganismos, retardando a degradação indesejada do sachê até que ele chegue ao campo. O cobre presente no mineral também age como micronutriente, integrando-se posteriormente ao solo. No experimento, a presença de cobre foi capaz de controlar o crescimento do fungo Alternaria alternata, uma das ameaças recorrentes às plantações.

Por outro lado, a zeólita contribui para reforçar a estrutura mecânica do invólucro, uma necessidade ainda desafiante quando se compara matrizes biodegradáveis a polímeros derivados de petróleo. Atingiu-se o melhor desempenho com cerca de 3% de zeólita em relação ao amido; acima dessa concentração, as partículas tendem a aglomerar-se e fragilizar o filme. Em situações de seca, sua capacidade de reter água por alta porosidade também atua como aliada do cultivo.

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Sachês de amido processados com ureia e ácido cítrico e reforçados com zeólita rica em íons de cobre – foto: João Otávio Donizette Malafatti

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As pesquisas financiadas pela FAPESP mostram que os sachês podem desempenhar papéis distintos dependendo da cultura e da formulação interna. Em um estudo anterior, a doutoranda Camila Rodrigues Sciena usou hidroxiapatita como fonte de fósforo. Com adição de pectina à matriz de amido, o ambiente dentro do sachê tornou-se mais ácido, condição que aumentou consideravelmente a solubilidade do fertilizante. Já no caso dos compostos altamente solúveis, como ureia ou cloreto de potássio, a função é justamente moderar o processo para evitar perdas por lixiviação e garantir liberação contínua.

Quando imersos em meio aquoso por 30 dias, os sachês testados liberaram até 300 mg L^-1 de ureia e 7 mg L^-1 de íons cobre. A estrutura hidrofílica do amido favoreceu a difusão de água e a liberação gradual dos nutrientes. Testes de citotoxicidade indicaram que a zeólita de cobre não afeta significativamente o desenvolvimento inicial das plantas: sementes de agrião mantiveram 92% de viabilidade após exposição.

Para a pesquisadora Elaine Paris, o desafio agora é baratear processos e materiais para tornar o produto competitivo no mercado. A escala atual ainda é laboratorial, e a aplicação imediata é mais viável em sistemas controlados, como estufas, hidroponia ou jardinagem. Mas o potencial para a agricultura extensiva é promissor, especialmente pela possibilidade de criar formulações personalizadas: sachês mais ácidos para culturas que exigem solubilização rápida, ou menos ácidos para nutrientes que já se dissolvem com facilidade.

A tecnologia também apresenta vantagens operacionais relevantes. Fertilizantes encapsulados reduzem o contato direto dos trabalhadores com partículas e permitem que a indústria utilize quase qualquer formulação granulado ou particulado sem alterar o processo de produção dos invólucros.

O trabalho avança em direção a um futuro em que o manejo de nutrientes no solo seja mais preciso, menos agressivo ao meio ambiente e mais alinhado à demanda real das culturas. Os sachês de amido ainda aguardam o salto para a escala industrial, mas já se apresentam como uma alternativa consistente aos polímeros tradicionais usados na agroindústria, aproximando o campo brasileiro de tecnologias de liberação controlada mais sustentáveis.

Povos do Oiapoque ganham voz em colóquio internacional

O encontro entre culturas que, há séculos, compartilham o mesmo território amazônico volta ao centro do debate público com o Colóquio Internacional “Oyapock, o rio que une: línguas e conhecimentos indígenas além das fronteiras”. Realizado entre 26 e 28 de novembro de 2025, no auditório do Museu da Língua Portuguesa, em São Paulo, o evento se insere na programação da Temporada França-Brasil 2025 e propõe uma imersão na diversidade linguística, cosmológica e política dos povos que habitam a região do rio Oiapoque, fronteira viva entre Brasil e Guiana Francesa.

A iniciativa é promovida pelo Centro de Documentação de Línguas e Culturas Indígenas, um projeto conjunto do Museu da Língua Portuguesa e do Museu de Arqueologia e Etnologia da USP (MAE-USP), com financiamento da FAPESP (processos 24/17531-3 e 24/17181-2). Trata-se do primeiro grande evento do centro desde seu lançamento, em maio de 2025, e marca um passo importante para consolidar um espaço permanente de articulação entre pesquisadores, artistas e lideranças indígenas de diferentes regiões do Planalto das Guianas.

O colóquio não se limita a apresentar pesquisas ou compartilhar diagnósticos; ele pretende tensionar visões de mundo, promover escutas e aproximar fronteiras simbólicas que, por muito tempo, funcionaram como barreiras à circulação de saberes. Nesse sentido, o evento enfatiza perspectivas indígenas sobre multilinguismo, políticas linguísticas, educação intercultural e processos de revitalização cultural e patrimonial. Uma de suas premissas centrais é valorizar a autodeterminação dos povos originários, reconhecendo sua capacidade de conduzir seus próprios projetos de preservação, transmissão e atualização de conhecimentos.

A região contemplada pelo colóquio é uma das mais ricas e complexas da Amazônia. Entre seus habitantes estão povos como Wajãpi, Wayãpi, Wayana, Apalai, Kali’na Tɨlewuyu, Galibi Kali’na, Galibi Marworno, Parykweneh, Palikur-arukwayene, Karipuna, Teko, Lokono e Kaxuyana, cujas trajetórias envolvem migrações históricas, redes de parentesco transfronteiriças e práticas culturais que dialogam com o território há milênios. O encontro busca destacar esse mosaico sociocultural e discutir políticas e ações que possam fortalecer sua continuidade.

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Ponte Binacional do Oiapoque – Divulgação Ministério das Cidades

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Para isso, seis mesas temáticas reúnem artistas, educadores, lideranças e especialistas indígenas e não indígenas de três países. Entre os nomes confirmados estão Daiara Tukano, Kassia Lod, Cristine Takuá, Angela Kaxuyana, Dominique Gallois e Eduardo Neves (Brasil); Anne-Marie Chambrier, Aïmawale Opoya e Corinne Toka-Devilliers (Guiana Francesa); e Isabelle Léglise (França). Essa tessitura multinacional reforça o espírito do evento: compreender o Oiapoque não como linha divisória, mas como um rio que costura mundos.

Além das mesas de debate, o colóquio incorpora a potência expressiva das artes indígenas. A abertura conta com a performance Nhe’ẽrỹ, criada por Carlos Papá, liderança e cineasta Guarani Mbya. Já o encerramento apresenta Maluwana, o Céu de Casa, obra do artista Wayana Aïmawale Opoya, com exibição na Praça da Língua. Ambas as apresentações foram concebidas especialmente para o encontro, reafirmando a arte como linguagem política, espiritual e pedagógica.

A organização do colóquio é viabilizada por uma ampla rede de instituições brasileiras e francesas. Além da FAPESP, apoiam o evento o Institut Français, a Collectivité Territoriale de Guyane (CTG), a Cité Internationale de la Langue Française, o Parc Amazonien de Guyane (PAG) e o Consulado Geral da França em São Paulo. O colóquio conta ainda com a parceria do Centro Franco-Brasileiro da Biodiversidade Amazônica (CFBBA).

As inscrições são gratuitas e limitadas à capacidade do auditório, com tradução simultânea, intérprete de Libras e certificação para os participantes. A programação completa e informações adicionais podem ser consultadas no site do Centro de Documentação de Línguas e Culturas Indígenas.

O colóquio, mais do que um evento acadêmico, se anuncia como um encontro de histórias, memórias e modos de existir que ultrapassam fronteiras geográficas e disciplinares. Numa época em que a proteção das florestas, dos povos e das línguas se torna pauta mundial urgente, a região do Oiapoque emerge não apenas como um território a ser estudado, mas como uma escola viva de convivência, diversidade e futuro.

Chamado de Belém inaugura nova agenda global da habitação

O Chamado de Belém, lançado durante a COP30, consolidou um novo marco global para a habitação sustentável e acessível. O documento, articulado no âmbito do Conselho Intergovernamental para Edificações e Clima (ICBC), elevou o tema ao centro da agenda climática ao reconhecer que a crise da moradia e a crise ambiental avançam de forma simultânea — e só terão solução se forem enfrentadas juntas. A reunião, presidida por Brasil, França e Quênia, reuniu mais de 60 países em Belém e simbolizou um consenso inédito: o setor de edificações precisa ser transformado para garantir não apenas casas, mas cidades capazes de suportar os impactos crescentes do clima.

O Brasil participou do encontro por meio do Ministério das Cidades, representado pelo ministro Jader Filho, que reforçou a relação direta entre desigualdade urbana e vulnerabilidade climática. Segundo ele, quando desastres ambientais se intensificam, são sempre as populações de menor renda que enfrentam as perdas mais profundas — e isso exige que o planejamento de políticas habitacionais inclua, desde o início, critérios de adaptação, resiliência e eficiência energética.

A dimensão global do desafio é clara: hoje, 2,8 bilhões de pessoas vivem em moradias inadequadas, e será necessário construir 96 mil novas casas por dia até 2030 apenas para suprir a demanda. Paralelamente, edificações já respondem por cerca de um terço do consumo mundial de energia e das emissões de gases de efeito estufa, enquanto enfrentam riscos cada vez mais severos, como calor extremo, enchentes e desastres climáticos de grande escala.

O ICBC é formado pelos governos que integram a Aliança Global para Edificações e Construção (GlobalABC), iniciativa ligada ao Programa das Nações Unidas para o Meio Ambiente (PNUMA). Criado após a Declaração de Chaillot, em 2024, o Conselho funciona como uma plataforma para trocar experiências, consolidar diretrizes e acompanhar o progresso das metas internacionais para descarbonizar o setor de edificações. Seu objetivo central é orientar países a planejar cidades com menor impacto climático e maior capacidade de adaptação.

Durante a reunião, a diretora-executiva do PNUMA, Inger Andersen, destacou que acessibilidade e sustentabilidade não podem mais ser tratadas como objetivos dissociados. Para ela, o setor de edificações pode se transformar em uma referência global de ação climática — tanto pela redução direta nas emissões quanto pelo papel social de garantir moradias dignas a bilhões de pessoas. Segundo Andersen, o Chamado de Belém oferece uma agenda concreta e viável para que os países avancem do discurso para a implementação.

Descubra-Belem-com-quem-entende-newsletter-semanal-com-dicas-de-cultura-gastronomia-e-sustentabilidade-no-coracao-da-Amazonia-e-da-COP30-1-400x236 Chamado de Belém inaugura nova agenda global da habitação

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O documento propõe metas escalonadas até 2030 e 2035. O primeiro conjunto de compromissos define que, até o fim desta década, os países devem integrar ação climática às políticas habitacionais nacionais, estabelecer uma Aliança de Financiamento para Habitação Sustentável e Acessível com bancos multilaterais e instituições internacionais, e destinar fluxos de Assistência Oficial ao Desenvolvimento especificamente para programas habitacionais resilientes.

Para 2035, o texto recomenda que todos os signatários alinhem suas políticas de habitação aos princípios da Declaração de Chaillot, priorizando construções eficientes, de baixa emissão e adaptadas às realidades regionais. O documento também incentiva que países proíbam edificações em zonas suscetíveis a riscos climáticos sem medidas adequadas de proteção — uma necessidade urgente, considerando que mais de 1,12 bilhão de pessoas vivem hoje em áreas altamente vulneráveis.

Representantes de países-chave reforçaram a importância política do Chamado de Belém. Benoît Faraco, embaixador da França para negociações climáticas, afirmou que o documento oferece ferramentas concretas para que os países cumpram suas NDCs — as contribuições nacionalmente determinadas no âmbito do Acordo de Paris. Para ele, a nova agenda representa o início de uma fase de implementação profunda, que deixa para trás a lógica de compromissos genéricos.

Já Alice Wahome, representante do Ministério de Terras, Obras Públicas, Habitação e Desenvolvimento Urbano do Quênia, lembrou que, para o Sul Global, é essencial que a transição climática não agrave desigualdades estruturais. Segundo ela, o Chamado de Belém reforça que adaptação climática deve caminhar ao lado da acessibilidade e da expansão de serviços básicos.

A reunião também resultou na adoção de instrumentos adicionais para acelerar a descarbonização das edificações. Entre eles, o Marco Global de Ação para Compras Públicas Sustentáveis — uma diretriz estratégica para usar o poder de compra dos governos como indutor de inovação e sustentabilidade. Outro elemento destacado foi o endosso aos Princípios para Construção Responsável em Madeira, que estimulam materiais de base biológica e práticas circulares.

Ao final, consolidou-se uma visão compartilhada: o futuro das cidades depende de um novo modelo de desenvolvimento urbano capaz de reduzir emissões, ampliar o acesso à moradia e oferecer resiliência diante de um clima cada vez mais imprevisível. O Chamado de Belém inaugura esse caminho ao estabelecer metas concretas e mobilizar governos, bancos multilaterais e organismos internacionais para agir agora — e não apenas planejar o futuro.

Tributação justa pode destravar a nova economia da Amazônia

A discussão sobre tributação da sociobioeconomia amazônica ganhou centralidade na COP30 e expôs um ponto sensível para o futuro do desenvolvimento sustentável brasileiro: o modelo fiscal ainda não reconhece o valor econômico, social e ambiental da produção que nasce dentro da floresta. Para Lígia Tatto, diretora executiva da Urucuna e líder de Presença Institucional da Associação dos Negócios de Sociobioeconomia da Amazônia – ASSOBIO, o país vive um momento raro de oportunidade política — e deixá-lo passar significaria condenar, por mais uma década, a chance de transformar a Amazônia em protagonista da nova economia verde.

Segundo ela, a razão de começar a discussão pela ponta, olhando diretamente para as comunidades, é simples: é ali que o futuro já está acontecendo. Cooperativas, agroindústrias familiares e empreendedores de base florestal desenvolvem produtos inovadores, beneficiam matéria-prima dentro do território e criam soluções que unem saber tradicional e tecnologia contemporânea. Tudo isso, porém, sustentado por muito esforço e poucas condições. Na prática, o sistema tributário brasileiro trata os negócios da sociobioeconomia como se fossem iguais a grandes cadeias industriais de alto impacto ambiental — e esse é o ponto que precisa ser mudado, com urgência.

Para Lígia, a escala só virá quando houver justiça tributária. Hoje, empreendedores que mantêm a floresta em pé competem com sistemas produtivos que operam em larga escala, infraestrutura consolidada e incentivos fiscais voltados para modelos econômicos tradicionais. A sociobioeconomia carrega custos mais elevados, enfrenta logística complexa e, ainda assim, não encontra no Estado um reconhecimento que traduza sua função social e ambiental em vantagens competitivas.

É nesse contexto que entra a importância da Nomenclatura Comum do Mercosul. A forma como os códigos NCM são definidos determina o enquadramento tributário de cada produto. Hoje, muitos itens da sociobioeconomia são classificados da mesma forma que produtos industriais sem vínculo territorial, ambiental ou cultural. Para Lígia, a mudança no NCM permitiria, pela primeira vez, que o Estado criasse regras específicas para produtos originados de cadeias amazônicas, valorizando impacto positivo, rastreabilidade e origem comunitária. Essa diferenciação abriria caminho para políticas fiscais alinhadas à realidade da floresta — e não copiadas de modelos produtivos que historicamente contribuíram para sua destruição.

WhatsApp-Image-2025-11-24-at-15.52.43-400x532 Tributação justa pode destravar a nova economia da Amazônia
Lígia Tatto – Divulgação

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A proposta apresentada pela ASSOBIO é clara: um crédito presumido de até 90% para produtos industrializados no Pará. O objetivo é gerar competitividade real, estimular a verticalização dentro da Amazônia e atrair investimentos capazes de expandir mercados. A lógica é a mesma que orienta outros setores atrativos fiscalmente, como o frigorífico: quando o incentivo é aplicado de forma estratégica, a indústria cresce, se moderniza e gera empregos. A diferença, neste caso, é que a contrapartida econômica viria acompanhada de conservação ambiental.

O debate chegou ao centro das discussões pós-COP30 porque há urgência. Nunca houve tanta atenção internacional voltada à Amazônia, e essa visibilidade abre uma janela política que não permanecerá aberta por muito tempo. Para Lígia, ou o Brasil cria agora mecanismos concretos de estímulo ou repetirá erros do passado, desperdiçando um potencial que já se mostra vivo, pulsante e economicamente promissor.

Os números da sociobioeconomia organizada pelas comunidades revelam um horizonte possível. Os 126 empreendimentos associados à ASSOBIO já movimentam mais de 52 milhões de reais por ano, geram mais de mil empregos diretos e impactam positivamente mais de 70 mil pessoas. São negócios que criam renda local, mantêm florestas em pé e ampliam cadeias produtivas sustentáveis. Para ela, uma política tributária justa teria efeito multiplicador: dobraria, talvez triplicaria esse impacto — e transformaria a bioeconomia de promessa em motor econômico real.

Mas o caminho não depende apenas de incentivos. Depende, também, de uma mudança de percepção nacional. Pesquisa recente da ASSOBIO mostra que 65% dos brasileiros nunca conheceram a Amazônia e apenas 34% sabem o que é bioeconomia. Ainda assim, mais de 80% acreditam que é possível gerar riqueza sem destruir a floresta. É uma base social favorável, mas ainda distante da formulação de políticas públicas.

Nesse cenário, a tributação assume um papel pedagógico: mostrar, de forma concreta, que a floresta viva é economicamente vantajosa. Um sistema fiscal que reconheça o impacto socioambiental de cada produto ajuda consumidores a entenderem seu valor, fortalece negócios de base comunitária e reposiciona a Amazônia no centro das decisões econômicas do país.

Para a ASSOBIO, o novo arcabouço tributário estadual pode marcar um divisor de águas. Se o Pará consolidar um modelo diferenciado, alinhado à reformulação do NCM, criará um ecossistema permanente de estímulo, permitindo que a sociobioeconomia deixe de ser exceção e se torne regra. É a chance de transformar a Amazônia em protagonista de um desenvolvimento sustentável que interessa ao Brasil e ao mundo.

Em suas palavras, o primeiro passo é simples, mas decisivo: reconhecer quem já está produzindo riqueza com a floresta viva. Enxergar as comunidades, ajustar a tributação e construir um caminho sólido para uma economia que respeite sua origem. O movimento começou na COP30, mas seu desfecho dependerá da coragem política de transformar oportunidades em política de Estado.

Berçário natural do Xingu revela força da conservação amazônica

O ciclo reprodutivo das tartarugas-da-Amazônia transforma, todos os anos, o Refúgio de Vida Silvestre Tabuleiro do Embaubal em um vasto berçário natural no Médio Xingu, no Pará. Entre agosto e dezembro, praias de areia clara emergem com a vazante do rio e recebem milhares de fêmeas de tartarugas, tracajás e pitiús. Elas percorrem longos trajetos para depositar seus ovos nesse conjunto de ilhas fluviais, que se consolidou como um dos maiores sítios de desova de quelônios de água doce de toda a América do Sul.

O movimento atinge seu ápice entre setembro e novembro, quando o calor do solo e o nível do rio criam as condições exatas para que os ninhos prosperem. A partir do fim de outubro, o cenário muda novamente: pequenas cabeças rompem a areia, inaugurando a temporada de nascimento. Até janeiro, milhares de filhotes iniciam sua primeira jornada rumo às águas do Xingu, repetindo um ciclo milenar que marca profundamente o imaginário amazônico.

Esse espetáculo natural não ocorre ao acaso. Ele é sustentado por mais de uma década de trabalho contínuo do Programa de Conservação e Manejo de Quelônios, desenvolvido pela Norte Energia, concessionária da Usina Hidrelétrica Belo Monte, em cooperação com o Instituto de Desenvolvimento Florestal e da Biodiversidade – Ideflor-Bio, o Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis – Ibama, a Secretaria de Estado de Meio Ambiente e Sustentabilidade – Semas e secretarias municipais da região.

Ao longo de 14 anos, o programa estruturou uma metodologia que une ciência, manejo ambiental e participação direta das comunidades ribeirinhas. O monitoramento dos ninhos, a vigilância das áreas de reprodução e as ações de educação ambiental tornaram-se pilares de uma estratégia que busca somar o conhecimento técnico ao saber tradicional.

Os resultados mostram a efetividade desse modelo. Entre outubro de 2024 e janeiro de 2025, foram identificados 1.692 ninhos, e 308.567 filhotes retornaram às águas do Xingu. Desde o início do programa, já são mais de 6,5 milhões de tartaruguinhas devolvidas à natureza. Em 2025, mesmo com a estiagem severa que afetou boa parte da bacia amazônica, mais de quatro mil ninhos foram registrados apenas nas praias do Tabuleiro.

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Divulgação – Revis

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A bióloga Adriana Malvasio, referência nacional em estudos sobre quelônios e consultora do projeto, atribui esse sucesso à combinação entre ciência e participação comunitária. Ela destaca que cada ninho protegido representa mais do que a sobrevivência de um grupo de filhotes: sustenta o equilíbrio ecológico do Xingu, contribui para a dispersão de sementes, mantém cadeias alimentares e auxilia na limpeza natural dos rios. Segundo a especialista, a presença ativa dos ribeirinhos e povos tradicionais é decisiva para que o ciclo se mantenha vivo.

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Divulgação – Revis

Manter esse esforço contínuo exige investimentos robustos. A Norte Energia já destinou cerca de R$ 26 milhões ao programa e mobiliza equipes multidisciplinares de biólogos, técnicos ambientais e monitores locais. O compromisso se estende ao próprio território onde a vida floresce: o Revis Tabuleiro do Embaubal, criado em 2016, cobre mais de 4 mil hectares e reúne praias, igapós e várzeas que abrigam espécies ameaçadas, migratórias e endêmicas. A área está situada a cerca de 900 quilômetros de Belém e se destaca como um patrimônio ecológico da Amazônia.

Para Roberto Silva, gerente de Meios Físico e Biótico da Norte Energia, o Tabuleiro simboliza um pacto entre produção energética e responsabilidade socioambiental. Cada ciclo de reprodução, afirma, reforça a necessidade de integrar conservação e desenvolvimento, estimulando a participação das comunidades locais como protagonistas dessa missão coletiva.

A mobilização se amplia com o Projeto Tartarugas-do-Xingu, iniciativa de voluntariado criada em 2018 para apoiar o manejo de quelônios e aproximar a população do esforço de conservação. Em poucos anos, o projeto já devolveu cerca de 100 mil filhotes à natureza, consolidando uma cultura de engajamento comunitário em torno da proteção das tartarugas-da-Amazônia, do tracajá e do pitiú.

O conjunto dessas ações demonstra que a conservação na Amazônia não se limita à proteção da fauna: ela envolve conhecimento, investimento e, sobretudo, alianças duradouras entre ciência e comunidades. No Tabuleiro do Embaubal, cada filhote que alcança o rio carrega a marca desse trabalho compartilhado — e renova a esperança de que a Amazônia continue sendo um território onde a vida encontra caminhos para resistir e se multiplicar.

Brasil à beira de se tornar potência em energia limpa

O setor siderúrgico brasileiro vive um momento de reflexão e expectativa: representantes da indústria de aço veem no atual impulso por energias limpas uma oportunidade histórica para o país se afirmar como protagonista global na transição energética. A recente conclusão da COP30 reforçou o papel central da energia limpa nos debates sobre descarbonização — e especialistas do setor defendem que o Brasil tem condições de liderar esse movimento, desde que supere desafios estruturais e invista com clareza no seu potencial.

Dados do Ember, think tank internacional de energia, mostram que em 2024 fontes limpas — sobretudo hidrelétrica, solar e eólica — responderam por cerca de 41% da eletricidade mundial. Esse crescimento gradual evidencia que o mundo avança na direção da transição energética, embora de forma desigual entre países e setores.

Para a gerente-geral de Meio Ambiente da Gerdau, Cenira Nunes, a transição em curso não vai eliminar da noite para o dia as fontes fósseis — como qualquer transição anterior na história, trata-se de um processo longo, que convivirá com diferentes matrizes energéticas. Ela observa que, nas últimas duas décadas, a participação das renováveis cresceu cerca de 13% na matriz elétrica global. Esse avanço, impulsionado por avanços em solar e eólica, sinaliza que o setor elétrico global já está se adaptando ao novo cenário.

No contexto brasileiro, a vantagem comparativa é clara. De acordo com a Empresa de Pesquisa Energética (EPE), aproximadamente 85% da matriz elétrica do país já provêm de fontes renováveis — um percentual próximo ao dobro da média global. Deste total, as hidrelétricas continuam sendo a base, respondendo por cerca de 55,3%. Esse posicionamento confere ao Brasil um terreno fértil para avançar com ambição.

No entanto, para manter e ampliar essa vantagem, não basta contar com recursos naturais: é preciso estruturar o país para a nova economia energética. Na visão do diretor da Associação Brasileira de Metalurgia, Materiais e Mineração (ABM) na regional Centro–Norte, Geraldo Iran Cardoso, o país deverá superar desafios como a atração de investimentos, fortalecimento da formação técnica e regulatória, e modernização da infraestrutura de transmissão, garantindo que a energia gerada alcance de fato os polos industriais e regiões onde o aço e outros materiais são produzidos.

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Divulgação – ABM

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Um dos caminhos estratégicos mais debatidos no setor é o do hidrogênio verde — produzido a partir da eletrólise da água, utilizando energia renovável (hidrelétrica, solar ou eólica). Para Cardoso, o Brasil estaria em posição privilegiada para explorar essa tecnologia: a grande extensão territorial, combinada com uma matriz elétrica predominantemente limpa, poderia permitir a produção de volumes substanciais de hidrogênio, com potencial de exportação para países com alta demanda por energia limpa. Se bem implementada, a ideia poderia transformar o Brasil em um dos principais fornecedores globais de “energia verde”.

Mas para que essa visão se torne realidade, serão necessárias políticas públicas robustas. A indústria demanda marcos regulatórios claros, segurança para investimentos, incentivos ao desenvolvimento de tecnologias de geração, armazenamento e transporte de energia — especialmente aquelas ligadas ao hidrogênio verde. A formação de engenheiros e técnicos especializados e a modernização da infraestrutura de transmissão são vistos como elementos decisivos para garantir que o país consiga materializar seu potencial.

Para além da retórica, as empresas já começam a dar sinais práticos de mudança. A Gerdau, por exemplo, participa de iniciativas de eficiência energética, modernização de processos e busca reduzir a pegada de carbono de sua produção. A mobilização da ABM e de outras entidades técnicas também demonstra que há mobilidade no setor — e que as discussões sobre sustentabilidade, inovação e competitividade já fazem parte da agenda da siderurgia nacional.

Mais do que uma demanda ambiental, a transição energética no setor de metais e siderurgia aparece como uma oportunidade histórica para reposicionar o Brasil no mapa global da energia. Se conseguir construir uma estratégia coerente — unindo recursos naturais, tecnologia, capital e políticas públicas — o país pode não apenas reduzir suas emissões, mas também exportar energia limpa, gerar valor agregado e consolidar uma base industrial mais moderna, competitiva e sustentável. Nesse sentido, a transição energética não é apenas um desafio ambiental, mas uma encruzilhada estratégica para a economia, a indústria e o futuro do Brasil.

Pará e CI fecham pacto para ampliar restauração e bioeconomia

O Pará anunciou, durante a COP30, um movimento que pretende reposicionar o estado como referência global em restauração ecológica e bioeconomia. Em parceria com a Conservação Internacional, o governo estadual formalizou um acordo que une ciência aplicada, planejamento público e investimentos sociais para acelerar a restauração de paisagens, fortalecer cadeias da bioeconomia e aprimorar sistemas de monitoramento ambiental. A iniciativa, celebrada como estratégia estruturante de Soluções Baseadas na Natureza, busca responder simultaneamente à crise climática e à perda acelerada de biodiversidade.

O acordo foi firmado entre a Secretaria de Meio Ambiente, Clima e Sustentabilidade do Pará (Semas) e a Conservação Internacional (CI-Brasil).

A cooperação tem como norte o Plano de Restauração da Vegetação Nativa do Pará (PRVN-PA), que prevê restaurar 5,6 milhões de hectares até 2030. É um desafio de escala continental, que exige superar gargalos históricos — especialmente a baixa disponibilidade de sementes e mudas, a estrutura limitada de viveiros e a falta de redes profissionais capazes de operar a restauração em grande escala. A parceria surge, portanto, como tentativa de reorganizar o setor e criar uma verdadeira economia da restauração no estado.

Do ponto de vista econômico e territorial, o acordo representa mais que uma cooperação técnica. Ele busca gerar previsibilidade, qualificação e escala, conectando políticas públicas, centros de pesquisa, comunidades locais e parceiros internacionais. A ambição é transformar a restauração em vetor econômico, capaz de criar renda e ampliar oportunidades em territórios tradicionalmente marcados pela vulnerabilidade social e ambiental.

Maurício Bianco, vice-presidente da CI-Brasil, destacou que a parceria é exemplo de como os compromissos climáticos só produzem impacto quando resultam em ação concreta. Para ele, Soluções Baseadas na Natureza deixam de ser apenas formulações teóricas quando diferentes setores aprendem a colaborar, compartilhando metas e formas de execução.

Já Raul Protázio Romão, secretário da Semas, reforçou que o acordo amplia a capacidade do Pará de atuar simultaneamente em duas frentes: restaurar vegetação nativa e estruturar cadeias produtivas ligadas à floresta. Para o gestor, a restauração precisa ser entendida como política social, econômica e ambiental integrada — capaz de gerar emprego, renda e inclusão para quem vive da floresta.

Entre as frentes práticas, a parceria inclui a formação de agentes da restauração — desde viveiristas e coletores de sementes até técnicos e implementadores de sistemas agroflorestais. A intenção é consolidar redes locais e profissionalizar cadeias produtivas, fortalecendo a bioeconomia florestal. Também estão previstas ações para ampliar a oferta de insumos, melhorar a logística de abastecimento e desenvolver metodologias unificadas de monitoramento ecológico, socioeconômico e de governança.

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Foto: Conservação Internacional / Inae Brandão

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Vários programas estruturantes da CI-Brasil já em operação no Pará servirão como base da nova cooperação. Entre eles:

– Restaura Amazônia – Macrorregião 3, que investe R$ 170 milhões para restaurar 5 mil hectares no Pará e no Maranhão até 2031, atuando em Unidades de Conservação, Terras Indígenas e propriedades rurais de pequeno porte.

– Floresta para o Bem-Estar, com R$ 29,5 milhões destinados à restauração de mais de mil hectares até 2027, integrando capacitação técnica e fortalecimento da cadeia de restauração.

– Restauração Produtiva no Centro de Endemismo Belém, que destina R$ 17 milhões para sistemas agroflorestais em Tomé-Açu, com monitoramento ecológico e socioeconômico integrado.

– Cadeias de Valor Sustentáveis, programa exclusivo para o Pará, que apoia viveiros, redes de sementes e negócios da restauração e desenvolveu o Mini Guia do RENASEM, lançado também na COP30.

A assinatura simbólica do acordo ocorreu no painel Cooperação para a Restauração no Pará, no Pavilhão do Pará, reunindo atores centrais da agenda de restauração no estado. Entre os participantes estavam representantes da The Nature Conservancy Brasil, da Aliança pela Restauração da Amazônia, da WRI Brasil e especialistas da CI-Brasil.

O debate reforçou que só uma articulação multissetorial — envolvendo ciência, políticas públicas, comunidades, investidores e organizações internacionais — é capaz de transformar compromissos em escala real de execução. O Pará aposta nessa convergência para consolidar uma governança robusta da restauração.

A Conservação Internacional, fundada em 1987, atua em mais de 30 países e opera no Brasil desde 1990, conectando pesquisas científicas, formulação de políticas e parcerias sociais para proteger ecossistemas essenciais. Já a Semas é o órgão estadual responsável pela política ambiental do Pará, atuando em licenciamento, fiscalização, conservação, monitoramento e promoção do desenvolvimento sustentável.

Ao unir forças, as duas instituições tentam inaugurar uma nova fase para a restauração ecológica no Pará — uma fase em que a floresta em pé deixa de ser apenas discurso e se torna eixo estruturante de desenvolvimento, geração de renda e resposta climática.

COP30 inclui afrodescendentes em documentos pela primeira vez

A COP30, encerrada em Belém, marcou um ponto de inflexão na diplomacia global do clima ao incluir, pela primeira vez na história das conferências climáticas, menções explícitas a populações afrodescendentes nos documentos oficiais da Convenção-Quadro das Nações Unidas sobre Mudança do Clima. Essa novidade, celebrada por movimentos sociais e por integrantes do governo brasileiro, sinaliza uma mudança conceitual importante: a crise climática deixa de ser tratada apenas como um fenômeno físico e econômico para ganhar contornos mais amplos, que envolvem justiça racial, desigualdade histórica e impactos diferenciados entre grupos sociais.

Quatro documentos aprovados em Belém trazem essa inclusão inédita: Transição Justa, Plano de Ação de Gênero, Objetivo Global de Adaptação e o Mutirão. Cada um deles, em sua própria natureza, insere pessoas de ascendência africana no centro das discussões sobre vulnerabilidade, participação política e direitos humanos no enfrentamento da emergência climática.

Essa mudança ocorre poucos dias após o feriado brasileiro da Consciência Negra, reforçando a conexão entre debates climáticos e reivindicações históricas por igualdade racial. A coincidência não passou despercebida entre lideranças que atuaram em Belém e que pressionaram por uma abordagem mais ampla, capaz de reconhecer como o racismo molda a exposição ao risco ambiental, define quem mora em áreas mais vulneráveis e determina quais comunidades têm menos acesso a recursos e infraestrutura.

No documento sobre Transição Energética, a UNFCCC detalha que a transição para economias menos poluentes só será justa se envolver trabalhadores formais e informais, comunidades vulneráveis, povos indígenas, migrantes e deslocados internos, pessoas com deficiência, crianças, jovens, idosos, mulheres e, pela primeira vez, pessoas de ascendência africana. O texto reforça que qualquer trajetória de descarbonização deve ser acompanhada da proteção dos direitos humanos desses grupos.

O Objetivo Global de Adaptação, uma das trilhas mais sensíveis da COP30, também destaca a contribuição das populações afrodescendentes na construção de respostas à crise climática. Segundo o documento, o planejamento climático deve integrar debates sobre gênero, equidade intergeracional, justiça social e processos totalmente transparentes. A mensagem é clara: adaptação não é apenas infraestrutura, mas também participação política e reconhecimento dos diferentes saberes que moldam a convivência com eventos extremos.

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RAFA NEDDERMEYER/COP30 BRASIL AMAZÔNIA/PR

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No Plano de Ação de Gênero, a menção às mulheres e meninas de ascendência africana destaca a sobreposição de desigualdades vividas por esse grupo. É um reconhecimento de que a crise climática amplia riscos já existentes e reitera padrões de exclusão histórica.

O Mutirão, conceito criado pela presidência brasileira da COP30 como uma forma de mobilização contínua antes, durante e após a conferência, também inclui afrodescendentes entre os grupos essenciais para o avanço do Acordo de Paris. Ali, povos indígenas, mulheres, jovens, crianças, migrantes e comunidades locais são descritos como atores fundamentais para o progresso coletivo.

Dentro do governo brasileiro, a reação mais contundente veio do Ministério da Igualdade Racial, liderado por Anielle Franco. Para ela, o reconhecimento nas negociações internacionais valida uma denúncia antiga: pessoas afrodescendentes estão entre as mais afetadas pela crise climática. Ao mesmo tempo, a ministra reforça que a menção, embora histórica, precisa ser acompanhada de políticas concretas que dialoguem com realidades urbanas como periferias, morros e áreas marcadas pelo racismo ambiental.

A pressão da sociedade civil foi determinante. Entre os grupos que atuaram diretamente nas articulações, destacou-se o Geledés – Instituto da Mulher Negra, uma das principais organizações de defesa dos direitos da população negra no Brasil. Para o Geledés, reconhecer afrodescendentes nos documentos da COP não é um gesto simbólico nem protocolar. Trata-se de um marco que abre espaço para exigir políticas de adaptação com foco nos territórios historicamente negligenciados.

Em nota, a organização afirma que populações afrodescendentes na diáspora global são duplamente impactadas: enfrentam os efeitos da crise climática e, ao mesmo tempo, lideram práticas de resiliência baseadas em tradições e experiências comunitárias. O instituto avalia que a menção pode fortalecer a luta por recursos, capacitação e ações urgentes, sobretudo em áreas que já convivem com enchentes, deslizamentos, ilhas de calor e outras expressões do aquecimento global.

Esse avanço também ecoa decisões anteriores. A COP16 da Convenção sobre Diversidade Biológica, realizada em Cali, na Colômbia, havia reconhecido a importância de povos indígenas, quilombolas e comunidades tradicionais nas políticas de conservação. O movimento observado em Belém, portanto, não surge do nada: ele consolida um novo capítulo na diplomacia ambiental, que finalmente aproxima debates climáticos das discussões sobre desigualdade racial.

A inclusão inédita mostra que a agenda climática está se transformando. Não basta buscar metas de redução de emissões; é preciso enfrentar as desigualdades que ampliam vulnerabilidades e, ao mesmo tempo, reconhecer a contribuição de grupos historicamente invisibilizados para a construção de um futuro mais justo e resiliente.