Brasil debate futuro dos ecossistemas campestres em seminário nacional

O Brasil abriga alguns dos mais vastos e complexos mosaicos de ecossistemas campestres do planeta. Embora muitas vezes ofuscados pela exuberância das florestas tropicais, esses ambientes abertos desempenham um papel silencioso, porém decisivo, na manutenção da biodiversidade, na regulação do clima e na segurança hídrica nacional. É justamente para reposicionar esses ecossistemas no centro da agenda ambiental que o Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (Ibama) promoverá, nos dias 25 e 26 de novembro, o Seminário Nacional Uso Sustentável das Formações Campestres no Brasil, na sede da Universidade Federal de Mato Grosso do Sul (UFMS), em Campo Grande.

A iniciativa, organizada pela Diretoria de Biodiversidade e Florestas (DBFlo) do Ibama em parceria com a Superintendência do órgão no Mato Grosso do Sul, reunirá gestores públicos, pesquisadores, especialistas e servidores do Sistema Nacional do Meio Ambiente (Sisnama). O propósito é ambicioso: construir um campo comum de reflexão e ação sobre o uso histórico e sustentável das formações campestres, reconhecendo sua diversidade ecológica e o profundo vínculo sociocultural que comunidades tradicionais mantêm com esses territórios.

Ao longo de dois dias, o seminário proporá uma mirada mais ampla sobre os campos nativos brasileiros. O debate não se restringirá às características ecológicas desses ambientes, mas buscará compreender como práticas de manejo – algumas ancestrais, outras recentes – moldaram suas paisagens. Pastoreio, queimadas controladas, agricultura de subsistência, expansão urbana e políticas de conservação têm deixado marcas profundas nesses ecossistemas. Parte da missão do encontro é decifrar esse histórico para projetar um futuro que combine proteção, sustentabilidade e desenvolvimento.

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Divulgação – Ibama

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Uma das frentes mais sensíveis da programação será a análise dos impactos humanos sobre as formações campestres, que ao longo das décadas foram frequentemente tratadas como áreas de menor valor ambiental. Esse entendimento estreito resultou em degradação, conversão acelerada para usos agropecuários e perda de biodiversidade. Hoje, a ciência reconhece que os campos são parte vital dos ciclos hidrológicos, abrigam espécies endêmicas e sustentam corredores ecológicos indispensáveis para a fauna. O seminário, nesse sentido, busca resgatar a centralidade desses ambientes dentro da política ambiental brasileira.

Além da discussão conceitual e científica, o encontro também terá forte caráter formativo. Uma das metas é fortalecer a capacitação de servidores do Ibama, que atuam diretamente na gestão territorial e na fiscalização ambiental. A atualização técnica abrangerá temas emergentes, como o papel dos campos no contexto das mudanças climáticas, métodos contemporâneos de manejo sustentável e novas abordagens para conciliar conservação e produção.

Outro eixo estratégico será a produção de documentos técnicos que irão subsidiar o Ministério do Meio Ambiente e Mudança do Clima (MMA) na formulação de políticas públicas voltadas às formações campestres. O esforço inclui consolidar diretrizes sobre reconhecimento e valorização do uso tradicional da vegetação nativa, ampliando a proteção de práticas culturais que mantiveram esses ecossistemas vivos por séculos. A coleta de evidências, a atualização científica e o diálogo interinstitucional devem resultar em instrumentos que orientem ações federais no médio e longo prazo.

O Ibama também aposta na participação ampliada. O evento será gratuito e transmitido integralmente pelo canal oficial do órgão no YouTube, considerado uma ferramenta essencial para difundir conhecimento e atingir pesquisadores, estudantes e gestores de todo o país. Quem desejar acompanhar presencialmente poderá se inscrever por meio dos contatos disponibilizados pela organização.

A relevância do seminário vai além dos dias de programação. Em um momento em que o debate ambiental se intensifica, entender a complexidade dos campos brasileiros torna-se fundamental. Eles não apenas expressam a diversidade ecológica do país, mas traduzem modos de vida, saberes tradicionais e funções ambientais cruciais. Ao promover o encontro em Mato Grosso do Sul — estado marcado por extensas áreas campestres —, o Ibama sinaliza uma agenda de fortalecimento territorial e de valorização de paisagens frequentemente negligenciadas.

O seminário se coloca, portanto, como uma plataforma estratégica. Ele sistematiza conhecimento, amplia diálogos, fortalece políticas e reafirma que a conservação das formações campestres é inseparável da preservação do patrimônio natural brasileiro. É um gesto de retomada e de afirmação: reconhecer que esses ambientes abertos, ao contrário de espaços vazios, são sistemas vivos, dinâmicos e indispensáveis para o futuro do país.

Turquia e Austrália selam acordo raro para dividir a COP31

A confirmação de que a Turquia e a Austrália dividirão a condução da COP31 encerrou um impasse diplomático que se prolongava há meses e ameaçava comprometer o cronograma das negociações climáticas globais. O anúncio, oficializado durante a COP30 realizada no Brasil, foi acompanhado de um documento divulgado pela Alemanha após reunião do Grupo da Europa Ocidental e Outros, bloco responsável por indicar o país-sede da conferência de 2026.

Mais do que uma decisão logística, o acordo simboliza um raro exercício de concessão mútua em um campo frequentemente marcado por disputas silenciosas de prestígio internacional. De um lado, a Turquia buscava reforçar seu papel geopolítico ao sediar a conferência; de outro, a Austrália reivindicava protagonismo na condução das negociações, especialmente em um momento em que países da Oceania têm pressionado por maior ambição climática diante do avanço do nível do mar e de eventos extremos.

O compromisso final estabeleceu que a Turquia sediará o encontro físico, enquanto a Austrália comandará o processo negociador — uma espécie de compartilhamento de poder que, embora incomum, reflete a complexidade de diálogo entre países com interesses ambientais, econômicos e diplomáticos distintos. O documento também determina que eventuais divergências entre as duas nações deverão ser solucionadas por meio de consultas diretas, até que ambas alcancem uma posição comum. A cláusula reforça a percepção de que a parceria exigirá habilidade política e comunicação constante para evitar que tensões pontuais ultrapassem a esfera administrativa.

A preparação para a COP31 incluirá ainda uma pré-COP realizada em um país das Ilhas do Pacífico, região profundamente afetada pela crise climática e cuja atuação diplomática tem crescido à medida que a urgência ambiental se traduz em risco existencial. Para muitos observadores, essa etapa preliminar representa uma oportunidade para recolocar pequenas ilhas no centro da formulação da agenda climática global, não apenas como vítimas das consequências do aquecimento, mas como vozes estratégicas na construção de soluções.

Embora a resolução do impasse tenha sido celebrada entre negociadores, seu significado vai além. A divisão da sede revela um cenário em que a política climática se mistura às dinâmicas de influência regional. A Turquia, ao receber presencialmente a conferência, amplia sua visibilidade internacional em um momento de reposicionamento geopolítico. A Austrália, por sua vez, assume o controle das trilhas negociais justamente quando tenta reconstruir sua imagem climática depois de anos de críticas a governos anteriores considerados pouco ambiciosos.

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BRUNO PERES/AGÊNCIA BRASIL

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O acordo também evidencia a dificuldade crescente de acomodar interesses de países em um sistema multilateral pressionado por urgências científicas e tensões geoestratégicas. A necessidade de uma solução compartilhada mostra que, mesmo entre aliados tradicionais, o consenso sobre quem lidera e quem hospeda uma COP tornou-se mais complexo, refletindo o valor simbólico e político associado às conferências climáticas.

A participação da Alemanha na divulgação do acordo, por meio de seu papel histórico nas negociações internacionais, reforça o esforço para garantir estabilidade institucional ao processo. O Grupo da Europa Ocidental e Outros, que inclui países de diferentes perfis econômicos e políticos, também buscava uma saída que evitasse atrasos prejudiciais à sequência de metas definidas no Acordo de Paris.

Com a COP31 confirmada sob esse arranjo híbrido, o próximo ano deverá ser marcado por uma intensa coordenação entre Ancara e Canberra. A Austrália assumirá a responsabilidade de moldar o roteiro político da conferência — desde a definição de prioridades até a construção de consensos — enquanto a Turquia prepara a estrutura física e diplomática para receber delegações do mundo inteiro.

O modelo compartilhado pode ser interpretado tanto como um sinal de maturidade diplomática quanto como uma solução pragmática diante do risco de paralisação. Se funcionará plenamente, dependerá do grau de cooperação que as duas nações conseguirão sustentar. Mas, por ora, o entendimento permite que as negociações climáticas avancem sem o fantasma de uma indefinição que poderia fragilizar ainda mais o processo multilateral em um momento decisivo para o planeta.

Resgate histórico devolve onça-pintada ao coração da Amazônia

A operação que devolveu à natureza a onça-pintada encontrada exausta no meio do Rio Negro, em outubro, entrou para a história da conservação da fauna amazônica. Mais do que um resgate bem-sucedido, o processo – que envolveu 40 dias de cuidados intensivos e uma complexa logística de transporte aéreo e fluvial – representa a primeira reintrodução completa de um indivíduo da espécie Panthera onca na Amazônia após reabilitação plena. Conduzida pelo Governo do Amazonas por meio da Secretaria de Estado de Proteção Animal (Sepet-AM), a ação mobilizou profissionais, tecnologia e cooperação institucional raramente vistas na região.

O caso começou quando ribeirinhos avistaram a onça tentando cruzar o Rio Negro, entre Iranduba e Manaus, após ser atingida por disparos de chumbinho. Confusa e debilitada, a fêmea teria pouco tempo de vida caso não fosse resgatada. A intervenção contou com a ajuda da Companhia Ambiental Fluvial do Batalhão de Policiamento Ambiental (BPAmb) da Polícia Militar do Amazonas, que retirou o animal da água e garantiu seu transporte emergencial. Durante a avaliação inicial, descobriu-se que 36 estilhaços estavam alojados no rosto do felino — um quadro crítico que exigiu atendimento veterinário imediato.

Com autorização do Instituto de Proteção Ambiental do Amazonas (Ipaam), a onça foi encaminhada ao antigo zoológico do Tropical Hotel, em Manaus, onde ficou sob responsabilidade do biólogo Nonato Amaral. Ali começou a etapa mais sensível: a reabilitação física e comportamental, crucial para que o animal retomasse habilidades de caça, vigilância e mobilidade. Cada passo era monitorado de perto, já que qualquer sinal de dependência humana poderia inviabilizar sua devolução ao habitat natural.

Quando os especialistas confirmaram que o felino recuperara força e instintos, a Sepet-AM iniciou os preparativos para a operação de soltura. O planejamento envolveu autoridades ambientais, equipes técnicas e pesquisadores, incluindo profissionais do Laboratório de Internações de Fauna e Floresta (Laiff) da Universidade Federal do Amazonas (Ufam), coordenados pelo biólogo e professor Rogério Fonseca. A logística combinou transporte aéreo e aquático: a onça viajou de helicóptero do Departamento Integrado de Operações Aéreas (DioA) da Secretaria de Segurança Pública do Amazonas (SSP) até uma comunidade de Novo Airão, e de lá seguiu em embarcação disponibilizada pela Secretaria de Estado do Meio Ambiente (Sema), rumo a uma área de floresta densa, distante de núcleos urbanos.

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Foto: Joedi Porto e Antonio Humberto/Sepet.

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A operação exigiu que veterinários, biólogos e técnicos permanecessem acampados na mata, garantindo total segurança na liberação. Antes da soltura, a onça recebeu uma coleira de radiomonitoramento com GPS, cedida pelo Instituto Onça-Pintada (IOP), organização sediada em Goiás e referência no estudo do maior felino das Américas. O equipamento permitirá acompanhar os deslocamentos da onça por até três anos. Para pesquisadores amazônicos, esses dados serão valiosos para compreender padrões de território, riscos de conflito e eventuais necessidades de intervenção.

Para Joana Darc, secretária da Sepet-AM, o retorno do animal ao ambiente natural simboliza mais do que a conclusão de um protocolo técnico. Representa um acerto de contas da sociedade com a própria floresta. Ela argumenta que a expansão humana sobre áreas naturais aumenta os conflitos com a fauna e, por isso, devolver a onça à mata é um gesto de responsabilidade institucional e ética.

O local escolhido para a soltura foi determinado por critérios estritamente científicos: abundância de presas, baixa pressão humana e conectividade com corredores ecológicos. Ao ser liberada, a onça avançou para a mata com firmeza e cautela, comportamento típico de indivíduos saudáveis e aptos.

O caso reacende debates sobre o papel das políticas públicas de fauna no Brasil. Operações como essa, que unem tecnologia, ciência e coordenação interinstitucional, demonstram que a reintrodução de grandes predadores é possível quando há investimento consistente e parcerias atuantes. Também expõe a urgência de enfrentar a violência contra a fauna, já que o ataque sofrido pela onça é um exemplo extremo, mas recorrente na Amazônia.

O resgate, a reabilitação e a soltura revelam uma Amazônia que ainda pulsa com grandes felinos, mas dependente da ação firme do Estado para que eles continuem desempenhando seu papel ecológico. A operação de 24 horas não salvou apenas uma vida individual: reforçou a ideia de que preservar a onça-pintada é preservar a própria integridade da floresta.

Agroflorestas ganham força como resposta à crise climática

A ideia de que florestas produtivas podem coexistir com lavouras deixou de ser apenas um ideal de ambientalistas para tornar-se uma estratégia concreta diante das mudanças climáticas. Em diversos territórios do Brasil e do mundo, ganha força um modelo de uso da terra que combina cultivos agrícolas e vegetação nativa, permitindo que milho cresça sob a copa de uma castanheira e que áreas degradadas se tornem viveiros de biodiversidade. Esse modelo é conhecido como agrofloresta e tem sido apresentado por especialistas como um dos caminhos mais eficientes para enfrentar o aquecimento global.

Ao contrário de sistemas baseados em monocultivos e no uso intensivo de agrotóxicos, a agrofloresta parte da própria lógica da natureza. A coexistência de plantas de porte variado, raízes profundas, sombreamento natural e reciclagem de nutrientes cria um ambiente no qual o solo se recupera, a água circula com mais eficiência e a emissão de dióxido de carbono diminui. Quanto mais árvores vivas, maior a capacidade de absorção de carbono e menor a concentração de gases que intensificam o efeito estufa.

Em entrevista ao podcast S.O.S! Terra Chamando!, Moisés Savian, engenheiro agrônomo e secretário do Ministério do Desenvolvimento Agrário, disponível no site do próprio Ministério do Desenvolvimento Agrário, explica que a agrofloresta responde simultaneamente a duas frentes centrais da crise climática: mitigação e adaptação. Ele cita o exemplo de um pasto degradado que, ao ser convertido em agrofloresta, passa a estocar carbono. E lembra também que lavouras associadas a árvores são mais resistentes às estiagens, pois se beneficiam da umidade retida pelas raízes profundas e do microclima criado pela sombra.

Essa visão integrada, segundo Savian, não se limita ao aspecto ambiental. Ela articula produção de alimentos, geração de renda, fortalecimento comunitário e combate à fome. Foi por isso que o tema ganhou destaque nas discussões da COP30, realizada em Belém, onde pesquisadores e lideranças apontaram as florestas produtivas como parte fundamental da agenda climática brasileira.

Entre esses especialistas está o climatologista Carlos Nobre, referência internacional nos estudos sobre Amazônia. Em conversa recente para o mesmo podcast, ele lembrou que povos indígenas desenvolveram sistemas agroecológicos complexos milhares de anos antes da ciência moderna estudá-los. Os mais de dois mil produtos da biodiversidade usados tradicionalmente exemplificam a convivência harmoniosa entre agricultura e floresta, um conhecimento ancestral que ainda sustenta muitas comunidades amazônicas.

Essa sabedoria também tem inspirado iniciativas contemporâneas, como o programa de cooperação entre Botuporã, na Bahia, e pequenas comunidades da Alsácia do Norte, na França. O projeto, iniciado em 2021, articula agricultores, estudantes e voluntários dos dois países em torno da difusão de práticas agroecológicas. A prefeitura de Eschbach, liderada por Hervé Tritschberger, idealizou a parceria em diálogo com a gestão municipal baiana, reconhecendo que desafios agrícolas distintos podem ser enfrentados com objetivos comuns.

O jovem Yago Fagundes, estudante de Direito, foi um dos participantes dessa troca. Ele viveu uma imersão em território francês, conhecendo propriedades certificadas como orgânicas e participando da produção tradicional do queijo Tomme de Vache. De volta ao Brasil, ajuda a aplicar os aprendizados em ações comunitárias, oficinas e projetos escolares. Segundo ele, a agroecologia fortalece laços internacionais e constrói uma rede de solidariedade capaz de transformar solos pobres em sumidouros de carbono. Em contrapartida, voluntárias francesas passaram meses em Botuporã aprendendo técnicas de agricultura orgânica brasileira, demonstrando que a troca é bilateral.

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Yago Fagundes/Divulgação

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A experiência resultou em um livro público, apresentado no Festival Nosso Futuro, em Salvador, e que consolida as principais reflexões e aprendizados do programa. Para o prefeito francês, a troca é também uma oportunidade de repensar contradições presentes no modelo europeu: países que rejeitam agrotóxicos em sua produção interna, mas consomem alimentos importados cultivados com químicos.

As histórias de transformação não estão apenas em programas internacionais. No Rio de Janeiro, o jornalista socioambiental William Torres cultiva verduras e leguminosas no quintal de casa e vê nisso um gesto político e afetivo. Ele conta que sua primeira referência em agroecologia veio do quintal das avós, muito antes de conhecer o termo. Para ele, práticas sustentáveis incluem não apenas o cultivo sem venenos, mas também a valorização do território, das memórias familiares e da relação íntima com a natureza. Sua visão destaca que cada gesto que rompe com a lógica extrativista do agronegócio é um ato de resistência.

O próprio governo brasileiro vem usando a COP30 para apresentar ao mundo sua agenda de florestas produtivas. Savian, representando o Ministério do Desenvolvimento Agrário, ressalta que o país tem milhões de hectares de áreas degradadas e pastagens subutilizadas com enorme potencial para serem convertidas em sistemas agroflorestais. O futuro, segundo ele, passa por incentivar agricultura de baixo carbono, diversa e resiliente, com apoio de crédito rural e participação ativa de consumidores e redes de varejo. Ele cita como exemplo iniciativas que já trabalham com prateleiras dedicadas a produtos da floresta e adotam pagamento antecipado aos agricultores, reduzindo a vulnerabilidade financeira de pequenos produtores.

Para Savian, a transição para a Floresta em Pé é gradual, mas vital. Ele compara o processo a um remédio homeopático: doses pequenas, contínuas e transformadoras. Combinada ao combate ao desmatamento, à restauração florestal e à pecuária sustentável, a agrofloresta oferece um caminho possível para enfrentar a crise ambiental global.

Primeiro líquen fóssil revela origem dos solos terrestres

Ao revisitar um fóssil encontrado em uma pedreira de Rio Verde de Mato Grosso, pesquisadores brasileiros e internacionais conseguiram iluminar um capítulo extremamente antigo da história da vida terrestre. O que parecia ser apenas mais um fragmento da paisagem fóssil revelou, após quatro anos de investigação, o que hoje é considerado o primeiro líquen conhecido no registro geológico: o Spongiophyton, organismo que viveu há cerca de 410 milhões de anos e pode ter desempenhado papel essencial na formação dos primeiros solos e na consolidação dos ecossistemas terrestres.

O estudo, publicado como capa da revista Science Advances, envolveu cientistas de 19 instituições e contou com participação da Universidade de São Paulo (USP), do Centro Nacional de Pesquisa em Energia e Materiais (CNPEM) e apoio da FAPESP. A descoberta também lança nova luz sobre a capacidade dos liquens — organismos simbióticos formados por fungos e algas — de remodelar paisagens e desempenhar funções ecológicas profundamente transformadoras.

A investigação começou com uma pergunta antiga e ainda sem resposta: afinal, que tipo de organismo era o Spongiophyton, recorrente no registro fóssil do período Devoniano? Por décadas, paleontólogos divergiram se se tratava de uma planta, de um fungo solitário ou de um líquen ancestral. Foi preciso combinar tecnologias de ponta disponíveis no Sirius, a fonte de luz síncrotron de última geração operada pelo Laboratório Nacional de Luz Síncrotron (LNLS), com métodos tradicionais da paleontologia para finalmente resolver o enigma.

Bruno Becker-Kerber, primeiro autor do estudo e pesquisador formado no Instituto de Geociências da USP e no CNPEM, conta que as linhas de luz do Sirius permitiram explorar o fóssil em escalas micrométricas e nanométricas. Em uma dessas técnicas, alcançou-se resolução de 170 nanômetros — nível suficiente para identificar redes de hifas, células de algas e possíveis estruturas reprodutivas, exatamente os elementos que caracterizam um líquen moderno.

Essas imagens em três dimensões, complementadas por análises químicas, revelaram um forte sinal de nitrogênio — típico de organismos ricos em quitina, o principal componente estrutural dos fungos e também das cascas de insetos. Em plantas, por outro lado, o elemento predominante seria a celulose, sem esse padrão químico. A presença adicional de micropartículas de cálcio semelhantes às produzidas por liquens atuais como proteção solar reforçou a conclusão.

Jochen Brocks, da Universidade Nacional da Austrália, um dos coautores, afirmou que raramente se obtém uma evidência tão robusta e direta para caracterizar um organismo tão antigo. Sob múltiplas linhas de análise, o Spongiophyton revelou-se não apenas um líquen, mas possivelmente a primeira linhagem desse grupo a colonizar superfícies terrestres.

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foto: Bruno Becker-Kerber

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Nathaly Archilha, pesquisadora do LNLS, explicou que os resultados só foram possíveis graças ao uso conjunto de tecnologias experimentais complementares. As medições em macroescala guiaram a equipe para as regiões-chave do fóssil, enquanto as análises em nanoscala permitiram identificar estruturas que, até então, estavam além das possibilidades técnicas de estudos anteriores.

Mas a história dessa descoberta também é profundamente humana. Foi o pai de Becker-Kerber, Gilmar Kerber — entusiasta da paleontologia e hoje pesquisador na Universidade Federal de Mato Grosso do Sul (UFMS) e aposentado do Ibama — quem encontrou o fragmento fossilizado ao partir uma rocha em campo. A cena, comum em viagens que pai e filho realizam há anos, acabou abrindo janela para um passado remoto no qual os continentes ainda formavam o supercontinente Gondwana.

A região onde o fóssil foi descoberto corresponde, segundo o estudo, a zonas frias do antigo Gondwana. A evidência sugere que os primeiros liquens não ocupavam apenas nichos marginais, como se acreditava, mas eram pioneiros ecológicos com papel decisivo na transição da vida da água para a terra. Dissolvendo rochas, retendo umidade e produzindo biomassa, esses organismos ajudaram a formar solos primitivos — base indispensável para o surgimento de vegetação complexa, florestas e campos.

Becker-Kerber resume o impacto da descoberta ao lembrar que liquens modernos continuam alterando substratos rochosos, contribuindo para ciclos ecológicos vitais. Se hoje esses organismos são fundamentais na formação de habitats, sua importância teria sido ainda maior há 410 milhões de anos, momento em que os ecossistemas terrestres davam seus primeiros passos.

O estudo, portanto, não apenas redefine o lugar do Spongiophyton na árvore da vida, mas oferece pistas sobre como a Terra se tornou habitável para a diversidade biológica que hoje conhecemos. Cada camada analisada do fóssil é também uma camada da história do planeta — e o líquen ancestral agora reconhecido ajudou a escrever um dos seus capítulos mais fundamentais.

Navio de cruzeiro se transforma em hotel da COP30 em Belém

Desde o início de novembro, o navio Costa Diadema, uma imponente embarcação da Costa Cruzeiros, ancorou no recém-reformado Porto de Outeiro, em Belém (PA), e transformou-se em um hotel flutuante para a 30ª Conferência das Nações Unidas sobre Mudança do Clima (COP30). Mais do que uma simples acomodação para delegados, o navio virou palco de uma iniciativa inédita: a primeira visita técnica de agentes de viagem locais a bordo.

Na manhã de 20 de novembro, agentes de viagens da capital paraense embarcaram no Diadema com olhos curiosos e expectativas altas. Eles foram recebidos por executivos de peso, como Dario Rustico, presidente executivo da Costa Cruzeiros para as Américas, e Marco Ferraz, presidente executivo da CLIA Brasil. Esses líderes trouxeram boas-vindas calorosas, destacando não apenas a grandiosidade da armação, mas também a estratégia de conectar mais intensamente a operadora aos agentes locais. A visita tinha um tom simbólico e prático ao mesmo tempo: permitir que os vendedores de viagens conhecessem por dentro o que será oferecido a hóspedes durante a conferência — e fomentar uma visão de longo prazo para cruzeiros na região Norte.

Durante a visita guiada, os agentes exploraram os amplos espaços comuns do navio: subiram ao teatro, caminharam pela promenade externa, visitaram os restaurantes e bares, testemunharam as piscinas e jacuzzis, entraram no spa e checaram os ambientes destinados a crianças e adolescentes. Também conheceram as diferentes categorias de cabines, desde as mais simples até as suítes de luxo. No meio desse tour, a Costa ofereceu um almoço com um menu que misturava sabores da culinária italiana e internacional — uma pequena amostra do serviço sofisticado que espera os hóspedes.

Mais do que entretenimento, a visita técnica permitiu aos agentes entender como o navio está funcionando como parte da estratégia de hospedagem da COP30: o Diadema funciona como um hotel temporário para milhares de participantes. Esse papel é reforçado pela presença de pacotes especiais, desenvolvidos especificamente para a conferência, como os pacotes “Air & Sea” e as experiências chamadas “Sea Destinations”, que combinam a estadia a bordo com roteiros em terra.

Outro momento marcante foi a cerimônia de troca de placas oficializando a estreia do Costa Diadema em Belém. Estavam presentes autoridades como o comandante do navio, Ignazio Giardina, Dario Rustico e Renê Hermann — presidente institucional da Costa Cruzeiros no Brasil —, além de representantes da Companhia Docas do Pará (CDP), da Secretaria Extraordinária da COP30, da Secretaria de Meio Ambiente, Clima e Sustentabilidade do Pará, da Polícia Federal e da Anvisa. A troca de placas simboliza não apenas uma visita protocolar, mas o reconhecimento institucional de que Belém, via Porto de Outeiro, se torna rota de cruzeiros internacional.

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Divulgação – Costa Diadema

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Para a Costa Cruzeiros, essa operação tem um significado estratégico: reforçar seu relacionamento com o mercado local, mas também sinalizar confiança no potencial de crescimento da indústria de cruzeiros no Norte do Brasil. Dario Rustico destacou que a região tem uma vocação única e ainda pouco explorada, e que a infraestrutura do Porto de Outeiro — recém-requalificada — é essencial para consolidar esse futuro.

Do lado do poder público, a operação dos navios flutuantes representa mais que uma solução pontual para a COP30. A Companhia Docas do Pará investiu fortemente na modernização do porto, ampliando o píer de 261 para 716 metros em tempo recorde. Segundo a própria CDP, esse investimento foi pensado para deixar um legado sustentável para o turismo e a logística regional, não apenas para a conferência, mas para além dela.

De fato, após a partida dos navios no encerramento da COP, espera-se que o terminal portuário se torne um polo fixo de cruzeiros, contribuindo para um novo capítulo turístico na Amazônia urbana. Segundo a Agência Pará, o evento simbólico da partida dos navios marcou também a consolidação do Porto de Outeiro como rota estratégica para o turismo marítimo e para a conexão da capital paraense com o mundo. O presidente da CDP, Jardel Rodrigues da Silva, declarou que o terminal agora é visto, por comandantes e operadores, como um dos mais adequados no Brasil para receber grandes transatlânticos.

Essa mobilização portuária não surgiu do nada: as obras no terminal eram realizadas desde abril de 2025, em parceria com a Itaipu Binacional, com forte ritmo e engajamento. A construção, complicada e urgente, precisou lidar com as condições desafiadoras da baía, variações de maré, além de reforçar a base do cais para suportar navios de grande calado – tudo isso em poucos meses.

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Divulgação – Costa Diadema

Para muitos agentes locais, a visita não foi apenas técnica, mas também simbólica: ver Belém ganhar projeção internacional por meio de uma rota marítima, sentir na pele a magnitude de um navio de cruzeiro e avaliar os serviços que podem ser comercializados no futuro. É uma oportunidade para ampliar a base instalada de expertise no trade turístico paraense e reforçar a visão de que cruzeiros não são apenas viagens de lazer, mas também parte de projetos maiores de desenvolvimento urbano e sustentável.

Em síntese, a vinda do Costa Diadema para Belém durante a COP30 representa uma confluência entre diplomacia climática, estratégia comercial e desenvolvimento local. A visita técnica para agentes de viagem reforça essa confluência: ao mesmo tempo em que se resolve uma necessidade prática de acomodação para o evento, se planta uma semente para o crescimento do turismo marítimo na Amazônia. E o porto, que antes era apenas ponto logístico, agora surge como porta simbólica — e real — de entrada para a floresta.

COP30 em Belém: O Marco Zero da Implementação Climática

A Conferência do Clima de Belém, a COP30, inscreveu-se na história diplomática não apenas como mais um encontro anual, mas como o marco zero de uma nova era: a fase da implementação. Superado o longo e complexo ciclo de regulamentação do Acordo de Paris, a cúpula na Amazônia brasileira tinha a missão de tirar os compromissos do papel e transformá-los em realidade palpável. A análise trazida pelo Instituto LACLIMA em seu tradicional balanço revela que, se o evento não resolveu todas as equações climáticas globais, ele foi decisivo ao erguer o andaime político necessário para os próximos anos.

Sob a liderança da Presidência brasileira, a conferência inovou ao criar avenidas diplomáticas para temas que, até então, eram sistematicamente contornados nas mesas de negociação. Questões nevrálgicas, como o desenho de roteiros globais para o enfrentamento do desmatamento e a transição para longe dos combustíveis fósseis, ganharam um espaço de debate inédito. Embora a resistência política tenha impedido que esses roteiros fossem integrados às decisões formais finais, a Presidência brasileira garantiu que eles não morressem na praia: serão desenvolvidos como iniciativas políticas cruciais ao longo do próximo ano, mantendo viva a chama da meta de 1,5°C.

No campo das conquistas tangíveis, Belém celebrou a aprovação dos aguardados Indicadores de Belém para a Meta Global de Adaptação, preenchendo uma lacuna histórica desde a criação do GGA e oferecendo métricas para um dos pilares mais urgentes da ação climática. Avanços na agenda de transição justa também foram registrados, sinalizando uma compreensão mais madura sobre os impactos sociais das mudanças necessárias.

O coração político da conferência, no entanto, pulsou na construção da chamada “Decisão Mutirão”. O processo foi um teste de fogo para a diplomacia. O início das tratativas foi marcado por uma polarização intensa. De um lado, blocos como a União Europeia e os pequenos estados insulares pressionavam por um plano de resposta robusto à lacuna de ambição das NDCs para manter o 1,5°C viável. Do outro, países em desenvolvimento insistiam que o verdadeiro gargalo não era a falta de metas, mas a ausência de financiamento previsível e a ameaça de medidas comerciais unilaterais disfarçadas de protecionismo verde.

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Foto: Sergio Moraes/COP30

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A segunda semana de negociações exigiu um esforço intensivo de bastidores, com a Presidência utilizando uma diplomacia itinerante para costurar consensos mínimos. O resultado foi uma arquitetura complexa baseada em três pilares principais. O primeiro instituiu o Acelerador Global de Implementação, um mecanismo cooperativo para dar tração às NDCs e planos nacionais. O segundo criou a “Missão Belém para 1,5°C”, um guarda-chuva político destinado a organizar a ambição e os investimentos até a década crítica de 2035.

O terceiro pilar enfrentou as tensões geoeconômicas. A decisão reafirmou o compromisso com um sistema multilateral de comércio aberto, tentando blindar a pauta climática de guerras comerciais, e mandatou um ciclo de diálogos formais envolvendo a Organização Mundial do Comércio (OMC), a Conferência das Nações Unidas sobre Comércio e Desenvolvimento (UNCTAD) e o International Trade Centre (ITC). No front financeiro, a solução possível foi a criação de um programa de trabalho de dois anos para discutir o financiamento climático, uma resposta parcial às demandas por maior estruturação e qualidade nos repasses de recursos.

Ao final, a COP 30 de Belém consolidou-se como um ponto de inflexão. Não entregou todas as respostas sobre os volumes financeiros necessários nem resolveu o destino imediato dos fósseis no texto oficial, mas estruturou os debates decisivos para o futuro e firmou o compromisso político com a aceleração da implementação. Como ressaltou o Presidente da COP30 após a adoção do texto, o Brasil continuará liderando, à margem das decisões formais, os roteiros cruciais sobre desmatamento e energia, garantindo que o espírito do “Mutirão” continue a mobilizar a humanidade.

Atlas revela mosaico da bioeconomia inclusiva na Amazônia

O mosaico social, econômico e ambiental da Amazônia Legal acaba de ganhar uma leitura abrangente e profundamente territorializada. O Atlas da Bioeconomia Inclusiva na Amazônia, lançado na AgriZone, apresenta um retrato minucioso das 107 microrregiões que compõem essa vasta porção do país. A obra, organizada pela Embrapa com apoio da Secretaria de Bioeconomia do Ministério do Meio Ambiente e Mudança do Clima, reúne mais de 600 páginas de análises, gráficos e interpretações que buscam iluminar caminhos possíveis para uma economia mais diversa, sustentável e conectada às populações amazônicas.

A publicação parte de um entendimento simples, mas decisivo: a Amazônia não é uma entidade homogênea. Cada microrregião é moldada por dinâmicas próprias de povoamento, produção, conservação e relações sociais. Ao sistematizar dados de demografia, estrutura fundiária, atividades agropecuárias, extrativismo, silvicultura e indicadores sociais, o Atlas oferece aos gestores públicos, pesquisadores e lideranças comunitárias um mapa analítico da complexidade amazônica.

O primeiro capítulo apresenta uma visão integrada dos nove estados que compõem a Amazônia Legal, descrevendo o método de coleta, sistematização e interpretação dos dados. A partir daí, o leitor mergulha em um conjunto de análises organizadas por estado, em que o detalhamento territorial se torna a principal ferramenta de leitura do desenvolvimento regional.

Segundo Ana Euler, diretora de Inovação, Negócios e Transferência de Tecnologias da Embrapa, o objetivo central da obra é fortalecer decisões e políticas que impulsionem uma bioeconomia enraizada nas realidades locais. Para ela, esse tipo de conhecimento estruturado contribui para ampliar oportunidades, valorizar a sociobiodiversidade e promover inovação que beneficie comunidades e estimule a transição para modelos mais sustentáveis de geração de renda.

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A coordenação técnica do Atlas ficou a cargo do pesquisador Roberto Porro, da Embrapa Amazônia Oriental. Porro destaca que a escolha por uma abordagem territorial não é apenas metodológica, mas política: só compreendendo as diferenças e singularidades entre as microrregiões é possível elaborar ações que dialoguem com o modo como os amazônidas vivem e produzem. Ele lembra que a Amazônia Legal, como definida pelo IBGE, é um território multifacetado, e por isso a obra busca evitar leituras generalistas que pouco ajudam a orientar intervenções eficazes.

O conteúdo do Atlas nasce de três anos de diagnósticos conduzidos por equipes de nove unidades da Embrapa distribuídas na região Norte e no Maranhão. Esse esforço coletivo permitiu consolidar um plano estratégico focado na bioeconomia inclusiva, orientando o papel da Empresa em um cenário no qual inovação tecnológica, conhecimento tradicional e proteção ambiental precisam operar de forma integrada.

O pano de fundo desse trabalho é a vida de aproximadamente 1,5 milhão de famílias de agricultores familiares, povos originários e comunidades tradicionais que dependem diretamente dos recursos naturais para viver. Porro reforça que a bioeconomia só será inclusiva se estiver ancorada no uso sustentável da biodiversidade, no reconhecimento dos saberes locais e na construção de pontes entre esses conhecimentos e os avanços científicos e tecnológicos. É essa aliança que pode sustentar desenvolvimento, justiça social e bem-viver para os povos da floresta.

Para o coordenador-geral de Desenvolvimento da Bioeconomia do Ministério do Meio Ambiente e Mudança do Clima, William Saab, o Atlas surge no momento exato. Ele se conecta diretamente a duas políticas públicas lançadas durante a COP30, em Belém: o Plano Nacional de Desenvolvimento da Sociobioeconomia e o Programa Prospera Socioebioeconomia. Ambas têm como propósito fortalecer cadeias produtivas sustentáveis e ampliar oportunidades econômicas para os diversos povos amazônicos.

Saab afirma que a obra se tornará uma referência estratégica para a formulação e aprimoramento de políticas públicas. Em suas palavras, trata-se de uma entrega significativa da Embrapa à sociedade brasileira, tanto pelo rigor técnico quanto pelo potencial de orientar investimentos e ações governamentais em toda a Amazônia Legal.

Amazônia+10: três anos de ciência com impacto na floresta

Em Belém, durante a COP30, a Iniciativa Amazônia+10 apresentou de forma concreta seus resultados após pouco mais de três anos de atividade — um balanço que vai além dos números e revela transformações reais na ciência e nas comunidades da Amazônia Legal. Criado para ampliar o financiamento à pesquisa e à inovação na região, o programa conseguiu mobilizar uma rede impressionante: quase 2 mil pesquisadores trabalhando em 61 projetos, com a participação direta de 8,7 mil atores locais, entre indígenas, ribeirinhos, agentes comunitários e lideranças locais.

O cenário desse anúncio foi emblemático: o Museu Emílio Goeldi, em Belém, tornou-se palco de debates científicos e encontros comunitários dentro da COP. No local, a Amazônia+10 expôs os resultados de seu “censo”: 1.265 cientistas responderam a questionários, e 43% deles são nativos da região amazônica. Esses pesquisadores estão filiados a 171 instituições, distribuídas no Brasil e em outros seis países, com forte representação local — 17% vinculados a instituições paraenses e 13% a organizações amazonenses.

Desde 2022, a Iniciativa Amazônia+10 já bancou 61 pesquisas, gerando 365 produções acadêmicas e tecnológicas — incluindo artigos, teses, dissertações e patentes. Dentre esses projetos, 12 já demonstraram impacto direto sobre políticas públicas, e duas patentes foram registradas. Essa produção científica, porém, não ficou confinada em periódicos: ela foi traduzida em ações e em voz para as comunidades.

Um bom exemplo é o estudo que avalia os impactos da usina hidrelétrica de Belo Monte sobre o regime hídrico do rio Xingu. Nele, indígenas e ribeirinhos foram mobilizados para coletar dados, e a pesquisa ofereceu subsídios ao Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (Ibama) para definir uma vazão ecológica que respeite a dinâmica do rio. Além disso, contribuiu para fortalecer o Monitoramento Ambiental Territorial Independente (MATI), um programa de ciência comunitária na Volta Grande do Xingu, que hoje se destaca como referência de autonomia local e participação cidadã.

Durante a COP30, representantes da iniciativa também participaram de debates promovidos pelo Ministério Público Federal (MPF), na chamada Zona Verde, reforçando a ponte entre ciência, direito e mobilização comunitária. Para o secretário-executivo da Amazônia+10, Rafael Andery, esses resultados não apenas “mostram números”, mas traduzem impacto concreto: “diversidade e transformação para a ciência brasileira e para as comunidades locais”.

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A Amazônia+10 surgiu oficialmente na COP26, em Glasgow, quando a FAPESP (Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo) anunciou o programa para apoiar a ciência na Amazônia Legal. Trata-se de um consórcio ambicioso: os nove estados da Amazônia Legal, o Estado de São Paulo, integrantes do CONFAP (Conselho Nacional das Fundações Estaduais de Amparo à Pesquisa) e outras fundações estaduais de fomento entraram no esforço. Atualmente, 25 Fundações de Amparo à Pesquisa (FAPs) participam da iniciativa, que já mobilizou R$ 162 milhões e conta com 16 parcerias externas.

O modelo operacional da Amazônia+10 priorizou a colaboração entre academia e comunidades. Na primeira chamada de projetos, 80% das propostas envolveram atores não acadêmicos desde o planejamento até a execução. Isso resultou em uma ampla participação local: mais de 8,7 mil pessoas de diferentes regiões amazônicas foram envolvidas — muitos diretamente vindos de comunidades tradicionais. Esse tipo de integração reforça a ideia de que a ciência na Amazônia pode ser tanto produzida pela floresta quanto para a floresta.

Um ponto particularmente sensível para a região foi o apoio à pesquisa nas áreas consideradas “vazios científicos”, como a chamada “Cabeça do Cachorro”, no extremo noroeste do Amazonas, fronteira com Colômbia e Venezuela. A iniciativa financiou três projetos lá, evidenciando que a Amazônia+10 não pretende apenas acompanhar o conhecimento existente, mas preencher lacunas antigas e estratégicas.

Para a Fapespa (Fundação Amazônia de Amparo a Estudos e Pesquisas), essa proposta representa uma inovação: “é um modelo diferente e eficiente, que combina pesquisadores de várias partes do mundo com foco na região amazônica e na forma de vida das comunidades locais”, afirmou o presidente Marcel do Nascimento Botelho. A arqueóloga Helena Lima, do Museu Emílio Goeldi, que coordena o projeto “Vozes da Amazônia Indígena”, reforçou esse ponto: “a Amazônia tem cientistas e instituições de excelência, e isso precisa ter visibilidade”.

Durante a conferência, muitos dos projetos da iniciativa envolveram atividades de imersão intercultural, onde comunidades indígenas e tradicionais puderam dialogar diretamente com pesquisadores. Debate-se justiça climática, desigualdade de gênero, práticas tradicionais de uso da floresta e os saberes ancestrais que atravessam gerações. A participação não ficou apenas na coleta de dados, mas se estendeu à construção de narrativas, relatórios, documentários e até livros que traduzem essas experiências para públicos mais amplos.

Por fim, a Amazônia+10 anunciou que em 2026 será lançada uma nova chamada de projetos, desta vez voltada para desafios da sociobioeconomia na Amazônia Legal. A ideia é engajar ainda mais organizações socioprodutivas dos territórios, fortalecendo cadeias produtivas sustentáveis e, ao mesmo tempo, colaborando para a conservação ambiental. Esse passo sinaliza que a iniciativa aposta não só na ciência clássica, mas em um modelo de pesquisa profundamente ligado às comunidades e aos seus modos de vida — um caminho estratégico para enfrentar os riscos climáticos e construir futuros mais resilientes.

Saneamento vira eixo central da adaptação climática global

A crise climática tem pressionado os sistemas urbanos de uma maneira cada vez mais evidente, e o saneamento básico — frequentemente tratado como um tema estritamente técnico — emerge agora como um dos pilares da adaptação global. A avaliação é de Jose Gesti, consultor de Água e Clima da associação internacional Sanitation and Water for All (SWA), entidade ligada ao Fundo das Nações Unidas para a Infância (Unicef) e reconhecida por articular governos e sociedade civil na defesa do acesso universal à água e ao esgotamento sanitário. Em entrevista concedida durante sua participação na COP30 em Belém, Gesti reforça que o mundo não conseguirá responder adequadamente aos impactos climáticos se não enfrentar, com urgência, o déficit histórico de saneamento.

O número mais recente divulgado pelas Nações Unidas (ONU) é contundente: 3,4 bilhões de pessoas seguem sem acesso a saneamento seguro. Outras 2,1 bilhões não conseguem obter água potável de forma confiável. Por trás desses indicadores estão famílias inteiras expostas a doenças evitáveis, crianças consumindo água contaminada e comunidades presas em ciclos de pobreza que se perpetuam justamente pela ausência de serviços básicos. Para o especialista, a distância entre compromissos e avanços concretos continua sendo o entrave mais crítico para alcançar os Objetivos de Desenvolvimento Sustentável.

A crise climática intensifica esse cenário. Enchentes mais frequentes, secas prolongadas, contaminação de mananciais, insegurança alimentar e deslocamentos forçados resultam diretamente da fragilidade ou inexistência de sistemas de água e esgotamento. A infraestrutura urbana, quando precária, transforma cada evento extremo em um impacto devastador. Gesti lembra que, na Reunião de Ministros de Setor realizada em Madri em 2025, a SWA insistiu na necessidade de integrar políticas de água, saneamento, meio ambiente, saúde e finanças para romper com abordagens fragmentadas que já não respondem à escala dos desafios atuais.

Belém, sede da COP30 e retrato de contradições socioambientais brasileiras, aparece de forma emblemática nesse debate. No ranking anual do Instituto Trata Brasil, a capital paraense se mantém entre os dez piores municípios em cobertura de esgotamento sanitário: em 2025, apenas 27,51% da população tinha atendimento adequado. O quadro ajuda a expor, diante da comunidade internacional, como vulnerabilidades locais dialogam com a agenda global de adaptação climática. Para Gesti, ao apresentar exemplos reais de precariedade, a cidade contribui para que o tema deixe os bastidores técnicos e alcance os espaços de tomada de decisão.

2019-08-16T171820Z_1_LYNXNPEF7F1F7_RTROPTP_4_SANEAMENTO-PINHEIROS-DORIA-300x187 Saneamento vira eixo central da adaptação climática global

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A COP30, afirma o consultor, cria uma oportunidade singular para reconstruir prioridades. A centralidade da água e do saneamento no enfrentamento da crise climática já começa a ser reconhecida em negociações internacionais, e esse movimento abre espaço para novos fluxos de financiamento, políticas coordenadas e mecanismos de implementação que aproximam compromissos de resultados concretos. Cidades com drenagem urbana permeável, redes de esgoto resilientes e bacias hidrográficas protegidas tornam-se, ao mesmo tempo, mais saudáveis e mais preparadas para eventos extremos.

A discussão avança também sobre a dimensão social do problema. Para Gesti, ignorar a relação entre acesso desigual ao saneamento e injustiças estruturais é fechar os olhos para o racismo ambiental. Em todo o mundo, populações marginalizadas vivem nas áreas mais expostas a enchentes, contaminação e ausência de investimentos públicos. O déficit de saneamento, portanto, não se distribui de maneira aleatória; ele segue padrões históricos de desigualdade. Quando a qualidade da água ou do esgoto depende de raça, renda ou geografia, o que está em jogo não é apenas infraestrutura, mas direitos humanos.

Superar essas assimetrias exige que políticas de saneamento priorizem territórios negligenciados, garantam transparência na alocação de recursos e fortaleçam a participação social nos processos decisórios. E, sobretudo, que adotem a equidade como fundamento, não como adendo. Para o especialista, sociedades só conseguem enfrentar de maneira justa a crise climática quando asseguram que todos — sem exceções — tenham acesso a serviços de água e esgoto dignos, seguros e resilientes.

COP30 revela contrastes entre liderança real e falso protagonismo

O dia trouxe mais um capítulo da tradicional cerimônia não oficial da diplomacia climática: os prêmios simbólicos que revelam, com ironia afiada, quais países empurram o processo para frente — e quais insistem em puxá-lo para trás. No centro da cena está o “Fóssil do Dia”, concedido pela rede internacional Climate Action Network, que desde os anos 1990 expõe comportamentos que minam a ambição climática global. Em COP30, o destaque nada honroso recaiu sobre a Rússia, enquanto Arábia Saudita e União Europeia dividiram o título de “Fóssil Colossal”. Em contraste, a Colômbia brilhou como o “Raio da COP”, e os trabalhadores e voluntários do evento receberam uma menção especial.

A Rússia foi a campeã do dia não exatamente por surpresas, mas pela consistência com que transformou a obstrução em método. Nas negociações de gênero, dedicou horas à defesa ferrenha de linguagem ultrapassada, como o retorno insistente a pronomes binários. Em discussões sobre transição justa e financiamento para adaptação, concentrou esforços em travar avanços e promover, uma vez mais, o mantra dos combustíveis fósseis disfarçados de “transicionais”. Seu argumento de que renováveis teriam “aspectos negativos” soou mais como uma tentativa de repaginar velhas resistências do que como contribuição substantiva.

A Rússia ainda exibiu outra façanha: a reinvenção estatística. A alegação de que o país já teria uma matriz energética “85% limpa” foi apresentada ao mundo como um grande feito, embora dependa de classificar gás e nuclear como tecnologias verdes. A mesma administração que adota esse discurso projeta, em sua Estratégia Energética 2050, a manutenção do carvão e do gás como pilares. Renováveis alcançam, nesse cenário, menos de 3% até 2040 — uma escolha estratégica comparável a adiar o despertador enquanto a casa pega fogo.

Do campo energético ao geopolítico, a desconexão é ainda mais evidente. O desempenho climático russo, segundo o Climate Change Performance Index, ocupa o 64º lugar entre 67 países avaliados. Sua meta para 2035 exige praticamente nenhum esforço adicional, o que faz da ambição um conceito decorativo. E a guerra na Ucrânia — iniciada na invasão de 2022 — adiciona uma camada de gravidade: as emissões relacionadas ao conflito já somam 237 milhões de toneladas de CO₂ equivalente, superando as emissões anuais de países como Turquia ou Tailândia. O esforço bélico é financiado, em grande parte, pelas exportações de combustíveis fósseis, que geraram quase um trilhão de euros desde o início da invasão. O orçamento de defesa para 2026 alcança 157 bilhões de dólares, enquanto o financiamento climático permanece marginal.

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Ainda assim, talvez o gesto mais perigoso tenha sido o uso do processo da Convenção-Quadro das Nações Unidas sobre Mudança do Clima (UNFCCC) para legitimar a ocupação de territórios ucranianos, incorporando-os em seu inventário oficial de emissões. Esse tipo de manobra ameaça a credibilidade do sistema multilateral e viola princípios básicos do regime internacional.

Se a Rússia levou o prêmio do dia, o “Fóssil Colossal” da COP inteira foi dividido entre a Arábia Saudita e a União Europeia. Dois atores muito distintos, mas que se encontraram na arte de bloquear avanços.

A Arábia Saudita se destacou por sua capacidade de desmontar consensos fundamentais. Rejeitou o reconhecimento da opinião consultiva da Corte Internacional de Justiça (ICJ), tentou eliminar referências à proteção de defensoras ambientais, empurrou direitos humanos para nota de rodapé no tema de perdas e danos, e evitou qualquer movimento que indicasse seguimento ao compromisso global de transição longe dos fósseis. O país também propôs retirar menções ao IPCC, órgão central da ciência climática. Questionar a ciência em uma conferência sobre clima é um ato tão ousado quanto regressivo.

Do outro lado, a União Europeia exibiu uma forma mais burocrática de obstrução. Embora se apresente como líder climática, atuou em silêncio para restringir o alcance dos compromissos financeiros. Resistiu a ampliar o financiamento de adaptação, evitou clareza no cumprimento do Artigo 9.1 do Acordo de Paris, bloqueou propostas de financiamento público baseado em doações e reduziu orçamentos domésticos dedicados à ação climática. O contraste entre discurso e prática deixou países vulneráveis ainda mais descrentes da promessa de solidariedade.

Em meio a esse cenário, a Colômbia foi reconhecida como o “Raio da COP”. O país consolidou-se como uma das vozes mais firmes pela eliminação planejada dos combustíveis fósseis, defendendo a Declaração de Belém, apoiando o Tratado de Não Proliferação de Combustíveis Fósseis e preparando a primeira conferência internacional dedicada ao tema, em Santa Marta, no próximo ano. Também manteve postura construtiva nas negociações sobre florestas, adaptação e finanças, insistindo na coerência necessária entre o Artigo 2.1(c) e as obrigações de financiamento dos países desenvolvidos.

Por fim, uma menção especial foi concedida aos trabalhadores e voluntários da COP30, que sustentaram o evento em meio a calor extremo, fumaça, evacuações e atrasos. Sem eles, nenhuma negociação teria acontecido.

Agenda Belém 2025–2027: mobilização para a justiça climática

No dia 21 de novembro de 2025, foi oficialmente lançado um documento que pode redefinir os rumos da justiça climática no Brasil: a Agenda Belém 2025–2027, elaborada coletivamente por uma rede que reúne movimentos sociais, comunidades tradicionais, cientistas e gestores. Simultaneamente, é divulgada a Carta Manifesto Belém – Pós-COP30, que sistematiza demandas urgentes, estratégias coletivas e reivindicações profundas para enfrentar os grandes dilemas socioambientais do país.

A gênese desta iniciativa está na Rede Marangatu, coordenada pela Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz), em parceria com o Observatório de Territórios Saudáveis e Sustentáveis da Bocaina (OTSS), este último fruto de uma articulação entre a Fiocruz e o Fórum de Comunidades Tradicionais (FCT). Junto a essas instituições, participam a Universidade do Estado do Pará (UEPA), a Red de Mujeres Originarias por la Defensa del Mar e a Aliança dos Povos e Comunidades Tradicionais em Defesa da Mata Atlântica, demonstrando a amplitude territorial e simbólica da proposta.

O contexto do lançamento não é casual: ele se dá na esteira de impasses profundos na reta final da COP30, quando ficou evidente que as pautas de justiça climática – especialmente aquelas centradas em povos tradicionais e territórios vulneráveis – exigem respostas ousadas. A Agenda Belém não é apenas um plano técnico ou uma carta de boas intenções: ela representa uma mobilização política inédita para reposicionar comunidades tradicionais como protagonistas de soluções climáticas, conectando saberes ancestral e científico para fortalecer a governança territorial.

A Carta Manifesto Pós-COP30 complementa esse esforço, consolidando um conjunto de reivindicações que vão além da diplomacia internacional. Trata-se de articular demandas concretas para quem vive na periferia urbana, nas zonas costeiras, nos biomas tradicionais. A carta aponta para a necessidade de transformações estruturais — no poder político, nas políticas públicas e nas alianças sociais —, para garantir que o preço da crise ambiental não recaia sempre sobre os mais vulneráveis.

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Bruno Peres/Agência Brasil

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Toda essa mobilização converge para um marco futuro: o II Encontro Internacional de Territórios e Saberes (EITS 2027), que será realizado em setembro de 2027 na cidade de Paraty (RJ), segundo anúncio formalizado durante a COP30 por Fiocruz e FCT. OTSS A primeira edição do EITS, ocorrida em Paraty em um encontro anterior, já havia reunido mais de dois mil participantes de 28 países, e agora a proposta é ampliar ainda mais esse diálogo internacional entre ciência, cultura e territórios.

A Agenda Belém 2025–2027 aparece, então, como um fio condutor de ação para esse horizonte. Ela não é apenas declarativa: traça um plano de ação concreto, desenhado coletivamente, para fortalecer a justiça climática local. Isso implica apoiar projetos em territórios tradicionais, capacitar lideranças comunitárias, promover pesquisas participativas e garantir que políticas públicas respondam às realidades vividas nas matas, rios, manguezais e periferias.

Ao mesmo tempo, a Carta Manifesto oferece uma voz política clara — um contraponto às falhas observadas na COP30 — ao reivindicar que a ambição climática deixe de ser medida apenas por metas globais, mas também por transformações territoriais, de poder e de economia. É a afirmação de que comunidades historicamente marginalizadas devem ocupar o centro da resposta climática.

Esse movimento é, em si, uma forma de resistência, mas também de proposta: resistência às desigualdades que o modelo de desenvolvimento impõe, e proposta para governar o futuro de forma mais democrática, inclusiva e fundamentada nos territórios. É uma estratégia coletiva, que mobiliza redes interinstitucionais para criar sinergias entre movimentos sociais, ciência, juventudes, lideranças comunitárias e gestores públicos.

O lançamento da Agenda Belém e da Carta Manifesto marca, portanto, um ponto de inflexão. Não é apenas a reação a uma COP marcada por tensões, mas o começo de uma nova fase de articulação política e de ação territorial — com foco nos biomas brasileiros e nas comunidades que vivem neles. E essa articulação impulsiona diretamente o segundo EITS, reforçando o compromisso com o diálogo de saberes, garantindo que o protagonismo climático se expresse de baixo para cima, a partir de quem vive a crise no corpo, no território e na memória.

Em suma, a iniciativa coloca em prática uma visão transformadora de justiça climática: não mais como discurso de conferência, mas como plano de ação real, orientado por comunidades, ciência cidadã e um projeto de futuro construído nos territórios.

Maranhão avança na construção de nova política de saúde rural

O Maranhão reforçou seu compromisso com a ampliação do acesso à saúde para populações rurais, ribeirinhas, extrativistas e de territórios tradicionais ao promover, no dia 18 de novembro, um webnário dedicado à criação da Política de Atenção Integral à Saúde das Populações do Campo, da Floresta e das Águas. A iniciativa foi organizada pela Superintendência da Atenção Primária em Saúde da Secretaria de Estado da Saúde (SES) e reuniu gestores, especialistas e representantes de movimentos sociais em torno de um desafio comum: garantir que o Sistema Único de Saúde alcance comunidades que, historicamente, permanecem distantes das estruturas formais de atenção.

Realizado de forma online, o encontro buscou aprofundar o debate sobre as especificidades dessas populações, reconhecendo que fatores como distância geográfica, precariedade de transporte, ausência de unidades de saúde em funcionamento e fragilidade das equipes interferem diretamente no direito ao cuidado. A política estadual em construção, portanto, nasce como instrumento para enfrentar desigualdades antigas e persistentes.

O superintendente da Atenção Primária, Willian Vieira, destacou que o trabalho vem sendo conduzido a partir de escutas territoriais, integração entre vigilância e atenção básica e fortalecimento das equipes que atuam nas zonas rurais. Segundo ele, é essencial que as ações de saúde dialoguem com os modos de vida que estruturam o interior maranhense, garantindo que o cuidado chegue de maneira contínua, culturalmente sensível e territorializada.

Os debates do webnário aprofundaram esse horizonte. A programação reuniu mesas dedicadas a três eixos centrais: a construção da política estadual; o papel dos programas sociais no enfrentamento das desigualdades; e a relevância da Estratégia Saúde da Família para sustentar o cuidado em regiões rurais e ribeirinhas. Em cada discussão, retornava a ideia de que saúde, para essas populações, depende tanto de acesso a serviços quanto de reconhecimento de sua identidade, cultura e organização comunitária.

A aula magna foi ministrada por Larissa Vieira Barros, coordenadora de Atenção às Populações em Situação de Vulnerabilidade da Secretaria de Atenção Primária à Saúde do Ministério da Saúde. Ela destacou que implementar a política é um processo desafiador, exigindo a articulação entre governos, movimentos sociais e trabalhadores do SUS. Larissa enfatizou a necessidade de políticas que incorporem os princípios de equidade, participação social e respeito às particularidades de gênero, geração, raça, etnia e orientação sexual.

Cartilha-inedita-orienta-maes-e-pais-sobre-efeitos-das-mudancas-climaticas-na-saude-das-criancas-brasileiras-1024x538-1-400x210 Maranhão avança na construção de nova política de saúde rural
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Durante o evento, dados do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) reforçaram a dimensão da responsabilidade pública: o Censo Agropecuário de 2017 registrou no Maranhão quase 693 mil agricultores, 688 mil pescadores, mais de 2 mil aquicultores e cerca de 300 mil quebradeiras de coco. Essas populações, fundamentais para a economia e para a preservação de práticas tradicionais, compõem um mosaico social que necessita de políticas específicas — e não apenas de adaptações das estruturas urbanas.

A pesquisadora Cibele Lima dos Santos, do Ministério da Saúde, reforçou que ampliar o acesso é apenas uma parte da solução. Para ela, a formação e sensibilização dos profissionais que atuarão nesses territórios é essencial para evitar exclusões e para garantir que o cuidado seja efetivamente resolutivo. Compreender a vida cotidiana das comunidades rurais e ribeirinhas — suas rotinas, sazonalidades e formas de organização — deve ser o ponto de partida para qualquer política.

Gersina Vieira Marques, representante do Polo Sindical da Regional Mearim e secretária da Federação dos Trabalhadores Rurais, Agricultores e Agricultoras Familiares do Estado do Maranhão (FETAEMA), reforçou a necessidade de diálogo contínuo. Ela relatou que, em diversos municípios, unidades de saúde ainda enfrentam dificuldades para funcionar plenamente, o que impacta especialmente as mulheres, que seguem encontrando barreiras para realizar exames preventivos e acessar ações básicas de saúde. Segundo Gersina, a preservação ambiental também deve ser considerada parte do cuidado, já que territórios degradados afetam diretamente a saúde das comunidades que deles dependem.

Ao final, o webnário apontou caminhos para consolidar uma política estadual robusta, capaz de integrar diferentes setores do governo e da sociedade civil. A intersetorialidade, assumida como princípio central, reforça que saúde, no contexto rural e tradicional, precisa ser construída a partir do território, com participação social, reconhecimento de identidades e compromisso contínuo com a equidade.

Ibama avança na proteção de quelônios com ação no Pará

O Tabuleiro de Monte Cristo, no município de Aveiro, no oeste do Pará, tornou-se por duas semanas o epicentro de um dos mais importantes encontros de conservação da fauna amazônica. Entre 28 de outubro e 9 de novembro, o Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (Ibama) realizou a reunião nacional do Programa Quelônios da Amazônia (PQA), reunindo coordenadores estaduais, especialistas e parceiros para discutir avanços administrativos e colocar em prática técnicas fundamentais de manejo, monitoramento e pesquisa de quelônios.

A programação uniu, em um mesmo espaço, a Reunião Anual do Comitê Técnico Permanente do PQA e um treinamento intensivo em campo. Participaram representantes do Amapá, Rondônia, Roraima, Tocantins, Goiás, Pará e Mato Grosso, além da equipe nacional do Programa e convidados da Fundação Nacional dos Povos Indígenas (Funai). A presença de servidores experientes, pesquisadores e comunidades parceiras consolidou o encontro como um marco de integração entre conhecimento técnico e prática tradicional.

No primeiro eixo de atividades, o foco recaiu sobre decisões e alinhamentos que moldarão os próximos anos do Programa. Uma das discussões centrais tratou do georreferenciamento de áreas e tabuleiros monitorados pelo PQA. Essa etapa é parte do esforço para atualizar o marco normativo que orienta ações de conservação, atualmente baseado na antiga Portaria SUDEPE nº 24/1987. Com informações mais precisas e ferramentas digitais modernas, o Ibama busca aprimorar o ordenamento das áreas prioritárias e fortalecer a proteção de ambientes essenciais à reprodução de espécies como a Podocnemis expansa.

Outro ponto relevante do encontro foi o fortalecimento do Programa de Voluntariado. Em dezenas de praias e tabuleiros amazônicos, a atuação de voluntários tem sido decisiva para vigilância de ninhos, proteção contra a captura ilegal e mobilização comunitária. Ampliar essa rede significa aumentar a presença humana em locais estratégicos, garantindo mais segurança ao ciclo reprodutivo das tartarugas.

Também entrou em debate a elaboração de novos Acordos de Cooperação Técnica com instituições parceiras. O PQA tem reconhecida reputação nacional e internacional e, ao consolidar parcerias formais, fortalece intercâmbio científico, amplia financiamento e integra diferentes competências em prol da conservação.

Fechando o bloco administrativo, os coordenadores dedicaram cerca de dez horas à construção de um Procedimento Operacional Padrão para monitoramento populacional e reprodutivo. O objetivo é sistematizar, atualizar e tornar públicos os protocolos — básicos, intermediários e avançados — que colocaram o Programa entre as referências continentais em conservação de quelônios.

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Foto: PQA/DBFlo/Ibama

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Se o primeiro momento do encontro foi de planejamento, o segundo se dedicou ao campo. Realizar o treinamento no Tabuleiro de Monte Cristo, durante o período reprodutivo da Podocnemis expansa, permitiu vivenciar a rotina real das equipes envolvidas na proteção de ninhos e no estudo das populações. Antes mesmo do nascer do sol, os coordenadores já acompanhavam as fêmeas que haviam feito a postura durante a madrugada. Na luz suave da manhã amazônica, iniciavam-se as atividades de biometria de ninhos e indivíduos, manejo dos ovos e identificação de áreas sensíveis.

Uma parte essencial do treinamento envolveu o uso de tecnologias modernas para aprofundar o conhecimento sobre o comportamento das espécies. Foram instalados dataloggers nos ninhos, equipamentos que monitoram variações de temperatura ao longo do desenvolvimento embrionário. Esses dados ajudam a entender padrões de eclosão, taxas de sobrevivência e efeitos de mudanças ambientais.

Em outro momento, seis tartarugas adultas receberam transmissores via satélite (GPS) ou rádio VHF. A cada subida à superfície para respirar, os dispositivos enviam dados sobre deslocamento, permitindo mapear rotas migratórias, áreas de descanso e locais de alimentação. Esses registros ajudam a esclarecer lacunas históricas sobre o comportamento das populações e servem de base para a criação de novas estratégias de proteção de habitats.

Como manda a tradição do Programa, cada tartaruga equipada recebeu o nome de uma das coordenadoras presentes. Cris, Mari, Edelin, Soryane, Cíntia e Mônica agora representam não apenas indivíduos monitorados, mas também o simbolismo de um trabalho que une ciência, compromisso e identidade coletiva.

Segundo o coordenador nacional do PQA, Edelin Ribas, o objetivo é claro: entender com profundidade a vida desses animais para garantir sua sobrevivência em um cenário de pressões crescentes sobre os ecossistemas amazônicos. Conhecer o percurso de uma tartaruga ao longo de meses ou anos significa compreender caminhos de conservação que vão muito além do tabuleiro onde tudo começa.

O encontro no Tabuleiro de Monte Cristo reforça que proteger quelônios não é apenas preservar uma espécie. É defender a integridade de rios, praias, comunidades tradicionais e todo um mosaico ecológico que depende da saúde desses animais para permanecer equilibrado.

Pará destaca monitoramento ambiental como eixo da mitigação

Na COP30, em Belém, o governo do Pará voltou a colocar o monitoramento ambiental no centro do debate climático ao apresentar, no Pavilhão Pará, um painel dedicado às ferramentas que estruturam a preparação e a resposta do Estado a eventos extremos. A iniciativa, conduzida pela Secretaria de Meio Ambiente, Clima e Sustentabilidade do Pará (Semas), evidenciou como dados, tecnologia e vigilância constante se tornaram instrumentos decisivos para reduzir riscos, orientar políticas públicas e fortalecer a resiliência territorial diante da emergência climática.

O painel Monitoramento Hidrometeorológico e de Qualidade do Ar realizado pelo Estado do Pará, como ferramenta de preparação, mitigação aos impactos e redução de riscos frente aos desastres naturais partiu de um diagnóstico claro: as mudanças climáticas já estão alterando o cotidiano da região amazônica, e a gestão pública precisa antecipar tendências, prever perigos e agir de forma coordenada para evitar perdas humanas, ambientais e econômicas.

A apresentação estruturou-se em três pilares. O primeiro é o monitoramento hidrometeorológico, que acompanha condições de tempo, clima e comportamento dos rios. Essas informações são particularmente sensíveis no Pará, onde a vida urbana, rural e comunitária depende do regime hídrico. Historicamente, a Amazônia sempre conviveu com períodos de cheia e vazante, mas eventos recentes mostram uma aceleração das anomalias climáticas. Entre 2023 e 2024, por exemplo, o Estado enfrentou uma das secas mais severas de sua história moderna. A estiagem prolongada afetou navegação, abastecimento de água, economia e segurança alimentar em dezenas de municípios. O coordenador de Monitoramento Ambiental da Semas, Antônio Sousa, lembrou que esse cenário exigiu respostas rápidas, com reforço da vigilância dos níveis dos rios e ajustes no planejamento para minimizar impactos.

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Foto: Divulgação

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O segundo pilar é o monitoramento da qualidade do ar, fundamental para proteger a saúde pública. Em uma região onde queimadas ainda são um desafio recorrente, a circulação de fumaça pode gerar crises respiratórias, comprometer deslocamentos e criar períodos prolongados de insalubridade, especialmente para populações vulneráveis. As ferramentas da Semas buscam oferecer alertas rápidos, permitindo que autoridades municipais, unidades de saúde e órgãos ambientais preparem ações preventivas.

O terceiro eixo se concentra nos focos de queimadas. A leitura em tempo real e a geração de alertas sobre incêndios florestais permitem que equipes de resposta atuem de forma mais ágil. As informações também são cruciais para orientar operações de comando e controle, além de embasar medidas educativas e preventivas.

Esses três sistemas convergem para um objetivo comum: transformar dados em capacidade de reação e, quando possível, de prevenção. O caso da seca de 2024 ilustra o peso desse trabalho. Com os sensores e análises indicando agravamento das condições no leste do Pará, o governo intensificou o planejamento de ações emergenciais e orientou municípios sobre riscos específicos. Essa capacidade de antecipação diminui danos e reforça a segurança da população.

A atuação estadual também tem gerado resultados expressivos no combate ao fogo. Segundo o Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe), o Pará registrou, em agosto de 2025, uma queda de 90,5 por cento nos focos de incêndios florestais em comparação com o mesmo período de 2024. Esse desempenho foi construído a partir da combinação entre monitoramento constante, operações de comando e controle mais robustas e coordenação direta entre órgãos ambientais, forças de segurança e governos municipais.

Especialistas destacam que essa redução não é fruto apenas de tecnologia, mas de um alinhamento estratégico mais amplo. O Pará vem consolidando uma política de mitigação climática que integra monitoramento, fiscalização, planejamento territorial, resposta rápida e pactos com atores locais. Essa abordagem reforça a percepção de que enfrentar a crise climática exige tanto instrumentos técnicos sofisticados quanto decisões políticas firmes, capazes de colocar a proteção ambiental como prioridade de Estado.

Durante a COP30, a presença do Pará com iniciativas como esse painel demonstra uma tentativa de construir um modelo amazônico de gestão climática baseado em evidências, participação e análise contínua do território. A lógica é simples: quanto mais se conhece o ambiente, maior é a possibilidade de agir antes que a crise se instale.

Ao final do painel, ficou evidente que o monitoramento hidrometeorológico, da qualidade do ar e dos focos de incêndio não são apenas atividades técnicas — são o coração da estratégia de mitigação e adaptação do Pará. Em uma Amazônia em transformação acelerada, a informação tornou-se a linha tênue entre vulnerabilidade e resiliência.

Novo rascunho da COP30 avança, mas deixa lacunas críticas

O avanço das negociações da COP30 ganhou novos contornos nesta sexta-feira com a divulgação de uma versão atualizada do rascunho do chamado Pacote de Belém, apresentada pelo UNFCCC. O documento inclui agora um anexo com 59 indicadores previstos para compor a Meta Global de Adaptação, um passo que reconhece a necessidade crescente de alinhar políticas e monitoramento diante do agravamento dos impactos climáticos. Ainda assim, a revisão abriu mais perguntas do que respostas, especialmente entre organizações ambientais e especialistas que acompanham de perto cada linha dessas negociações.

A primeira reação partiu do Observatório do Clima. Para a rede, os textos seguem desequilibrados, acumulando avanços tímidos e mantendo lacunas que, na avaliação das entidades, não podem ser aceitas como resultado final da conferência. A crítica mais incisiva mira a ausência de diretrizes claras para uma transição global que reduza a dependência dos combustíveis fósseis. Apesar da pressão política liderada pelo presidente Luiz Inácio Lula da Silva e endossada por 82 países, o rascunho evita qualquer referência explícita à necessidade de “transição para longe dos combustíveis fósseis”. Para as entidades, esse silêncio pesa: a expressão simplesmente não aparece em nenhum dos 13 documentos divulgados até agora.

Esse vazio, afirmam, não é coincidência. Organizações apontam a influência crescente de representantes da indústria fóssil credenciados para a COP30, que atingiram a marca recorde de 1.602 participantes — o maior contingente proporcional desde que esses dados começaram a ser compilados. Segundo o Observatório do Clima, foi essa pressão que empurrou para fora do documento as propostas de roteiros para eliminar gradualmente tanto o uso de combustíveis fósseis quanto o desmatamento. A avaliação é direta: os roadmaps sucumbiram aos interesses de países petroleiros e grupos econômicos que resistem a mudanças estruturais.

Outro ponto sensível é a discussão sobre as metas de emissões definidas pelas NDCs (Contribuições Nacionalmente Determinadas). A revisão dessas metas deveria lidar com a lacuna que ainda impede o cumprimento do limite de aquecimento global de 1,5 grau. No entanto, a nova versão do Pacote de Belém não trouxe qualquer passo concreto. Em vez disso, transformou a resposta à falta de ambição climática em um relatório a ser produzido nos próximos três anos, sem previsão de medidas vinculantes ou de ajuste imediato. Para países insulares e regiões altamente vulneráveis, que enfrentam literalmente a elevação do mar sobre seus territórios, esse adiamento representa um risco existencial.

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Divulgação – COP30

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Apesar das críticas, algumas decisões foram recebidas como sinais de avanço. A criação de um mecanismo de transição justa — ainda embrionário — e a adoção dos indicadores da Meta Global de Adaptação marcaram pontos positivos. No entanto, especialistas apontam desconexões importantes, especialmente a falta de articulação entre a transição energética e o próprio Programa de Trabalho de Transição Justa (JTWP).

Para Mauricio Voivodic, diretor-executivo do WWF-Brasil, o JTWP falha ao não apresentar propostas robustas para eliminar combustíveis fósseis ou frear o desmatamento. Ainda assim, o texto incorpora elementos relevantes, como a previsão de consulta prévia, livre e informada a povos indígenas e comunidades tradicionais antes de qualquer ação que envolva seus territórios. Para Voivodic, esse reconhecimento reforça um princípio essencial: não há justiça climática sem justiça territorial.

Na área de adaptação, especialistas do Instituto Talanoa identificaram avanços técnicos importantes. Daniel Porcel destaca que os indicadores anexados representam um passo ao reconhecer que o financiamento público internacional deverá vir de países desenvolvidos para os em desenvolvimento — um dos pilares históricos da negociação climática. Além disso, a criação do “processo de Belém até Addis”, que conduz as discussões até a COP32, na Etiópia, estabelece uma base para alinhar políticas e avaliar salvaguardas na implementação dos indicadores de adaptação.

No entanto, mesmo esse progresso esbarra na ausência de uma nova meta financeira clara. O texto menciona a intenção de triplicar os recursos destinados à adaptação, mas não apresenta mecanismos, fontes nem cronogramas. Sem esse lastro, alertam especialistas, a ambição em outras áreas permanece travada. Benjamin Abraham, também do Instituto Talanoa, destaca que o financiamento é o eixo que destrava avanços: sem ele, os países em desenvolvimento não conseguem assumir compromissos mais ambiciosos nem adequar seus planos nacionais às exigências da ciência.

A nova versão do Pacote de Belém representa, portanto, um momento híbrido: combina sinais de avanço político e técnico com omissões que podem comprometer o impacto concreto da conferência. Com a COP30 se aproximando de sua reta final, o desafio das delegações será transformar esse rascunho — ainda permeado por fissuras — em um acordo capaz de refletir a urgência da crise climática e a responsabilidade compartilhada entre países, setores econômicos e sociedades.

Após incêndio, COP30 deve prolongar negociações em Belém

O incêndio que atingiu um estande na Zona Azul da 30ª Conferência das Nações Unidas sobre Mudanças Climáticas provocou mais do que fumaça e correria na tarde de quinta-feira em Belém. O episódio acabou interferindo diretamente no ritmo das negociações e obrigou uma reavaliação do cronograma da COP30, evento organizado pela Convenção-Quadro das Nações Unidas sobre Mudança do Clima, parte do sistema da Organização das Nações Unidas. A área atingida, peça central das tratativas multilaterais, chegou a ser evacuada, e os trabalhos só puderam ser retomados à noite, quando a segurança foi restabelecida.

Foi nesse intervalo que o presidente da COP30, o diplomata brasileiro André Corrêa do Lago, concedeu uma entrevista à TV Brasil para comentar o impacto do incidente sobre um processo já naturalmente tenso e complexo. Às vésperas do encerramento oficial, inicialmente previsto para sexta-feira, ele foi categórico ao reconhecer que a conferência deve se estender além do planejado para garantir que as negociações avancem com o cuidado necessário.

Segundo Corrêa do Lago, a equipe organizadora passou a noite de quinta-feira reorganizando agendas, reestruturando consultas e acionando canais alternativos de diálogo para evitar que o imprevisto contaminasse o horizonte das discussões. Durante algumas horas, diplomatas trabalharam online e por telefone, numa tentativa de manter a linha do tempo das decisões sem comprometer a natureza presencial e sensível das conversas que definem, ponto a ponto, os compromissos climáticos internacionais.

O presidente da conferência destacou que a reabertura da Zona Azul permitirá a retomada das reuniões formais desde as primeiras horas da manhã desta sexta. Mas relativizou qualquer previsão rígida de encerramento. As conferências do clima, lembrou ele, têm um histórico de ultrapassar seus prazos oficiais, seja por divergências de última hora, seja pela necessidade de acomodar as demandas de grupos regionais diversos. O incêndio, portanto, entrou como mais um fator num ambiente já marcado por tensões geopolíticas e disputas sobre financiamento climático.

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Divulgação – COP30

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Corrêa do Lago explicou que a complexidade das negociações não decorre apenas dos aspectos técnicos, mas também do cenário internacional, que vive um momento de fragmentação e desconfiança entre blocos. Questões como a eliminação dos combustíveis fósseis, o financiamento para adaptação e os mecanismos de perdas e danos seguem sendo tratadas como pilares essenciais de qualquer acordo final. Porém, cada um desses temas envolve interesses econômicos profundos, pressões domésticas e interpretações divergentes sobre responsabilidades históricas.

Apesar do cenário desafiador, o diplomata se mostrou otimista. Há uma vontade perceptível de construir um resultado ambicioso, afirmou ele, e isso faz diferença. Nos bastidores, equipes se movimentam para elaborar textos de consenso capazes de oferecer respostas à altura da crise climática. A conferência realizada em Belém ganha importância adicional por ocorrer na Amazônia, região emblemática da biodiversidade global e ao mesmo tempo vulnerável às pressões de desmatamento, mudanças no regime de chuvas e degradação ambiental.

Os próximos passos dependem da capacidade de costurar acordos nos bastidores. Ainda na tarde de sexta, Corrêa do Lago espera ter uma noção mais clara de quando a COP30 poderá ser concluída, embora reconheça que o prolongamento é a regra e não a exceção. Em sua avaliação, forçar o encerramento sem amadurecer as negociações seria pior do que estender os trabalhos por mais algumas horas – ou dias.

O presidente da COP30 alertou também para o risco de um resultado aquém do esperado descredibilizar o multilateralismo. Se a conferência falhar em produzir avanços concretos, argumentou ele, a percepção pública sobre a efetividade das negociações climáticas pode sofrer um impacto sério, alimentando narrativas de descrença e paralisia política. No entanto, um bom acordo – mesmo que atrasado – pode influenciar de forma decisiva a vida das pessoas ao orientar políticas públicas, destravar investimentos e incentivar ações mais rápidas por parte dos governos.

A sensação entre os participantes é de que o incêndio foi um contratempo importante, mas não suficiente para desviar o curso de uma conferência que já vinha marcada por expectativas elevadas. A COP30 segue, agora com um ritmo mais cuidadoso, tentando conciliar urgência com profundidade. O cronograma pode escorregar, mas o objetivo central permanece firme: entregar uma resposta coletiva capaz de enfrentar o momento climático mais decisivo da história contemporânea.

Trabalhos da COP30 seguem após incêndio e negociações avançam

A manhã desta sexta-feira começou diferente na Zona Azul da 30ª Conferência das Nações Unidas sobre Mudanças Climáticas, a COP30. Depois do incêndio que atingiu parte dos pavilhões nacionais na tarde anterior, a área central de negociações reabriu cedo para garantir que os trabalhos seguissem o mais próximo possível do cronograma original. Às 9 horas, algumas salas voltaram a receber delegações, técnicos e observadores, num movimento que misturava esforço de retomada e clima de urgência.

A Zona Azul, espaço administrado pela própria Organização das Nações Unidas por meio da Convenção-Quadro da ONU sobre Mudança do Clima, abriga os grupos de trabalho que tratam das decisões políticas globais, incluindo temas como financiamento climático, adaptação, perdas e danos e o mapa do caminho para eliminação gradual dos combustíveis fósseis. É ali que se definem, linha a linha, os compromissos que moldam a trajetória do planeta. Por isso, o incidente gerou preocupação imediata entre os países, que viram a dinâmica das conversas ser parcialmente interrompida.

A área atingida, composta pelos pavilhões nacionais, permanecerá totalmente isolada até o encerramento da conferência. A Empresa Brasil de Comunicação, responsável pela cobertura oficial do evento por meio da EBC e da TV Brasil, informou que as delegações foram orientadas a reorganizar sua atuação para evitar aglomerações e garantir a segurança no restante do espaço.

Na noite de quinta-feira, o presidente da COP30, o diplomata brasileiro André Corrêa do Lago, confirmou que a paralisação inesperada afetará o andamento das negociações. Segundo ele, será necessário estender a programação para que todos os pontos cruciais sejam analisados com o tempo e o cuidado exigidos. Embora o encerramento estivesse inicialmente previsto para esta própria sexta-feira, a possibilidade de prorrogação já era considerada, uma vez que as conferências do clima costumam ultrapassar o prazo oficial.

Em entrevista à TV Brasil, Corrêa do Lago reforçou que o objetivo permanece o mesmo: alcançar um resultado robusto, capaz de orientar governos e sociedades na transição urgente para um modelo econômico compatível com a meta de limitar o aquecimento global a 1,5°C. Ele lembrou que as negociações climáticas raramente são simples, sobretudo porque envolvem interesses energéticos, disputas históricas e responsabilidades diferenciadas entre países ricos e em desenvolvimento.

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Foto: Sergio Moraes/COP30

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A complexidade se amplia quando a conferência entra nas últimas horas. É nesse momento que os países pressionam por ajustes finais, apresentam contrapropostas e buscam incluir detalhes que, mais adiante, podem influenciar o caráter vinculante ou a força política das decisões. O incêndio, portanto, surgiu como um imprevisto num tabuleiro já delicado, exigindo que diplomatas e técnicos reavaliassem estratégias e reorganizassem agendas.

Ainda assim, a retomada rápida dos trabalhos nesta sexta-feira demonstrou uma determinação coletiva em evitar que o incidente se torne um obstáculo maior. Os corredores da Zona Azul registraram movimento intenso, com delegados circulando entre reuniões bilaterais, consultas informais e sessões plenárias abreviadas. Havia, ao mesmo tempo, um ar de prudência e um senso de missão: concluir a COP30 com um pacote de decisões que traduza a urgência do momento climático global.

A extensão da conferência, embora ainda sem data de encerramento definida, é vista por alguns negociadores como uma oportunidade. Prolongar os debates permite que países construam consensos mais sólidos e evitem soluções apressadas. Para outros, no entanto, a prorrogação adiciona desgaste às delegações e pode aumentar tensões já evidentes em assuntos como a eliminação dos combustíveis fósseis, o financiamento para adaptação e os mecanismos de compensação por perdas e danos.

Corrêa do Lago destacou que o mais importante é assegurar que as resoluções da COP30 tenham impacto real na vida das pessoas. Uma conferência climática, reforçou ele, não é um fim em si mesma: seu valor está no potencial de orientar políticas públicas, estimular investimentos e influenciar decisões nacionais. Independentemente da data final, o compromisso maior permanece o mesmo: construir uma resposta global capaz de enfrentar a crise climática com responsabilidade, realismo e ambição.

No fim da manhã, o clima entre delegados era de trabalho intenso, mas também de resiliência. O incêndio trouxe sobressaltos, mas não desviou o foco central. A COP30 segue adiante, consciente de que cada hora de negociação pode definir o futuro climático de uma geração inteira.

Barco a hidrogênio vira palco de debate sobre resiliência

O amanhecer em Belém encontrou, na Estação das Docas, uma embarcação que resume o espírito da COP30: o JAQ H1, um barco movido a hidrogênio verde que funciona como laboratório flutuante para a transição energética. Ali, ancorado diante do vai e vem da capital paraense, o barco recebeu um encontro organizado pelo Movimento União BR, reunindo representantes do setor privado, de fundações e de empresas comprometidas com respostas rápidas e eficazes aos desastres climáticos.

A líder do projeto, Cila Schulman, apresentou o futuro da embarcação durante a abertura do evento. Desenvolvido em parceria com o Grupo Náutica, o JAQ H1 deverá cruzar o litoral brasileiro até o Rio de Janeiro ao fim da conferência, simbolizando uma ponte entre inovação tecnológica e ação humanitária. Segundo ela, a embarcação será apenas o início: dois barcos semelhantes devem ser destinados posteriormente à pesquisa ambiental em diferentes biomas, ampliando o alcance científico da iniciativa. Outro avanço anunciado foi a capacidade de produzir hidrogênio a bordo, tornando o navio ainda mais autossuficiente.

O encontro dentro do barco-escola, projetado para se tornar um espaço de difusão de práticas de adaptação climática, funcionou como uma espécie de laboratório social. Tatiana Monteiro de Barros e Marcella Coelho, cofundadoras do União BR, conduziram o debate com o objetivo de mostrar como alianças sólidas entre sociedade civil, empresas e governos se tornaram fundamentais num país em que eventos extremos se multiplicam. A conversa, conduzida em tom franco e pragmático, mapeou o que dá certo, o que ainda é insuficiente e quais são os caminhos para fortalecer a resiliência das comunidades mais vulneráveis.

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União BR – Divulgação

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Entre as vozes presentes, Luciana Nicola, diretora de Relações Institucionais e Sustentabilidade do Itaú Unibanco, destacou o papel estratégico da ONG parceira. Em situações de emergência, explicou, o União BR opera como o braço de resposta imediata do banco. É uma atuação que começa no chamado Day Zero e segue em etapas posteriores, quando o desastre sai das manchetes, mas a reconstrução real apenas começa. Para ela, a capacidade de articulação do movimento se provou essencial em crises recentes, como as enchentes no Rio Grande do Sul, a tragédia no Litoral Norte paulista e tornados que atingiram cidades do Paraná.

No mesmo painel, Malu Nunes, diretora da Fundação Grupo Boticário, reforçou a importância de redes colaborativas para que a ajuda chegue a quem de fato precisa. Ela apresentou também uma plataforma criada pela instituição para apoiar gestores municipais na implementação de soluções baseadas na natureza — uma ferramenta pensada para prefeitos que buscam preparar suas cidades diante da nova realidade climática: chuvas mais intensas, secas prolongadas e um ciclo de impactos cada vez mais imprevisível.

Outra frente de apoio foi apresentada por Raquel Argentino, responsável por Sustentabilidade e Impacto Social da Latam Brasil, que trouxe números impressionantes: mais de 800 toneladas de doações transportadas pelo programa Avião Solidário em situações de emergência dentro e fora do país. O dado revela a escala crescente das crises ambientais e, ao mesmo tempo, a potência logística que o setor privado pode mobilizar quando opera de forma coordenada.

A manhã terminou com um tour técnico pelo interior do JAQ H1, guiado por Davi Lopes, líder de negócios da GWM Hydrogen no Brasil e América Latina. Lopes explicou o funcionamento do sistema híbrido que combina células a combustível de hidrogênio e energia elétrica. Ao reagir com oxigênio, o hidrogênio gera eletricidade e libera apenas água como subproduto, sem emissões e sem ruídos que interfiram no ambiente ao redor. Para ele, o barco representa não só o futuro da navegação limpa, mas uma vitrine de como a tecnologia pode servir à reconstrução de territórios afetados pelas mudanças climáticas.

O encontro deixou claro que a resiliência climática não nasce apenas de diagnósticos alarmantes, mas de alianças concretas. E, no convés do JAQ H1, a mensagem ecoou com força: enfrentar desastres exige ciência, ação rápida, redes confiáveis e, sobretudo, a disposição de aprender continuamente com cada crise. O barco segue viagem, mas o debate que ele abrigou seguirá navegando muito além da COP30.

Pará reforça agricultura sustentável em visita à AgriZone

A presença do governador do Pará, Helder Barbalho, na AgriZone durante a COP30 marcou um gesto político e simbólico de afirmação: a agricultura da Amazônia pode – e precisa – trilhar um caminho de inovação alinhada ao clima. No espaço organizado pela Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária (Embrapa), em Belém, o governador reforçou que o agronegócio brasileiro tem condições de se posicionar como referência mundial em produção sustentável, mostrando ao mundo que desenvolvimento e preservação não são forças opostas, mas engrenagens da mesma transformação.

A AgriZone foi pensada como uma vitrine, uma arena em que ciência, tecnologia e práticas produtivas de baixo carbono se encontram para dialogar com governos, produtores, pesquisadores e lideranças sociais. Inserida na programação paralela da 30ª Conferência das Nações Unidas sobre Mudanças Climáticas (COP30), o espaço funciona como um laboratório vivo de possibilidades para uma agricultura resiliente ao clima, apresentando soluções que vão do manejo inteligente de culturas à automação voltada à redução de impactos ambientais.

Helder Barbalho percorreu os estandes ao lado do ministro da Agricultura e Pecuária, Carlos Fávaro, representando o compromisso conjunto entre o Governo do Pará e o Governo Federal. O descerramento da placa que oficializou a AgriZone simbolizou a abertura de um ambiente preparado para demonstrar, para um público global, as inovações construídas pela ciência brasileira. Para Barbalho, trata-se de um momento histórico, resultado de uma estratégia articulada entre o Estado, o Ministério da Agricultura e a Embrapa, que possibilitou a criação de um espaço reconhecido dentro do ecossistema da COP.

O governador destacou ainda que o Brasil ocupa um papel central na segurança alimentar global. Essa posição, segundo ele, deve vir acompanhada de responsabilidade ambiental e capacidade de inovação. Produzir alimentos em grande escala já não basta: é preciso produzir bem, com tecnologias que reduzam emissões, preservem recursos naturais e se adaptem às novas exigências climáticas. Para Barbalho, essa combinação é a chave para manter o país como player estratégico e respeitado nas discussões sobre o futuro da terra.

Entre as tecnologias apresentadas, uma chamou atenção pela síntese que representa entre tradição e modernidade amazônica: um robô projetado para colher açaí sem que o trabalhador precise escalar o açaizeiro. A máquina sobe pelos troncos e corta os cachos, reduzindo riscos, aumentando a produtividade e trazendo um salto de modernização para um dos produtos mais emblemáticos da região. É uma amostra de como a tecnologia pode fortalecer cadeias extrativistas sem descaracterizar sua identidade territorial.

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Foto: Marcelo Lelis / Ag. Pará

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A comitiva também visitou o estande do Sebrae, que levou para o espaço um viveiro com hortaliças e ervas cultivadas sem agrotóxicos. A proposta reforça a adoção de práticas agroecológicas que ampliam a produção local, favorecem a saúde dos consumidores e reduzem pressões ambientais. Esse tipo de iniciativa mostra como pequenas soluções, quando replicadas em escala, podem transformar a relação entre produção agrícola, mercado e cuidado com o solo.

A AgriZone se consolidou como um ponto de encontro entre ciência e política pública, entre saberes técnicos e demandas territoriais. Ao olhar para tecnologias e modelos de produção que reduzem impactos climáticos, o espaço aponta caminhos para uma agricultura que não apenas responde ao presente, mas antecipa o futuro. Nesse cenário, a atuação conjunta entre o governo estadual, o governo federal e instituições científicas mostra que a transição para uma agricultura de baixo carbono não é uma agenda isolada, mas uma construção coletiva.

A participação do Pará, estado que carrega o peso simbólico de sediar a COP30 no coração da Amazônia, reforça uma mensagem clara: a região quer ser protagonista de um novo modelo de desenvolvimento. Um modelo que define o clima não como entrave, mas como horizonte. A AgriZone se soma a esse movimento ao colocar em evidência soluções que fortalecem a resiliência climática, estimulam a inovação e valorizam o papel da ciência na construção de uma agricultura capaz de prosperar em um mundo em transformação.