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Maranhão avança na construção de nova política de saúde rural

O Maranhão reforçou seu compromisso com a ampliação do acesso à saúde para populações rurais, ribeirinhas, extrativistas e de territórios tradicionais ao promover, no dia 18 de novembro, um webnário dedicado à criação da Política de Atenção Integral à Saúde das Populações do Campo, da Floresta e das Águas. A iniciativa foi organizada pela Superintendência da Atenção Primária em Saúde da Secretaria de Estado da Saúde (SES) e reuniu gestores, especialistas e representantes de movimentos sociais em torno de um desafio comum: garantir que o Sistema Único de Saúde alcance comunidades que, historicamente, permanecem distantes das estruturas formais de atenção.

Realizado de forma online, o encontro buscou aprofundar o debate sobre as especificidades dessas populações, reconhecendo que fatores como distância geográfica, precariedade de transporte, ausência de unidades de saúde em funcionamento e fragilidade das equipes interferem diretamente no direito ao cuidado. A política estadual em construção, portanto, nasce como instrumento para enfrentar desigualdades antigas e persistentes.

O superintendente da Atenção Primária, Willian Vieira, destacou que o trabalho vem sendo conduzido a partir de escutas territoriais, integração entre vigilância e atenção básica e fortalecimento das equipes que atuam nas zonas rurais. Segundo ele, é essencial que as ações de saúde dialoguem com os modos de vida que estruturam o interior maranhense, garantindo que o cuidado chegue de maneira contínua, culturalmente sensível e territorializada.

Os debates do webnário aprofundaram esse horizonte. A programação reuniu mesas dedicadas a três eixos centrais: a construção da política estadual; o papel dos programas sociais no enfrentamento das desigualdades; e a relevância da Estratégia Saúde da Família para sustentar o cuidado em regiões rurais e ribeirinhas. Em cada discussão, retornava a ideia de que saúde, para essas populações, depende tanto de acesso a serviços quanto de reconhecimento de sua identidade, cultura e organização comunitária.

A aula magna foi ministrada por Larissa Vieira Barros, coordenadora de Atenção às Populações em Situação de Vulnerabilidade da Secretaria de Atenção Primária à Saúde do Ministério da Saúde. Ela destacou que implementar a política é um processo desafiador, exigindo a articulação entre governos, movimentos sociais e trabalhadores do SUS. Larissa enfatizou a necessidade de políticas que incorporem os princípios de equidade, participação social e respeito às particularidades de gênero, geração, raça, etnia e orientação sexual.

Cartilha-inedita-orienta-maes-e-pais-sobre-efeitos-das-mudancas-climaticas-na-saude-das-criancas-brasileiras-1024x538-1-400x210 Maranhão avança na construção de nova política de saúde rural
Reprodução

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Durante o evento, dados do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) reforçaram a dimensão da responsabilidade pública: o Censo Agropecuário de 2017 registrou no Maranhão quase 693 mil agricultores, 688 mil pescadores, mais de 2 mil aquicultores e cerca de 300 mil quebradeiras de coco. Essas populações, fundamentais para a economia e para a preservação de práticas tradicionais, compõem um mosaico social que necessita de políticas específicas — e não apenas de adaptações das estruturas urbanas.

A pesquisadora Cibele Lima dos Santos, do Ministério da Saúde, reforçou que ampliar o acesso é apenas uma parte da solução. Para ela, a formação e sensibilização dos profissionais que atuarão nesses territórios é essencial para evitar exclusões e para garantir que o cuidado seja efetivamente resolutivo. Compreender a vida cotidiana das comunidades rurais e ribeirinhas — suas rotinas, sazonalidades e formas de organização — deve ser o ponto de partida para qualquer política.

Gersina Vieira Marques, representante do Polo Sindical da Regional Mearim e secretária da Federação dos Trabalhadores Rurais, Agricultores e Agricultoras Familiares do Estado do Maranhão (FETAEMA), reforçou a necessidade de diálogo contínuo. Ela relatou que, em diversos municípios, unidades de saúde ainda enfrentam dificuldades para funcionar plenamente, o que impacta especialmente as mulheres, que seguem encontrando barreiras para realizar exames preventivos e acessar ações básicas de saúde. Segundo Gersina, a preservação ambiental também deve ser considerada parte do cuidado, já que territórios degradados afetam diretamente a saúde das comunidades que deles dependem.

Ao final, o webnário apontou caminhos para consolidar uma política estadual robusta, capaz de integrar diferentes setores do governo e da sociedade civil. A intersetorialidade, assumida como princípio central, reforça que saúde, no contexto rural e tradicional, precisa ser construída a partir do território, com participação social, reconhecimento de identidades e compromisso contínuo com a equidade.

Ibama avança na proteção de quelônios com ação no Pará

O Tabuleiro de Monte Cristo, no município de Aveiro, no oeste do Pará, tornou-se por duas semanas o epicentro de um dos mais importantes encontros de conservação da fauna amazônica. Entre 28 de outubro e 9 de novembro, o Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (Ibama) realizou a reunião nacional do Programa Quelônios da Amazônia (PQA), reunindo coordenadores estaduais, especialistas e parceiros para discutir avanços administrativos e colocar em prática técnicas fundamentais de manejo, monitoramento e pesquisa de quelônios.

A programação uniu, em um mesmo espaço, a Reunião Anual do Comitê Técnico Permanente do PQA e um treinamento intensivo em campo. Participaram representantes do Amapá, Rondônia, Roraima, Tocantins, Goiás, Pará e Mato Grosso, além da equipe nacional do Programa e convidados da Fundação Nacional dos Povos Indígenas (Funai). A presença de servidores experientes, pesquisadores e comunidades parceiras consolidou o encontro como um marco de integração entre conhecimento técnico e prática tradicional.

No primeiro eixo de atividades, o foco recaiu sobre decisões e alinhamentos que moldarão os próximos anos do Programa. Uma das discussões centrais tratou do georreferenciamento de áreas e tabuleiros monitorados pelo PQA. Essa etapa é parte do esforço para atualizar o marco normativo que orienta ações de conservação, atualmente baseado na antiga Portaria SUDEPE nº 24/1987. Com informações mais precisas e ferramentas digitais modernas, o Ibama busca aprimorar o ordenamento das áreas prioritárias e fortalecer a proteção de ambientes essenciais à reprodução de espécies como a Podocnemis expansa.

Outro ponto relevante do encontro foi o fortalecimento do Programa de Voluntariado. Em dezenas de praias e tabuleiros amazônicos, a atuação de voluntários tem sido decisiva para vigilância de ninhos, proteção contra a captura ilegal e mobilização comunitária. Ampliar essa rede significa aumentar a presença humana em locais estratégicos, garantindo mais segurança ao ciclo reprodutivo das tartarugas.

Também entrou em debate a elaboração de novos Acordos de Cooperação Técnica com instituições parceiras. O PQA tem reconhecida reputação nacional e internacional e, ao consolidar parcerias formais, fortalece intercâmbio científico, amplia financiamento e integra diferentes competências em prol da conservação.

Fechando o bloco administrativo, os coordenadores dedicaram cerca de dez horas à construção de um Procedimento Operacional Padrão para monitoramento populacional e reprodutivo. O objetivo é sistematizar, atualizar e tornar públicos os protocolos — básicos, intermediários e avançados — que colocaram o Programa entre as referências continentais em conservação de quelônios.

7516f114-fade-4d36-9210-fc7b6569e012-400x181 Ibama avança na proteção de quelônios com ação no Pará
Foto: PQA/DBFlo/Ibama

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Se o primeiro momento do encontro foi de planejamento, o segundo se dedicou ao campo. Realizar o treinamento no Tabuleiro de Monte Cristo, durante o período reprodutivo da Podocnemis expansa, permitiu vivenciar a rotina real das equipes envolvidas na proteção de ninhos e no estudo das populações. Antes mesmo do nascer do sol, os coordenadores já acompanhavam as fêmeas que haviam feito a postura durante a madrugada. Na luz suave da manhã amazônica, iniciavam-se as atividades de biometria de ninhos e indivíduos, manejo dos ovos e identificação de áreas sensíveis.

Uma parte essencial do treinamento envolveu o uso de tecnologias modernas para aprofundar o conhecimento sobre o comportamento das espécies. Foram instalados dataloggers nos ninhos, equipamentos que monitoram variações de temperatura ao longo do desenvolvimento embrionário. Esses dados ajudam a entender padrões de eclosão, taxas de sobrevivência e efeitos de mudanças ambientais.

Em outro momento, seis tartarugas adultas receberam transmissores via satélite (GPS) ou rádio VHF. A cada subida à superfície para respirar, os dispositivos enviam dados sobre deslocamento, permitindo mapear rotas migratórias, áreas de descanso e locais de alimentação. Esses registros ajudam a esclarecer lacunas históricas sobre o comportamento das populações e servem de base para a criação de novas estratégias de proteção de habitats.

Como manda a tradição do Programa, cada tartaruga equipada recebeu o nome de uma das coordenadoras presentes. Cris, Mari, Edelin, Soryane, Cíntia e Mônica agora representam não apenas indivíduos monitorados, mas também o simbolismo de um trabalho que une ciência, compromisso e identidade coletiva.

Segundo o coordenador nacional do PQA, Edelin Ribas, o objetivo é claro: entender com profundidade a vida desses animais para garantir sua sobrevivência em um cenário de pressões crescentes sobre os ecossistemas amazônicos. Conhecer o percurso de uma tartaruga ao longo de meses ou anos significa compreender caminhos de conservação que vão muito além do tabuleiro onde tudo começa.

O encontro no Tabuleiro de Monte Cristo reforça que proteger quelônios não é apenas preservar uma espécie. É defender a integridade de rios, praias, comunidades tradicionais e todo um mosaico ecológico que depende da saúde desses animais para permanecer equilibrado.

Pará destaca monitoramento ambiental como eixo da mitigação

Na COP30, em Belém, o governo do Pará voltou a colocar o monitoramento ambiental no centro do debate climático ao apresentar, no Pavilhão Pará, um painel dedicado às ferramentas que estruturam a preparação e a resposta do Estado a eventos extremos. A iniciativa, conduzida pela Secretaria de Meio Ambiente, Clima e Sustentabilidade do Pará (Semas), evidenciou como dados, tecnologia e vigilância constante se tornaram instrumentos decisivos para reduzir riscos, orientar políticas públicas e fortalecer a resiliência territorial diante da emergência climática.

O painel Monitoramento Hidrometeorológico e de Qualidade do Ar realizado pelo Estado do Pará, como ferramenta de preparação, mitigação aos impactos e redução de riscos frente aos desastres naturais partiu de um diagnóstico claro: as mudanças climáticas já estão alterando o cotidiano da região amazônica, e a gestão pública precisa antecipar tendências, prever perigos e agir de forma coordenada para evitar perdas humanas, ambientais e econômicas.

A apresentação estruturou-se em três pilares. O primeiro é o monitoramento hidrometeorológico, que acompanha condições de tempo, clima e comportamento dos rios. Essas informações são particularmente sensíveis no Pará, onde a vida urbana, rural e comunitária depende do regime hídrico. Historicamente, a Amazônia sempre conviveu com períodos de cheia e vazante, mas eventos recentes mostram uma aceleração das anomalias climáticas. Entre 2023 e 2024, por exemplo, o Estado enfrentou uma das secas mais severas de sua história moderna. A estiagem prolongada afetou navegação, abastecimento de água, economia e segurança alimentar em dezenas de municípios. O coordenador de Monitoramento Ambiental da Semas, Antônio Sousa, lembrou que esse cenário exigiu respostas rápidas, com reforço da vigilância dos níveis dos rios e ajustes no planejamento para minimizar impactos.

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Foto: Divulgação

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O segundo pilar é o monitoramento da qualidade do ar, fundamental para proteger a saúde pública. Em uma região onde queimadas ainda são um desafio recorrente, a circulação de fumaça pode gerar crises respiratórias, comprometer deslocamentos e criar períodos prolongados de insalubridade, especialmente para populações vulneráveis. As ferramentas da Semas buscam oferecer alertas rápidos, permitindo que autoridades municipais, unidades de saúde e órgãos ambientais preparem ações preventivas.

O terceiro eixo se concentra nos focos de queimadas. A leitura em tempo real e a geração de alertas sobre incêndios florestais permitem que equipes de resposta atuem de forma mais ágil. As informações também são cruciais para orientar operações de comando e controle, além de embasar medidas educativas e preventivas.

Esses três sistemas convergem para um objetivo comum: transformar dados em capacidade de reação e, quando possível, de prevenção. O caso da seca de 2024 ilustra o peso desse trabalho. Com os sensores e análises indicando agravamento das condições no leste do Pará, o governo intensificou o planejamento de ações emergenciais e orientou municípios sobre riscos específicos. Essa capacidade de antecipação diminui danos e reforça a segurança da população.

A atuação estadual também tem gerado resultados expressivos no combate ao fogo. Segundo o Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe), o Pará registrou, em agosto de 2025, uma queda de 90,5 por cento nos focos de incêndios florestais em comparação com o mesmo período de 2024. Esse desempenho foi construído a partir da combinação entre monitoramento constante, operações de comando e controle mais robustas e coordenação direta entre órgãos ambientais, forças de segurança e governos municipais.

Especialistas destacam que essa redução não é fruto apenas de tecnologia, mas de um alinhamento estratégico mais amplo. O Pará vem consolidando uma política de mitigação climática que integra monitoramento, fiscalização, planejamento territorial, resposta rápida e pactos com atores locais. Essa abordagem reforça a percepção de que enfrentar a crise climática exige tanto instrumentos técnicos sofisticados quanto decisões políticas firmes, capazes de colocar a proteção ambiental como prioridade de Estado.

Durante a COP30, a presença do Pará com iniciativas como esse painel demonstra uma tentativa de construir um modelo amazônico de gestão climática baseado em evidências, participação e análise contínua do território. A lógica é simples: quanto mais se conhece o ambiente, maior é a possibilidade de agir antes que a crise se instale.

Ao final do painel, ficou evidente que o monitoramento hidrometeorológico, da qualidade do ar e dos focos de incêndio não são apenas atividades técnicas — são o coração da estratégia de mitigação e adaptação do Pará. Em uma Amazônia em transformação acelerada, a informação tornou-se a linha tênue entre vulnerabilidade e resiliência.

Novo rascunho da COP30 avança, mas deixa lacunas críticas

O avanço das negociações da COP30 ganhou novos contornos nesta sexta-feira com a divulgação de uma versão atualizada do rascunho do chamado Pacote de Belém, apresentada pelo UNFCCC. O documento inclui agora um anexo com 59 indicadores previstos para compor a Meta Global de Adaptação, um passo que reconhece a necessidade crescente de alinhar políticas e monitoramento diante do agravamento dos impactos climáticos. Ainda assim, a revisão abriu mais perguntas do que respostas, especialmente entre organizações ambientais e especialistas que acompanham de perto cada linha dessas negociações.

A primeira reação partiu do Observatório do Clima. Para a rede, os textos seguem desequilibrados, acumulando avanços tímidos e mantendo lacunas que, na avaliação das entidades, não podem ser aceitas como resultado final da conferência. A crítica mais incisiva mira a ausência de diretrizes claras para uma transição global que reduza a dependência dos combustíveis fósseis. Apesar da pressão política liderada pelo presidente Luiz Inácio Lula da Silva e endossada por 82 países, o rascunho evita qualquer referência explícita à necessidade de “transição para longe dos combustíveis fósseis”. Para as entidades, esse silêncio pesa: a expressão simplesmente não aparece em nenhum dos 13 documentos divulgados até agora.

Esse vazio, afirmam, não é coincidência. Organizações apontam a influência crescente de representantes da indústria fóssil credenciados para a COP30, que atingiram a marca recorde de 1.602 participantes — o maior contingente proporcional desde que esses dados começaram a ser compilados. Segundo o Observatório do Clima, foi essa pressão que empurrou para fora do documento as propostas de roteiros para eliminar gradualmente tanto o uso de combustíveis fósseis quanto o desmatamento. A avaliação é direta: os roadmaps sucumbiram aos interesses de países petroleiros e grupos econômicos que resistem a mudanças estruturais.

Outro ponto sensível é a discussão sobre as metas de emissões definidas pelas NDCs (Contribuições Nacionalmente Determinadas). A revisão dessas metas deveria lidar com a lacuna que ainda impede o cumprimento do limite de aquecimento global de 1,5 grau. No entanto, a nova versão do Pacote de Belém não trouxe qualquer passo concreto. Em vez disso, transformou a resposta à falta de ambição climática em um relatório a ser produzido nos próximos três anos, sem previsão de medidas vinculantes ou de ajuste imediato. Para países insulares e regiões altamente vulneráveis, que enfrentam literalmente a elevação do mar sobre seus territórios, esse adiamento representa um risco existencial.

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Divulgação – COP30

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Apesar das críticas, algumas decisões foram recebidas como sinais de avanço. A criação de um mecanismo de transição justa — ainda embrionário — e a adoção dos indicadores da Meta Global de Adaptação marcaram pontos positivos. No entanto, especialistas apontam desconexões importantes, especialmente a falta de articulação entre a transição energética e o próprio Programa de Trabalho de Transição Justa (JTWP).

Para Mauricio Voivodic, diretor-executivo do WWF-Brasil, o JTWP falha ao não apresentar propostas robustas para eliminar combustíveis fósseis ou frear o desmatamento. Ainda assim, o texto incorpora elementos relevantes, como a previsão de consulta prévia, livre e informada a povos indígenas e comunidades tradicionais antes de qualquer ação que envolva seus territórios. Para Voivodic, esse reconhecimento reforça um princípio essencial: não há justiça climática sem justiça territorial.

Na área de adaptação, especialistas do Instituto Talanoa identificaram avanços técnicos importantes. Daniel Porcel destaca que os indicadores anexados representam um passo ao reconhecer que o financiamento público internacional deverá vir de países desenvolvidos para os em desenvolvimento — um dos pilares históricos da negociação climática. Além disso, a criação do “processo de Belém até Addis”, que conduz as discussões até a COP32, na Etiópia, estabelece uma base para alinhar políticas e avaliar salvaguardas na implementação dos indicadores de adaptação.

No entanto, mesmo esse progresso esbarra na ausência de uma nova meta financeira clara. O texto menciona a intenção de triplicar os recursos destinados à adaptação, mas não apresenta mecanismos, fontes nem cronogramas. Sem esse lastro, alertam especialistas, a ambição em outras áreas permanece travada. Benjamin Abraham, também do Instituto Talanoa, destaca que o financiamento é o eixo que destrava avanços: sem ele, os países em desenvolvimento não conseguem assumir compromissos mais ambiciosos nem adequar seus planos nacionais às exigências da ciência.

A nova versão do Pacote de Belém representa, portanto, um momento híbrido: combina sinais de avanço político e técnico com omissões que podem comprometer o impacto concreto da conferência. Com a COP30 se aproximando de sua reta final, o desafio das delegações será transformar esse rascunho — ainda permeado por fissuras — em um acordo capaz de refletir a urgência da crise climática e a responsabilidade compartilhada entre países, setores econômicos e sociedades.

Após incêndio, COP30 deve prolongar negociações em Belém

O incêndio que atingiu um estande na Zona Azul da 30ª Conferência das Nações Unidas sobre Mudanças Climáticas provocou mais do que fumaça e correria na tarde de quinta-feira em Belém. O episódio acabou interferindo diretamente no ritmo das negociações e obrigou uma reavaliação do cronograma da COP30, evento organizado pela Convenção-Quadro das Nações Unidas sobre Mudança do Clima, parte do sistema da Organização das Nações Unidas. A área atingida, peça central das tratativas multilaterais, chegou a ser evacuada, e os trabalhos só puderam ser retomados à noite, quando a segurança foi restabelecida.

Foi nesse intervalo que o presidente da COP30, o diplomata brasileiro André Corrêa do Lago, concedeu uma entrevista à TV Brasil para comentar o impacto do incidente sobre um processo já naturalmente tenso e complexo. Às vésperas do encerramento oficial, inicialmente previsto para sexta-feira, ele foi categórico ao reconhecer que a conferência deve se estender além do planejado para garantir que as negociações avancem com o cuidado necessário.

Segundo Corrêa do Lago, a equipe organizadora passou a noite de quinta-feira reorganizando agendas, reestruturando consultas e acionando canais alternativos de diálogo para evitar que o imprevisto contaminasse o horizonte das discussões. Durante algumas horas, diplomatas trabalharam online e por telefone, numa tentativa de manter a linha do tempo das decisões sem comprometer a natureza presencial e sensível das conversas que definem, ponto a ponto, os compromissos climáticos internacionais.

O presidente da conferência destacou que a reabertura da Zona Azul permitirá a retomada das reuniões formais desde as primeiras horas da manhã desta sexta. Mas relativizou qualquer previsão rígida de encerramento. As conferências do clima, lembrou ele, têm um histórico de ultrapassar seus prazos oficiais, seja por divergências de última hora, seja pela necessidade de acomodar as demandas de grupos regionais diversos. O incêndio, portanto, entrou como mais um fator num ambiente já marcado por tensões geopolíticas e disputas sobre financiamento climático.

paises_formam_bloco_em_apoio_ao_mapa_do_caminho_para_eliminacao_dos_fosseis_na_cop30-1-400x239 Após incêndio, COP30 deve prolongar negociações em Belém
Divulgação – COP30

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Corrêa do Lago explicou que a complexidade das negociações não decorre apenas dos aspectos técnicos, mas também do cenário internacional, que vive um momento de fragmentação e desconfiança entre blocos. Questões como a eliminação dos combustíveis fósseis, o financiamento para adaptação e os mecanismos de perdas e danos seguem sendo tratadas como pilares essenciais de qualquer acordo final. Porém, cada um desses temas envolve interesses econômicos profundos, pressões domésticas e interpretações divergentes sobre responsabilidades históricas.

Apesar do cenário desafiador, o diplomata se mostrou otimista. Há uma vontade perceptível de construir um resultado ambicioso, afirmou ele, e isso faz diferença. Nos bastidores, equipes se movimentam para elaborar textos de consenso capazes de oferecer respostas à altura da crise climática. A conferência realizada em Belém ganha importância adicional por ocorrer na Amazônia, região emblemática da biodiversidade global e ao mesmo tempo vulnerável às pressões de desmatamento, mudanças no regime de chuvas e degradação ambiental.

Os próximos passos dependem da capacidade de costurar acordos nos bastidores. Ainda na tarde de sexta, Corrêa do Lago espera ter uma noção mais clara de quando a COP30 poderá ser concluída, embora reconheça que o prolongamento é a regra e não a exceção. Em sua avaliação, forçar o encerramento sem amadurecer as negociações seria pior do que estender os trabalhos por mais algumas horas – ou dias.

O presidente da COP30 alertou também para o risco de um resultado aquém do esperado descredibilizar o multilateralismo. Se a conferência falhar em produzir avanços concretos, argumentou ele, a percepção pública sobre a efetividade das negociações climáticas pode sofrer um impacto sério, alimentando narrativas de descrença e paralisia política. No entanto, um bom acordo – mesmo que atrasado – pode influenciar de forma decisiva a vida das pessoas ao orientar políticas públicas, destravar investimentos e incentivar ações mais rápidas por parte dos governos.

A sensação entre os participantes é de que o incêndio foi um contratempo importante, mas não suficiente para desviar o curso de uma conferência que já vinha marcada por expectativas elevadas. A COP30 segue, agora com um ritmo mais cuidadoso, tentando conciliar urgência com profundidade. O cronograma pode escorregar, mas o objetivo central permanece firme: entregar uma resposta coletiva capaz de enfrentar o momento climático mais decisivo da história contemporânea.

Trabalhos da COP30 seguem após incêndio e negociações avançam

A manhã desta sexta-feira começou diferente na Zona Azul da 30ª Conferência das Nações Unidas sobre Mudanças Climáticas, a COP30. Depois do incêndio que atingiu parte dos pavilhões nacionais na tarde anterior, a área central de negociações reabriu cedo para garantir que os trabalhos seguissem o mais próximo possível do cronograma original. Às 9 horas, algumas salas voltaram a receber delegações, técnicos e observadores, num movimento que misturava esforço de retomada e clima de urgência.

A Zona Azul, espaço administrado pela própria Organização das Nações Unidas por meio da Convenção-Quadro da ONU sobre Mudança do Clima, abriga os grupos de trabalho que tratam das decisões políticas globais, incluindo temas como financiamento climático, adaptação, perdas e danos e o mapa do caminho para eliminação gradual dos combustíveis fósseis. É ali que se definem, linha a linha, os compromissos que moldam a trajetória do planeta. Por isso, o incidente gerou preocupação imediata entre os países, que viram a dinâmica das conversas ser parcialmente interrompida.

A área atingida, composta pelos pavilhões nacionais, permanecerá totalmente isolada até o encerramento da conferência. A Empresa Brasil de Comunicação, responsável pela cobertura oficial do evento por meio da EBC e da TV Brasil, informou que as delegações foram orientadas a reorganizar sua atuação para evitar aglomerações e garantir a segurança no restante do espaço.

Na noite de quinta-feira, o presidente da COP30, o diplomata brasileiro André Corrêa do Lago, confirmou que a paralisação inesperada afetará o andamento das negociações. Segundo ele, será necessário estender a programação para que todos os pontos cruciais sejam analisados com o tempo e o cuidado exigidos. Embora o encerramento estivesse inicialmente previsto para esta própria sexta-feira, a possibilidade de prorrogação já era considerada, uma vez que as conferências do clima costumam ultrapassar o prazo oficial.

Em entrevista à TV Brasil, Corrêa do Lago reforçou que o objetivo permanece o mesmo: alcançar um resultado robusto, capaz de orientar governos e sociedades na transição urgente para um modelo econômico compatível com a meta de limitar o aquecimento global a 1,5°C. Ele lembrou que as negociações climáticas raramente são simples, sobretudo porque envolvem interesses energéticos, disputas históricas e responsabilidades diferenciadas entre países ricos e em desenvolvimento.

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Foto: Sergio Moraes/COP30

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A complexidade se amplia quando a conferência entra nas últimas horas. É nesse momento que os países pressionam por ajustes finais, apresentam contrapropostas e buscam incluir detalhes que, mais adiante, podem influenciar o caráter vinculante ou a força política das decisões. O incêndio, portanto, surgiu como um imprevisto num tabuleiro já delicado, exigindo que diplomatas e técnicos reavaliassem estratégias e reorganizassem agendas.

Ainda assim, a retomada rápida dos trabalhos nesta sexta-feira demonstrou uma determinação coletiva em evitar que o incidente se torne um obstáculo maior. Os corredores da Zona Azul registraram movimento intenso, com delegados circulando entre reuniões bilaterais, consultas informais e sessões plenárias abreviadas. Havia, ao mesmo tempo, um ar de prudência e um senso de missão: concluir a COP30 com um pacote de decisões que traduza a urgência do momento climático global.

A extensão da conferência, embora ainda sem data de encerramento definida, é vista por alguns negociadores como uma oportunidade. Prolongar os debates permite que países construam consensos mais sólidos e evitem soluções apressadas. Para outros, no entanto, a prorrogação adiciona desgaste às delegações e pode aumentar tensões já evidentes em assuntos como a eliminação dos combustíveis fósseis, o financiamento para adaptação e os mecanismos de compensação por perdas e danos.

Corrêa do Lago destacou que o mais importante é assegurar que as resoluções da COP30 tenham impacto real na vida das pessoas. Uma conferência climática, reforçou ele, não é um fim em si mesma: seu valor está no potencial de orientar políticas públicas, estimular investimentos e influenciar decisões nacionais. Independentemente da data final, o compromisso maior permanece o mesmo: construir uma resposta global capaz de enfrentar a crise climática com responsabilidade, realismo e ambição.

No fim da manhã, o clima entre delegados era de trabalho intenso, mas também de resiliência. O incêndio trouxe sobressaltos, mas não desviou o foco central. A COP30 segue adiante, consciente de que cada hora de negociação pode definir o futuro climático de uma geração inteira.

Barco a hidrogênio vira palco de debate sobre resiliência

O amanhecer em Belém encontrou, na Estação das Docas, uma embarcação que resume o espírito da COP30: o JAQ H1, um barco movido a hidrogênio verde que funciona como laboratório flutuante para a transição energética. Ali, ancorado diante do vai e vem da capital paraense, o barco recebeu um encontro organizado pelo Movimento União BR, reunindo representantes do setor privado, de fundações e de empresas comprometidas com respostas rápidas e eficazes aos desastres climáticos.

A líder do projeto, Cila Schulman, apresentou o futuro da embarcação durante a abertura do evento. Desenvolvido em parceria com o Grupo Náutica, o JAQ H1 deverá cruzar o litoral brasileiro até o Rio de Janeiro ao fim da conferência, simbolizando uma ponte entre inovação tecnológica e ação humanitária. Segundo ela, a embarcação será apenas o início: dois barcos semelhantes devem ser destinados posteriormente à pesquisa ambiental em diferentes biomas, ampliando o alcance científico da iniciativa. Outro avanço anunciado foi a capacidade de produzir hidrogênio a bordo, tornando o navio ainda mais autossuficiente.

O encontro dentro do barco-escola, projetado para se tornar um espaço de difusão de práticas de adaptação climática, funcionou como uma espécie de laboratório social. Tatiana Monteiro de Barros e Marcella Coelho, cofundadoras do União BR, conduziram o debate com o objetivo de mostrar como alianças sólidas entre sociedade civil, empresas e governos se tornaram fundamentais num país em que eventos extremos se multiplicam. A conversa, conduzida em tom franco e pragmático, mapeou o que dá certo, o que ainda é insuficiente e quais são os caminhos para fortalecer a resiliência das comunidades mais vulneráveis.

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União BR – Divulgação

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Entre as vozes presentes, Luciana Nicola, diretora de Relações Institucionais e Sustentabilidade do Itaú Unibanco, destacou o papel estratégico da ONG parceira. Em situações de emergência, explicou, o União BR opera como o braço de resposta imediata do banco. É uma atuação que começa no chamado Day Zero e segue em etapas posteriores, quando o desastre sai das manchetes, mas a reconstrução real apenas começa. Para ela, a capacidade de articulação do movimento se provou essencial em crises recentes, como as enchentes no Rio Grande do Sul, a tragédia no Litoral Norte paulista e tornados que atingiram cidades do Paraná.

No mesmo painel, Malu Nunes, diretora da Fundação Grupo Boticário, reforçou a importância de redes colaborativas para que a ajuda chegue a quem de fato precisa. Ela apresentou também uma plataforma criada pela instituição para apoiar gestores municipais na implementação de soluções baseadas na natureza — uma ferramenta pensada para prefeitos que buscam preparar suas cidades diante da nova realidade climática: chuvas mais intensas, secas prolongadas e um ciclo de impactos cada vez mais imprevisível.

Outra frente de apoio foi apresentada por Raquel Argentino, responsável por Sustentabilidade e Impacto Social da Latam Brasil, que trouxe números impressionantes: mais de 800 toneladas de doações transportadas pelo programa Avião Solidário em situações de emergência dentro e fora do país. O dado revela a escala crescente das crises ambientais e, ao mesmo tempo, a potência logística que o setor privado pode mobilizar quando opera de forma coordenada.

A manhã terminou com um tour técnico pelo interior do JAQ H1, guiado por Davi Lopes, líder de negócios da GWM Hydrogen no Brasil e América Latina. Lopes explicou o funcionamento do sistema híbrido que combina células a combustível de hidrogênio e energia elétrica. Ao reagir com oxigênio, o hidrogênio gera eletricidade e libera apenas água como subproduto, sem emissões e sem ruídos que interfiram no ambiente ao redor. Para ele, o barco representa não só o futuro da navegação limpa, mas uma vitrine de como a tecnologia pode servir à reconstrução de territórios afetados pelas mudanças climáticas.

O encontro deixou claro que a resiliência climática não nasce apenas de diagnósticos alarmantes, mas de alianças concretas. E, no convés do JAQ H1, a mensagem ecoou com força: enfrentar desastres exige ciência, ação rápida, redes confiáveis e, sobretudo, a disposição de aprender continuamente com cada crise. O barco segue viagem, mas o debate que ele abrigou seguirá navegando muito além da COP30.

Pará reforça agricultura sustentável em visita à AgriZone

A presença do governador do Pará, Helder Barbalho, na AgriZone durante a COP30 marcou um gesto político e simbólico de afirmação: a agricultura da Amazônia pode – e precisa – trilhar um caminho de inovação alinhada ao clima. No espaço organizado pela Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária (Embrapa), em Belém, o governador reforçou que o agronegócio brasileiro tem condições de se posicionar como referência mundial em produção sustentável, mostrando ao mundo que desenvolvimento e preservação não são forças opostas, mas engrenagens da mesma transformação.

A AgriZone foi pensada como uma vitrine, uma arena em que ciência, tecnologia e práticas produtivas de baixo carbono se encontram para dialogar com governos, produtores, pesquisadores e lideranças sociais. Inserida na programação paralela da 30ª Conferência das Nações Unidas sobre Mudanças Climáticas (COP30), o espaço funciona como um laboratório vivo de possibilidades para uma agricultura resiliente ao clima, apresentando soluções que vão do manejo inteligente de culturas à automação voltada à redução de impactos ambientais.

Helder Barbalho percorreu os estandes ao lado do ministro da Agricultura e Pecuária, Carlos Fávaro, representando o compromisso conjunto entre o Governo do Pará e o Governo Federal. O descerramento da placa que oficializou a AgriZone simbolizou a abertura de um ambiente preparado para demonstrar, para um público global, as inovações construídas pela ciência brasileira. Para Barbalho, trata-se de um momento histórico, resultado de uma estratégia articulada entre o Estado, o Ministério da Agricultura e a Embrapa, que possibilitou a criação de um espaço reconhecido dentro do ecossistema da COP.

O governador destacou ainda que o Brasil ocupa um papel central na segurança alimentar global. Essa posição, segundo ele, deve vir acompanhada de responsabilidade ambiental e capacidade de inovação. Produzir alimentos em grande escala já não basta: é preciso produzir bem, com tecnologias que reduzam emissões, preservem recursos naturais e se adaptem às novas exigências climáticas. Para Barbalho, essa combinação é a chave para manter o país como player estratégico e respeitado nas discussões sobre o futuro da terra.

Entre as tecnologias apresentadas, uma chamou atenção pela síntese que representa entre tradição e modernidade amazônica: um robô projetado para colher açaí sem que o trabalhador precise escalar o açaizeiro. A máquina sobe pelos troncos e corta os cachos, reduzindo riscos, aumentando a produtividade e trazendo um salto de modernização para um dos produtos mais emblemáticos da região. É uma amostra de como a tecnologia pode fortalecer cadeias extrativistas sem descaracterizar sua identidade territorial.

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Foto: Marcelo Lelis / Ag. Pará

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A comitiva também visitou o estande do Sebrae, que levou para o espaço um viveiro com hortaliças e ervas cultivadas sem agrotóxicos. A proposta reforça a adoção de práticas agroecológicas que ampliam a produção local, favorecem a saúde dos consumidores e reduzem pressões ambientais. Esse tipo de iniciativa mostra como pequenas soluções, quando replicadas em escala, podem transformar a relação entre produção agrícola, mercado e cuidado com o solo.

A AgriZone se consolidou como um ponto de encontro entre ciência e política pública, entre saberes técnicos e demandas territoriais. Ao olhar para tecnologias e modelos de produção que reduzem impactos climáticos, o espaço aponta caminhos para uma agricultura que não apenas responde ao presente, mas antecipa o futuro. Nesse cenário, a atuação conjunta entre o governo estadual, o governo federal e instituições científicas mostra que a transição para uma agricultura de baixo carbono não é uma agenda isolada, mas uma construção coletiva.

A participação do Pará, estado que carrega o peso simbólico de sediar a COP30 no coração da Amazônia, reforça uma mensagem clara: a região quer ser protagonista de um novo modelo de desenvolvimento. Um modelo que define o clima não como entrave, mas como horizonte. A AgriZone se soma a esse movimento ao colocar em evidência soluções que fortalecem a resiliência climática, estimulam a inovação e valorizam o papel da ciência na construção de uma agricultura capaz de prosperar em um mundo em transformação.

Casas de açaí transformam habitação ribeirinha no Pará

O Pará levou à Green Zone da COP30, em Belém, uma vitrine de inovação amazônica que une moradia digna, tecnologia social e reaproveitamento de resíduos. O projeto “Sua Casa COP30 Sustentável”, desenvolvido pelo Governo do Pará por meio da Companhia de Habitação do Pará (Cohab), apresenta ao mundo um modelo de habitação pensado a partir da realidade ribeirinha e das urgências ambientais da Amazônia. Mais do que casas ecológicas, a proposta mira um novo paradigma de política pública: construir com o território, com os materiais da floresta e com a comunidade que nela vive.

O programa está implementando 45 moradias sustentáveis na região das ilhas de Belém, combinando dois formatos que traduzem a identidade amazônica. Parte das unidades mantém a estrutura tradicional de palafitas, solução histórica para lidar com o regime das marés e com áreas sujeitas à influência urbana dos rios. A outra parte adota alvenaria feita com tijolos ecológicos produzidos a partir do caroço de açaí, material abundante na região, mas pouco aproveitado em larga escala. No total, mais de 150 mil tijolos foram fabricados para este piloto, revelando o potencial econômico e ambiental de transformar resíduos em insumo.

A iniciativa nasce de uma parceria entre o governo estadual e o Governo Federal, com atuação conjunta da Cooperativa Mista da Ilha do Combu (Coopmic/CMP). A costura institucional garante não apenas a execução das obras, mas também a articulação com programas federais de habitação, como o Minha Casa, Minha Vida, que pela primeira vez incorpora palafitas em seu escopo oficial.

Para Manoel Pioneiro, diretor-presidente da Cohab, o projeto ressignifica a relação entre habitação social e ambiente. Ele destaca que a proposta não entrega apenas um teto, mas uma moradia integrada ao modo de vida ribeirinho, respeitando a paisagem e ampliando a qualidade de vida das famílias. Na fala do gestor, a dignidade ganha forma por meio de tecnologias simples, acessíveis e adaptadas ao bioma, reafirmando que políticas públicas inovadoras só fazem sentido quando dialogam com quem vai habitá-las.

O tijolo ecológico utilizado nas obras sintetiza essa visão. Criado pelo pesquisador Marco Oliveira, doutor em Engenharia Civil, o material combina caroço, fibra e cinzas de açaí, dispensando o processo de queima. Ao eliminar fornos e reduzir drasticamente o consumo de água, ferro e cimento, a tecnologia se contrapõe às lógicas mais poluentes da construção civil. Segundo Sérgio Soares, engenheiro da Cohab, o uso dos tijolos reduz em até 30% o tempo de obra e corta aproximadamente 40% do gasto com materiais. Além disso, oferece maior conforto térmico, isolamento acústico e capta dióxido de carbono ao longo da vida útil, reforçando o caráter sustentável do modelo.

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Divulgação – Ag. Pará

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A economia de insumos é significativa: redução de 90% no uso da água, de 80% no consumo de cimento e de 50% no uso de ferro, além da eliminação completa de madeira nas paredes estruturais. Esses números evidenciam o quanto a inovação pode mitigar impactos como geração de resíduos, assoreamento e pressão sobre recursos naturais. Na Amazônia, onde a construção tradicional ainda depende intensamente de madeira, alternativas como essa representam um caminho estratégico para equilibrar desenvolvimento e conservação.

Do ponto de vista arquitetônico, as palafitas seguem o padrão do Minha Casa, Minha Vida, com dois quartos, sala e cozinha. Entretanto, ganham um conjunto de soluções complementares: captação e tratamento de água da chuva, energia solar, biodigestores para o esgoto e módulos anexos feitos com o tijolo ecológico. Para Paulo Cohen, da Executiva Nacional dos Movimentos Populares, trata-se de um marco histórico. Ele afirma que são as primeiras moradias em palafitas do programa federal a receber anexos sustentáveis graças ao apoio do Governo do Pará, enfrentando desafios estruturais de longa data nas ilhas da capital.

O projeto também incorpora assistência técnica gratuita para as famílias, assegurada pela Lei Federal nº 11.888/2008. Arquitetos, engenheiros e assistentes sociais acompanham todas as etapas, da concepção à finalização das moradias, garantindo que o processo de construção seja não apenas seguro e eficiente, mas também pedagogicamente orientado. As famílias compreendem, participam e se apropriam das soluções sustentáveis, fortalecendo vínculos comunitários e elevando o grau de pertencimento ao projeto.

Entre as beneficiárias, histórias como a de Adriele Mota, moradora da Ilha do Combu, evidenciam o impacto concreto das obras. Ao celebrar a nova casa, ela destaca o significado de oferecer um ambiente seguro para a chegada de seu segundo filho. A experiência sintetiza o propósito do programa: fazer com que famílias amazônicas tenham acesso à moradia que respeite sua cultura, garanta segurança e se harmonize com a natureza.

O piloto avança rapidamente na região das ilhas, e o Governo do Pará planeja expandir o modelo para outros municípios. A ambição é transformar a inovação em política pública contínua, capaz de fortalecer comunidades tradicionais, gerar renda com a cadeia do açaí, reduzir impactos ambientais e posicionar a Amazônia como território de soluções climáticas — e não apenas de vulnerabilidades.

Paul McCartney desafia Trump e alerta para crise climática

Quando Sir Paul McCartney decide falar, costuma escolher bem seus motivos. E desta vez, o alerta veio carregado de indignação. Em entrevista rara concedida ao programa BBC Radio 1 Newsbeat, o ex-Beatle criticou severamente a postura do então presidente dos Estados Unidos, Donald Trump, em relação às mudanças climáticas. Para McCartney, a resistência de Trump ao consenso científico é mais do que irresponsável: é pura loucura.

O músico se referia especialmente à decisão anunciada em 2017 pelo governo norte-americano de abandonar o Acordo de Paris, tratado global firmado por quase todas as nações com o compromisso de reduzir emissões de gases de efeito estufa. A justificativa apresentada pela Casa Branca, sob a liderança de Trump, foi a de que o pacto prejudicaria a competitividade da economia americana. Mais tarde, declarações desencontradas de autoridades do próprio governo alimentaram incertezas sobre a permanência ou não dos Estados Unidos no acordo. Mas, para McCartney, o estrago simbólico já estava feito.

O músico lembrou que Trump chegou a afirmar, anos antes, que o aquecimento global era uma invenção da China para enfraquecer a indústria norte-americana — uma teoria que ganhou ampla repercussão apesar de carecer completamente de base científica. A postura, segundo ele, não só desacredita décadas de pesquisas, como também desfaz avanços importantes conquistados por governos anteriores e pela comunidade internacional.

A entrevista surgiu no contexto do lançamento de One Day a Week, curta-metragem produzido pela família McCartney para chamar atenção ao impacto ambiental da pecuária industrial. A iniciativa integra sua campanha de longa data pelo vegetarianismo, que começou motivada por preocupações com o bem-estar animal e, ao longo dos anos, incorporou cada vez mais argumentos ambientais.

McCartney argumenta que reduzir o consumo de carne, ainda que apenas um dia por semana, ajuda a diminuir emissões vinculadas à agropecuária, setor que responde por parcela significativa dos gases associados ao aquecimento global. Ele admite que a mudança alimentar não resolverá sozinha a crise climática, mas insiste que é uma parte essencial do esforço coletivo — sobretudo em um momento em que líderes políticos questionam abertamente a existência do problema.

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Reprodução – BBC

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O artista reconhece que existe resistência a qualquer transformação de hábitos, principalmente quando vozes influentes colocam em dúvida a urgência ambiental. Para ele, Trump simboliza essa barreira cultural. Mesmo assim, McCartney vê no atual cenário um motivo para insistir no diálogo com o público. Diante de discursos negacionistas, diz ele, o caminho é reforçar o papel individual de cada pessoa e lembrar que a sociedade não precisa esperar por governos céticos para agir.

Estudos científicos reforçam sua preocupação. Pesquisas recentes mostram que, para impedir que a temperatura média global ultrapasse 2°C neste século — limite associado a consequências severas e irreversíveis — será necessário reduzir drasticamente as emissões provenientes da agricultura. A pecuária intensiva, em especial, figura entre os principais vetores de metano, gás com potencial de aquecimento muito superior ao dióxido de carbono no curto prazo.

Apesar disso, a posição oficial do governo norte-americano à época soava ambígua. Após a divulgação de mais um relatório climático elaborado por pesquisadores federais, a Casa Branca afirmou apoiar pesquisas rigorosas e debates científicos, mas relativizou os achados alegando que “o clima está sempre mudando” — frase que McCartney e ambientalistas consideram insuficiente e evasiva diante de evidências robustas.

Para McCartney, a insistência em minimizar dados científicos coloca em risco a habilidade global de reagir em tempo hábil. Ele sustenta que a cultura pop, a ciência e a política precisam trabalhar juntas para evitar que desinformação e interesses econômicos atrasem ações urgentes. Sua proposta — trocar alguns pratos de carne por refeições à base de vegetais — parece simples, mas nasce da convicção de que pequenas mudanças, multiplicadas por milhões de pessoas, podem gerar impactos reais.

Ao final da entrevista, McCartney reforçou que a luta ambiental não é movida por ressentimento político, mas pela percepção de que o planeta vive um momento decisivo. Se alguns líderes insistem em negar a gravidade das mudanças climáticas, ele pretende seguir mostrando ao público que cada gesto conta. Para ele, não é o momento de esperar por consensos vindos de cima, mas de agir apesar deles.

Mulheres exigem que justiça climática inclua justiça de gênero

O Dia de Gênero na COP30, realizado nesta quarta-feira em Belém, recolocou as mulheres no centro do debate climático global. A pauta, que costuma circular de maneira paralela às grandes negociações, ganhou protagonismo ao reunir autoridades, pesquisadoras, lideranças comunitárias e representantes de organismos internacionais que insistem em uma mensagem simples, mas ainda negligenciada: não há justiça climática possível sem justiça de gênero.

A ministra das Mulheres, Márcia Lopes, fez essa afirmação diante de um auditório lotado no Pavilhão Brasil, dentro da chamada Blue Zone da conferência. Sua fala ecoou um diagnóstico recorrente nas pesquisas científicas, nas estatísticas humanitárias e na experiência cotidiana de comunidades vulneráveis: os impactos da crise climática recaem de maneira desproporcional sobre as mulheres, sobretudo as negras, indígenas, ribeirinhas e periféricas. Elas enfrentam mais escassez de água, maior insegurança alimentar, jornadas de cuidado mais longas, perda de renda e, em muitos cenários, aumento da violência doméstica e comunitária durante eventos extremos.

Márcia Lopes lembrou que essa realidade não é apenas um conjunto de números, mas um retrato dos territórios onde as mudanças do clima se materializam. Ainda assim, destacou que, mesmo atingidas de forma mais dura, as mulheres permanecem como guardiãs de soluções. São elas que mantêm hortas comunitárias, cuidam de sementes tradicionais, administram quintais produtivos, coordenam cozinhas solidárias, preservam conhecimentos ancestrais e conduzem redes de apoio que salvam comunidades inteiras durante crises ambientais. Estudos internacionais apontam que, quando as mulheres têm voz e poder real na gestão ambiental, as políticas podem se tornar até sete vezes mais eficazes.

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Tânia Rêgo/Agência Brasil

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A perspectiva da desigualdade de gênero na crise climática foi reforçada por Ana Carolina Querino, representante da ONU Mulheres no Brasil. Para ela, ignorar as diferenças de impacto entre homens e mulheres torna as soluções climáticas incompletas e, muitas vezes, ineficazes. Querino defendeu que as políticas sejam construídas com base em metas desagregadas por gênero, que permitam compreender quem sofre, como sofre e de que forma precisa ser protegido. O cenário, segundo ela, é alarmante: estimativas indicam que mais de 250 milhões de mulheres podem ser empurradas para situações de pobreza e insegurança alimentar nos próximos anos, enquanto entre os homens esse número chega a 130 milhões.

Além das perdas econômicas e sociais, há um peso invisível que precisa ser incorporado ao debate: o aumento da carga de cuidado. O aquecimento global intensifica danos à saúde de populações vulneráveis, como idosos, crianças e pessoas com deficiência. Em boa parte do mundo, são as mulheres que assumem a responsabilidade cotidiana de cuidar dessas pessoas. Em ondas de calor prolongadas, enchentes, secas ou epidemias agravadas por condições climáticas extremas, essa sobrecarga cresce e limita ainda mais suas oportunidades de estudo, trabalho e participação política.

As discussões do Dia de Gênero dialogam diretamente com o Programa de Trabalho de Lima sobre Gênero, iniciativa aprovada em 2014 pela Convenção-Quadro das Nações Unidas sobre Mudanças Climáticas (UNFCCC) para integrar a perspectiva de gênero nos acordos climáticos. O programa, originalmente previsto para durar dez anos, foi prorrogado pela decisão da COP29 em Baku, no Azerbaijão, até que seja construído um novo plano. A extensão reconhece que a igualdade de gênero ainda está longe de ser incorporada de forma plena pelas delegações nacionais.

Mas, como ressaltou Ana Carolina Querino, a continuidade do programa não basta por si só. É preciso que governos assumam compromissos reais de prestação de contas, financiamento adequado e fortalecimento do poder de decisão das mulheres em todos os níveis — do local ao internacional. Sem isso, o risco é repetir ciclos de discursos inspiradores que não se convertem em mudanças concretas.

O Dia de Gênero na COP30 mostrou que as mulheres não estão pedindo espaço, mas ocupando-o. Enquanto as negociações formais avançam lentamente, elas seguem construindo redes, soluções e diagnósticos que, reunidos, formam um mapa realista e potente para enfrentar a crise climática. A mensagem que ecoou pelos corredores da conferência é clara: somente quando mulheres e meninas estiverem plenamente incluídas, respeitadas e protegidas será possível falar em justiça climática de fato.

Alemanha injeta 1bi e reacende força da COP30 em Belém

O nono dia da COP30 marcou uma inflexão importante nas negociações climáticas em Belém. Em meio ao impasse diplomático sobre adaptação, transição energética e o futuro dos combustíveis fósseis, um anúncio vindo da Europa provocou movimento imediato entre delegações e observadores. A ministra do Meio Ambiente e Mudança do Clima, Marina Silva, confirmou que o governo da Alemanha assegurou um aporte de 1 bilhão de euros ao Fundo Florestas Tropicais para Sempre (TFFF), iniciativa liderada pelo Brasil para remunerar países que mantêm suas florestas em pé.

O gesto alemão, aguardado desde a passagem do chanceler Friedrich Merz por Belém, reforça a ideia de que o TFFF começa a se consolidar como um dos novos pilares do financiamento climático global. Em declarações à imprensa ao lado do presidente Luiz Inácio Lula da Silva, Marina avaliou que a confiança alemã valida o desenho do fundo, que combina recursos públicos e privados para estimular a conservação das grandes florestas tropicais.

Com o anúncio, os compromissos já declarados ao TFFF ultrapassam a marca de US$ 6,5 bilhões. A ambição, porém, é bem maior: o plano prevê captar US$ 25 bilhões apenas de governos investidores, funcionando como catalisador para atrair capital privado e alcançar um volume total de US$ 125 bilhões destinados exclusivamente à proteção florestal. O mecanismo busca preencher um vazio histórico das políticas climáticas, que sempre destinaram muito mais recursos à redução de emissões em setores industriais do que à manutenção de ecossistemas essenciais.

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Bruno Peres/Agência Brasil

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Enquanto isso, Lula dedicou o dia a conversas paralelas e bilaterais com delegações estrangeiras, numa tentativa de destravar três frentes consideradas vitais para o resultado final da COP30: o acordo de adaptação climática, o capítulo sobre transição justa e, sobretudo, o mapa do caminho para reduzir gradualmente o consumo de combustíveis fósseis — responsáveis diretos pela maior parcela das emissões que impulsionam o aquecimento global.

O presidente, que já havia participado da abertura da conferência em 10 de novembro, retornou a Belém com o objetivo explícito de aproximar posições e criar condições políticas para a construção de consensos. Para Marina, a presença constante de Lula demonstra o peso que o governo brasileiro atribui ao tema. Ela destacou que a intervenção direta do presidente dá lastro político às propostas brasileiras e reforça o compromisso histórico com a proteção dos mais vulneráveis.

Em sua fala à imprensa, Lula reforçou a necessidade de mostrar ao mundo que a redução das emissões não é um gesto simbólico, mas uma decisão concreta que cada país deve tomar de acordo com suas condições. Sem falar em imposições nem prazos mandatórios, o presidente argumentou que a credibilidade da democracia e do multilateralismo depende da capacidade dos governos de responder às expectativas da população e agir diante da crise climática.

O presidente lamentou que, por décadas, o debate ambiental tenha sido tratado como assunto de nicho — restrito a especialistas, intelectuais e ambientalistas. Para ele, a emergência climática já é parte do cotidiano das sociedades e exige mudanças efetivas na forma como os países mais ricos cooperam com as nações em desenvolvimento. Lula voltou a defender a conversão de dívidas em investimentos ambientais e cobrou que empresas de energia e mineradoras contribuam mais para financiar a transição global.

A jornada presidencial em Belém foi intensa, mas breve. Ao final das reuniões, ele retornou a Brasília e se prepara para seguir a São Paulo antes de embarcar para a Cúpula do G20, na África do Sul, onde pretende reforçar o discurso de que a crise climática deve se tornar eixo central das políticas econômicas internacionais.

O anúncio alemão, somado ao esforço diplomático brasileiro, indica que o desfecho da COP30 ainda está em aberto. Mas revela também um movimento crescente: a percepção de que proteger florestas tropicais não é apenas uma pauta ambiental, e sim uma estratégia global para garantir estabilidade climática, segurança hídrica e condições mínimas para o desenvolvimento humano nas próximas décadas.

COP30 – Dia 9: negociações travam enquanto Lula assume o centro da cena

A nona jornada da COP30, em Belém, terminou marcada por expectativa, atrasos e uma coreografia complexa de disputas políticas. A tão aguardada “entrega antecipada” do pacote de decisões ‒ prometida pela presidência brasileira para a noite de quarta-feira ‒ não se confirmou. Os textos atualizados agora são esperados apenas para a manhã de quinta, sinalizando que o consenso segue distante.

Durante o dia, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva se lançou a uma série de encontros de alto nível com delegações da União Europeia e da China, enquanto o secretário-geral da ONU António Guterres conduzia suas próprias bilaterais. À noite, Lula discursou enfatizando que a COP30 é “uma conferência como nenhuma outra” e reforçou uma mensagem voltada ao desequilíbrio histórico das responsabilidades climáticas: países ricos precisam apoiar financeiramente as nações mais pobres. Cuidar do clima, disse, “é reconhecer que todos têm responsabilidade”, especialmente em torno do esforço brasileiro para um roteiro global de transição dos combustíveis fósseis.

Mas nos bastidores, o que se vê é a dificuldade em alinhar posições sobre comércio, financiamento climático e o desenho do próprio “roadmap” da transição. Brasília tenta arrancar um acordo capaz de simbolizar um avanço antes do encerramento formal da cúpula — algo que, por ora, ainda é incerto.

Pressão por um roteiro da transição fóssil

Antes do discurso presidencial, a ministra do Meio Ambiente, Marina Silva, confirmou que Lula dedicou sua rodada de bilaterais à ambição climática, à transição justa e à adaptação. Reconheceu, porém, que há “complexidades” e que as respostas brasileiras ainda são procedimentais, não definitivas. Para ela, qualquer roteiro deve conter linguagem que proteja países em desenvolvimento e estabeleça maior responsabilidade aos grandes emissores históricos.

O debate ganhou novo impulso após a apresentação da proposta europeia de um “Mutirão Roadmap”, com o comissário de clima, Wopke Hoekstra, afirmando ter transmitido a Lula que esse processo seria decisivo para o sucesso simbólico de Belém.

China e Rússia travam a pauta dos minerais críticos

Em outro eixo da negociação, emergiu um impasse inesperado: a inclusão de minerais essenciais para a transição energética no texto do Programa de Trabalho para Transição Justa. Pela primeira vez na história das COPs, o rascunho trazia referências explícitas aos riscos sociais e ambientais da mineração de insumos centrais para baterias, painéis solares e turbinas eólicas.

China e Rússia, porém, querem retirar esse trecho. Pequim resiste a todo tipo de menção aos minerais; Moscou se opõe especialmente à referência às recomendações de um painel convocado pelo secretário-geral da ONU, que defende que os direitos humanos sejam a espinha dorsal da mineração para a transição.

Ativistas tentaram entregar uma carta ao negociador-chefe da China, Xia Yingxian, pedindo que o país apoie a inclusão do tema, ressaltando seu peso global na cadeia de suprimentos — a China domina mais de 70% do lítio refinado, 78% do cobalto e mais de 90% das terras raras. Xia recusou o documento e deixou o local rapidamente.

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Photo by Ueslei Marcelino/COP30

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A posição chinesa sobre a transição energética

Horas antes, também sob forte chuva que ecoava pelo pavilhão, Xia havia dado pistas de como a China busca moldar a discussão sobre a transição. Disse apoiar uma jornada conjunta rumo às renováveis e sugeriu que narrativas negativas sobre “abandono” de fósseis poderiam ser substituídas por discursos de prosperidade e oportunidade — um reposicionamento que, segundo ele, ajudaria a “unir” países.

Embora Pequim não tenha assumido publicamente posição sobre o roteiro global para combustíveis fósseis, cresce a pressão: mais de 80 países já defenderam que esse processo seja um dos resultados centrais de Belém.

Roteiro para zerar o desmatamento avança a passos lentos

Enquanto o debate sobre fósseis ganha escala, o roteiro para acabar com o desmatamento — promessa feita por Lula na abertura da conferência — caminha devagar. Apenas 42 países manifestaram apoio explícito, número bem menor do que o grupo mobilizado para o roadmap fóssil.

O rascunho atual prevê apenas a possibilidade de organizar um diálogo ministerial sobre roadmaps nacionais, algo considerado tímido por especialistas e governos de países florestais. Para o negociador panamenho Juan Carlos Monterrey, se a COP sediada na Amazônia não produzir esse compromisso, dificilmente ele virá depois.

América Latina pede definição de indicadores de adaptação

Outra frente crítica envolve as métricas do Objetivo Global de Adaptação. Países latino-americanos defendem que a COP finalize agora o conjunto de indicadores, enquanto nações africanas condicionam o avanço a um compromisso firme dos países ricos com a ampliação do financiamento para adaptação — para eles, sem recursos, métricas não significam nada.

O pacote “Mutirão”, articulado pelo Brasil, inclui opções para criar uma meta financeira específica para adaptação. Ministros latino-americanos insistiram que, após dois anos de trabalho técnico, não há espaço para adiar a conclusão do texto.

Controvérsia sobre gênero atinge o coração das negociações

Por fim, a disputa mais simbólica do dia envolveu o Plano de Ação de Gênero. A nova versão do documento surgiu com seis notas de rodapé apenas para discutir a definição de “gênero”, após pressões de países como Paraguai, Argentina, Irã e representantes do Vaticano. Rússia, Arábia Saudita e Irã articulam substituir “gênero” por “mulheres e meninas”, uma mudança que organizações feministas veem como retrocesso deliberado.

A ex-presidenta irlandesa Mary Robinson classificou a ofensiva como “cruel”, e ativistas acusam uma coordenação global para limitar referências a direitos humanos em diferentes áreas das negociações.

Para Michelle Ferreti, do Instituto Alzira, o governo brasileiro também será julgado por essa pauta: “Lula foi eleito principalmente pelas mulheres. É hora de honrar quem o colocou no poder.”

Carbono social: SEBRAE remunera pequenos produtores por sustentabilidade na Amazônia

Em um momento em que o mercado global de carbono clama por maior transparência, rastreabilidade e um impacto social mensurável, o Serviço Brasileiro de Apoio às Micro e Pequenas Empresas (Sebrae) lançou, durante a 30ª Conferência das Nações Unidas sobre Mudanças Climáticas (COP30) em Belém (PA), o inovador Projeto Carbono Social. Esta iniciativa é um marco no fortalecimento do mercado voluntário de carbono no Brasil, pois converte diretamente as práticas sustentáveis de pequenos produtores e comunidades amazônicas em créditos de carbono de alto valor e totalmente rastreáveis. O lançamento ocorreu no estande da instituição, localizado na Green Zone, no dia 18 de novembro.

O Carbono Social se posiciona como uma rota de desenvolvimento inclusivo que busca solucionar o dilema entre conservação ambiental e geração de renda. O foco do projeto é claro: reconhecer e remunerar de forma justa aqueles que mantêm a floresta em pé, ligando a conservação da Amazônia diretamente à prosperidade econômica das comunidades que a habitam.

Décio Lima, presidente do Sebrae, define o projeto como uma poderosa ferramenta de transformação: “O carbono social é uma rota de desenvolvimento inclusivo que reconhece quem cuida da floresta.” Esta abordagem não apenas valida o papel crucial dos pequenos produtores na mitigação das mudanças climáticas, mas também integra a inclusão produtiva e a valorização das comunidades como pilares essenciais do financiamento verde.

Tecnologia e rastreabilidade: a ponte para o mercado

Um dos diferenciais mais significativos do projeto é sua base tecnológica. O Carbono Social utiliza uma avançada plataforma WebGIS de inteligência territorial. Essa ferramenta integra um vasto conjunto de dados socioambientais, produtivos e de carbono, mapeando com precisão a atuação dos agricultores e das comunidades envolvidas.

A plataforma WebGIS funciona como uma ponte digital, conectando iniciativas de manejo sustentável, sistemas agroflorestais e áreas conservadas diretamente a mercados, financiamentos e políticas públicas. Bruno Quick, diretor técnico do Sebrae, explica o papel catalisador do modelo: “O modelo funciona como uma ponte entre quem preserva e quem busca compensar as emissões.” Ao garantir a rastreabilidade e a transparência do impacto socioambiental, o projeto atende à crescente demanda de empresas e investidores por créditos de carbono de alta integridade, fugindo das críticas de greenwashing que rondam o mercado voluntário.

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Foto: Sergio Moraes/COP30

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O piloto na amazônia e o potencial de expansão

O projeto piloto, lançado neste ano, demonstra a viabilidade e o potencial de escala da iniciativa. Ele envolve 150 agricultores familiares em uma área total de 15 mil hectares. Desse total, 8,5 mil hectares estão sob manejo sustentável, incluindo a implementação de sistemas agroflorestais e a proteção de áreas de conservação.

O papel do Sebrae nesse piloto é multifacetado: oferece capacitação técnica aos produtores, realiza o mapeamento produtivo e, crucialmente, estabelece os mecanismos financeiros que garantem que a receita gerada pela venda dos créditos de carbono retorne de forma integral e direta às comunidades.

O desenvolvimento do Carbono Social é resultado de parcerias estratégicas com organizações especializadas: a Equipe de Conservação da Amazônia (Ecam), a ReSeed e a Social Carbon. Essa colaboração multissetorial garantiu a robustez técnica, a certificação e a valorização social do crédito gerado. Por ser um modelo replicável e adaptável, o Carbono Social possui um vasto potencial de expansão para outros biomas brasileiros, respeitando, contudo, as particularidades e as necessidades específicas de cada território.

Articulando parcerias globais

A COP30 serve como uma plataforma de articulação para o Sebrae. A instituição está buscando ativamente novas parcerias internacionais com o objetivo de ampliar o alcance do projeto, garantir novos fluxos de financiamento e, ao mesmo tempo, fortalecer o papel de liderança do Brasil na construção de um mercado global de carbono que seja genuinamente inclusivo e rastreável.

O Carbono Social não é apenas um mecanismo de compensação; é um modelo de capitalização das externalidades positivas geradas pelos pequenos negócios sustentáveis, transformando a conservação ambiental em um ativo econômico tangível para as populações tradicionais e agricultores familiares. Ao integrar tecnologia avançada, finanças verdes e valorização humana, o projeto lança um novo padrão para o mercado de carbono, colocando o desenvolvimento social e a justiça climática no centro da equação econômica.

Liderança do Sul Global: setor privado impulsiona a transição climática na cop30

O setor privado dos países do Sul Global está sendo instigado a assumir um papel de vanguarda na transição climática, aproveitando a visibilidade e o ímpeto da 30ª Conferência das Partes da Convenção-Quadro das Nações Unidas sobre Mudança do Clima (COP30) em Belém, no coração da Amazônia. Esta é a visão de Nelmara Arbex, sócia da consultoria KPMG no Brasil e líder da rede na América do Sul, que vê a estabilidade climática não como uma obrigação regulatória, mas como um imperativo fundamental para o sucesso dos negócios.

A especialista argumenta que as empresas já entenderam o risco existencial que as mudanças climáticas representam para a economia. Por isso, elas não devem esperar que a regulamentação governamental dite o ritmo da transformação. Mesmo diante de impasses diplomáticos, como a ausência de compromissos mais robustos de financiamento por parte de grandes emissores como os Estados Unidos, o setor privado tem demonstrado a capacidade de manter e executar sua própria agenda climática. Arbex observou que o comportamento das empresas durante eventos como a Semana do Clima em Nova York, ocorrida em setembro, prova que elas abordam a questão de forma pragmática, mantendo seus planos de descarbonização.

Financiamento da transição: novos atores e oportunidades

A COP30 ocorre em um momento crucial, o ano em que se esperava uma redução drástica nas emissões globais de gases de efeito estufa. Embora haja uma tendência de estabilização, o nível de corte necessário para o clima global ainda não foi atingido. Nesse contexto, a ausência de um financiamento climático robusto por parte do governo dos EUA representa um desafio significativo, dada a posição do país como um dos principais emissores.

No entanto, Nelmara Arbex destaca que a dependência não deve ser exclusiva. Ela aponta para outros atores globais, como a China, que possuem os recursos e o interesse necessários para investir e liderar essa transição. Para a sócia da KPMG, o setor privado tem a capacidade de buscar e firmar alianças com esses novos polos de financiamento.

A especialista vê na COP30 uma “oportunidade histórica” para as empresas do Sul Global demonstrarem sua verdadeira liderança. O foco, segundo ela, deve ser claro: “Só haverá estabilidade climática se reduzirmos drasticamente as emissões. Investir em energias renováveis é importante, mas o essencial é reduzir as emissões”. Isso significa que o investimento deve ser direcionado para eficiência energética, inovação operacional e novos modelos de produção que exijam projetos sólidos e atraentes para o capital internacional.

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Bruno Peres/Agência Brasil

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Vantagens competitivas e inovação socioeconômica

O Sul Global não é apenas um receptor de financiamento; ele possui capacidades únicas para impulsionar um novo modelo de desenvolvimento e de financiamento climático. Arbex indica que os países em desenvolvimento se encontram em diferentes estágios de transição energética e detêm tecnologias e práticas que podem ser compartilhadas, alterando o foco das discussões globais.

A América Latina, por exemplo, já produz quase 70% de sua eletricidade a partir de fontes renováveis e possui um domínio significativo nas tecnologias de biocombustíveis. Além disso, o Hemisfério Sul detém “milhões de hectares com potencial para restauração florestal”, um ativo fundamental não apenas para o sequestro de carbono, mas para o desenvolvimento sustentável.

Para transformar esses ativos em realidade, a chave está na inovação socioeconômica. Arbex argumenta que qualquer novo modelo de financiamento climático deve ser intrinsecamente ligado à redução de emissões e à redução da pobreza. Isso exige que as empresas não apenas aprimorem seus processos técnicos, mas também estabeleçam alianças estratégicas. “Parcerias entre empresas, tanto do mesmo setor quanto de setores diferentes, podem acelerar significativamente essa transição e gerar mais valor”, reforça a especialista.

O setor privado brasileiro, em particular, tem a oportunidade única na COP30 de enviar uma mensagem global clara, demonstrando que o desenvolvimento econômico na Amazônia e no Brasil pode e deve ser sinônimo de liderança climática pragmática, inovadora e socialmente responsável. A expertise em energias renováveis, biocombustíveis e restauração florestal posiciona o Sul Global para não apenas participar da transição, mas para liderá-la.

Convergência de agendas: na COP30, tratados da eco92 unem forças pelo clima e naturezaj

A 30ª Conferência das Nações Unidas sobre Mudanças Climáticas (COP30), realizada em Belém (PA), tornou-se o palco de um movimento estratégico crucial para a eficácia das políticas ambientais globais: a busca por ações convergentes entre as três grandes convenções criadas na Eco92, no Rio de Janeiro. Além da Convenção do Clima (UNFCCC), o foco agora se expande para integrar de maneira mais robusta a Convenção da Diversidade Biológica (CDB) e a Convenção de Combate à Desertificação (UNCCD), reconhecendo que os desafios do planeta não podem mais ser tratados em silos.

A fragmentação das agendas multilaterais tem sido historicamente um obstáculo à implementação efetiva de soluções nos territórios. As COPs do Clima são anuais, enquanto as da Biodiversidade e Desertificação se alternam a cada dois anos. Essa disparidade de ritmos e o volume de relatórios, métricas e planos distintos criam uma complexidade que distancia as decisões globais da ação integrada e eficiente no nível local.

Andrea Meza Murillo, vice-secretária executiva da UNCCD, enfatiza essa necessidade de união: “Quando todos os governos vieram para o Rio de Janeiro e as convenções foram criadas, naquela época, todo mundo estava dizendo que precisávamos priorizar. E a estrutura institucional foi definida. Mas agora, toda essa fragmentação não está nos ajudando a ser efetivos.” A natureza interligada dos problemas exige uma mudança de perspectiva, entendendo que o manejo do solo e o planejamento do uso da terra são fundamentais para enfrentar as mudanças climáticas.

Da fragmentação à sinergia: planejamento integrado

A busca por sinergias não é apenas uma questão burocrática, mas uma necessidade prática. A vice-secretária da UNCCD argumenta que a sinergia reside em planejar de modo integrado, reconhecendo a importância intrínseca da natureza para a estabilidade climática. Ela explica que “as sinergias são mais sobre como podemos planejar de modo integrado, entendendo que a natureza é tão importante para o clima que você não pode enfrentar os desafios se você não considerar o manejo do solo e o planejamento de uso de terra.”

O desafio está em traduzir o volume de informações e diferentes métricas produzidas por distintas instituições da estrutura internacional em soluções práticas e unificadas para os territórios. Meza exemplifica a necessidade de um olhar holístico: “É pensarmos juntos como podemos trabalhar com os agricultores pequenos, por exemplo? Porque quando você está na sua fazenda tentando fazer o seu trabalho, você não sabe se aquele desafio é decorrente de um problema climático ou uma degradação do solo, você está apenas enfrentando um problema e você precisa chegar com soluções integradas para lidar com isso.”

Essa perspectiva “orientada à ação” no território é o que move a agenda de convergência na COP30. Na estrutura das Nações Unidas, já existe um grupo de trabalho focado nessa convergência. No entanto, na avaliação da secretária executiva da Convenção da Biodiversidade, Astrid Schomaker, essa estrutura precisa de uma revitalização. O objetivo é que ela promova capacitações e orientações aos países de forma convergente, superando a visão de que as convenções são concorrentes por recursos.

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Bruno Peres/Agência Brasil

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O programa raiz e a agricultura resiliente

Schomaker sugere que a união entre as convenções pode ser alcançada através de “um conjunto de orientações em relação às implementações específicas, em áreas como agricultura, sistema alimentar, florestas, água, oceano.” Para ela, é vital trabalhar em conjunto com negócios e finanças, deixando claro que os recursos devem ser compartilhados para uma agenda comum.

Uma iniciativa que representa essa convergência de agendas é o lançamento do Programa Raiz na COP30, promovido pelo secretariado da Convenção de Desertificação. O programa é um programa de investimento em agricultura resiliente que reuniu atores internacionais das três convenções em torno de um objetivo comum: acelerar a meta zero de desertificação.

Este esforço conjunto visa garantir que todos compreendam que solos saudáveis são o alicerce fundamental da segurança alimentar e da segurança hídrica. A expectativa é que o Programa Raiz não apenas permita que as convenções trabalhem de forma mais unida, mas também ajude a desbloquear recursos e promova uma abordagem que traduza as decisões globais em ação efetiva nos territórios. A COP30 em Belém, portanto, marca um momento de transição de uma era de fragmentação para uma era de colaboração e sinergia entre as esferas do clima, biodiversidade e manejo do solo.

A voz do Maranhão na COP30: educação e sustentabilidade para comunidades costeiras

A 30ª Conferência das Nações Unidas sobre Mudança do Clima (COP30), realizada em Belém (PA), serviu de palco para a Universidade Estadual do Maranhão (Uema) apresentar um modelo inovador de educação e desenvolvimento sustentável voltado para as populações que vivem sob a influência direta das marés. A participação da Uema ocorreu no último domingo (16), no painel realizado na “Casa Vozes do Oceano”, destacando a relevância da formação profissional contextualizada para o futuro da Zona Costeira.

O encontro, uma iniciativa da Comissão Nacional dos Povos Extrativistas e Costeiros (Confrem), transformou-se em um espaço de intercâmbio de saberes, unindo acadêmicos, líderes comunitários e especialistas internacionais. O foco da discussão foi o projeto “Escolas das Marés e das Águas” e a experiência do Programa de Formação Docente para a Diversidade Étnica (Proetnos), demonstrando o potencial de levar o ensino superior diretamente para as comunidades tradicionalmente marginalizadas.

Formação Profissional Inovadora com Foco no Litoral

A Uema marcou presença com a representação de dois cursos superiores de tecnologia que são pilares da sua estratégia para o desenvolvimento costeiro do Maranhão: Tecnologia em Recursos Pesqueiros e Tecnologia em Turismo. A oferta desses cursos é fruto de uma colaboração estratégica entre a Uema, a Confrem e o Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade (ICMBio).

Segundo Lígia Tchaicka, coordenadora do Núcleo de Tecnologias para Educação da Uema, o objetivo central desta parceria é duplo: oferecer formação profissional de alta qualidade e promover o desenvolvimento sustentável das comunidades extrativistas e tradicionais, com ênfase especial na região dos Lençóis Maranhenses. A presença na COP30, portanto, foi uma oportunidade de angariar apoio e discutir a expansão dessas iniciativas.

O painel contou com a presença de lideranças importantes, como Alberto Lopes (coordenador regional da Confrem no Maranhão e presidente da Associação dos Moradores do Taim), e Alberto Cantanhede (Beto do Taim), também coordenador regional da Confrem. A experiência internacional foi agregada pelo cientista marinho Vincent Chen, de Taiwan, cuja participação sublinhou a urgência global da pauta climática, especialmente em um bioma tão vital quanto a Amazônia.

“Nós vimos pessoas com diferentes pensamentos, mas uma hora, todos nós temos que lutar pelo meio ambiente do mundo inteiro. Especialmente na Amazônia, que eu só conhecia pelos livros de quando eu era jovem, então estou muito feliz de estar aqui e contribuir na COP30,” destacou Chen, reforçando a dimensão planetária do debate.

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Divulgação – UEMA

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Educação Contextualizada: Um Protótipo para o Brasil

O coordenador Beto do Taim trouxe à tona a luta histórica das populações costeiras e marinhas que, por muito tempo, foram mantidas em desvantagem no acesso ao ensino formal, do básico ao superior. A participação da Confrem na COP30 é vista como um momento de protagonismo para a organização, essencial para catalisar a expansão da educação superior de forma contextualizada.

O grande diferencial do projeto apresentado é a criação de materiais didáticos que dialogam diretamente com a realidade dessas comunidades, incorporando temas como os dados das marés e as variações do tempo. A iniciativa da “Escola das Marés e das Águas” é apresentada como um protótipo ou piloto que precisa ser replicado e expandido.

Este modelo educacional reconhece que o conhecimento tradicional das comunidades, que vivem em profunda simbiose com o ambiente aquático, é um ativo inestimável que deve ser integrado ao ensino formal. Ao formar profissionais, como técnicos em Pesca e Turismo, a Uema e a Confrem não estão apenas oferecendo diplomas; estão capacitando as comunidades a gerirem seus próprios recursos de maneira sustentável e a se tornarem agentes ativos de resiliência climática em seus territórios.

Agenda do Maranhão na Semana Final da Conferência

O painel sobre educação costeira marca o início da última semana da COP30 para o Maranhão, que ainda possui uma agenda robusta de participação, enfatizando a interconexão entre produção, conservação e clima.

A agenda do estado demonstra o esforço em integrar a temática da sustentabilidade de baixo carbono em diversos setores:

  • 19 de Novembro (Quarta-feira): Pela manhã, o Maranhão integra o painel sobre “Agricultura familiar, pessoas e recursos naturais: florestas produtivas, produção de alimentos e oportunidades de baixo carbono”. À tarde, o foco será nas “Agroflorestas, Água e Resiliência Climática na Amazônia”, em uma sessão especial na Zona Green.

  • 20 de Novembro (Quinta-feira): A manhã será dedicada aos “Sistemas Integrados e Monitoramento Climático nas cadeias produtivas amazônicas”. Encerrando a participação, o painel da tarde abordará a “Gestão Sustentável e Financiamento Climático: Planos Integrados para Justiça Social, Resiliência Climática e Produção Sustentável na Amazônia”.

Essa intensa participação reflete o objetivo do Maranhão em posicionar suas iniciativas inovadoras no mapa global do clima, buscando financiamento e cooperação para expandir o modelo de desenvolvimento inclusivo e ambientalmente responsável para todo o litoral. A educação, como demonstrado pela parceria UemaConfremICMBio, é a ferramenta essencial para transformar essa visão em realidade.

Vigilância na floresta nacional do Amapá: Ibama e Sema-AP fortalecem manejo florestal sustentável

Uma significativa operação de fiscalização coordenada pelo Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (Ibama) na Floresta Nacional (Flona) do Amapá, localizada na região de Serra do Navio, reafirma o compromisso do Brasil com a gestão rigorosa e sustentável de seus recursos florestais. A vistoria, que contou com a participação crucial da Secretaria de Estado do Meio Ambiente do Amapá (Sema-AP), insere-se nas diretrizes do Plano Nacional de Conservação da Biodiversidade (Planabio 2025) e tem como foco a checagem detalhada do cumprimento da legislação ambiental por parte da empresa concessionária responsável pelo Plano de Manejo Florestal Sustentável (PMFS).

Esta ação de campo, que se estenderá por cerca de duas semanas, transcende a mera fiscalização, assumindo um papel de treinamento prático e intercâmbio de conhecimento entre as esferas federal e estadual. Analistas experientes do Ibama e da Sema-AP estão imersos na rotina da floresta, contando com o apoio logístico da empresa concessionária e do Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade (ICMBio). A presença de novos servidores do Ibama no campo é um ponto de destaque, proporcionando-lhes uma visão imediata e prática da aplicação dos sistemas de controle, como o Sistema Nacional de Controle da Origem dos Produtos Florestais (Sinaflor) e o Sistema do Documento de Origem Florestal (DOF).

O Rigor da Verificação em Campo

O Plano de Manejo Florestal Sustentável em questão envolve a exploração controlada de recursos madeireiros dentro de uma área pertencente à União, concedida mediante autorização do Ibama. Para garantir que a atividade de exploração seja de fato sustentável e cause o mínimo de impacto, a equipe de vistoria se debruça sobre uma extensa lista de 140 verificadores. Estes itens funcionam como um checklist ambiental e operacional, cuja observância é obrigatória pela concessionária.

A checagem minuciosa abrange desde as técnicas utilizadas na extração da madeira, visando métodos menos danosos ao ecossistema, até aspectos cruciais de segurança e sinalização das vias de circulação de maquinário e veículos no interior da Flona. O não cumprimento ou a desconformidade com o estabelecido no Plano Operacional Anual (POA) pode resultar em notificações para correções imediatas ou, em casos mais graves, na interrupção de atividades específicas até que as incorreções sejam sanadas..

2025-11-18-tronco-com-identificacao-em-patio-do-plano-de-manejo-400x267 Vigilância na floresta nacional do Amapá: Ibama e Sema-AP fortalecem manejo florestal sustentável
Foto: Fernando Augusto/Ibama

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Rastreabilidade e Técnicas de Baixo Impacto

O trabalho de campo exige que os analistas se desloquem em viaturas 4×4, adentrando as estradas e alcançando os pátios de estocagem de madeira – áreas de tamanhos controlados, cuja abertura é previamente autorizada. Igualmente fiscalizadas são as trilhas de arraste, caminhos por onde máquinas adaptadas (como os skidders) transportam as toras até os pátios. O princípio orientador é a criação dessas estruturas com o menor dano possível à cobertura florestal circundante.

A derrubada de árvores, que podem atingir mais de 20 metros de altura, deve seguir protocolos estritos de segurança e mitigação de danos ambientais. Imediatamente após o corte, o tronco é identificado, apanhado e levado ao pátio. No pátio, as toras são organizadas e recebem identificação, facilitando o controle tanto pela empresa quanto pelas instituições públicas.

O cerne do manejo sustentável reside na rastreabilidade total da madeira. Cada árvore autorizada a ser extraída faz parte de um inventário florestal pré-aprovado. Essa identificação deve ser mantida em todas as etapas do processo: na árvore em pé (placa no tronco), na árvore cortada (identificação no toco e em cada seção do tronco), nas toras no pátio, e durante o transporte para o beneficiamento. Este ciclo de identificação alimenta os sistemas federais de controle do Ibama, como o Sinaflor e o DOF, assegurando a origem legal do produto, um requisito vital, especialmente no transporte interestadual.

O Ciclo de Sustentabilidade e Conservação

O manejo florestal sustentável se distingue radicalmente do desmatamento ilegal e do corte raso desordenado, que causam degradação muitas vezes irreversível. No PMFS, a extração é guiada por estudos prévios e normas ambientais que limitam rigorosamente a quantidade e a frequência da colheita. A cada ano, a concessionária só pode explorar uma única Unidade de Produção Anual (UPA). O plano de manejo, que engloba diversas UPAs, exige que a autorização de exploração seja renovada anualmente através de um POA.

São definidas as espécies que podem ser extraídas – via de regra, aquelas que são abundantes na natureza – e até mesmo a extração dessas espécies é limitada. Espécies protegidas ou ameaçadas de extinção são, sob qualquer hipótese, intocáveis. As normas estabelecem um período de 25 a 35 anos para que uma UPA possa ser explorada novamente, garantindo tempo suficiente para que a floresta se recomponha.

A presença de dois analistas da Sema-AP, que gerenciam planos de manejo estaduais, na vistoria do Ibama é um excelente exemplo de cooperação técnica dentro do Sistema Nacional do Meio Ambiente (Sisnama). Como explica Aldine Luiza Pereira, analista ambiental recém-empossada do Ibama no Amapá, ver na prática a checagem de verificadores, a rastreabilidade da tora, o arraste e a derruba é crucial para complementar o conhecimento adquirido via auditoria de dados no escritório.

Ao final desta missão, o relatório técnico produzido servirá de base para aprimoramentos no PMFS vistoriado. Esta atividade, portanto, possui um caráter instrutivo e corretivo, visando não apenas punir, mas garantir a melhoria contínua da gestão florestal sustentável na Amazônia Legal, essenciais para a conservação de ecossistemas insubstituíveis.

Turismo ético e protetivo: Barreirinhas debate sustentabilidade e direitos humanos

Barreirinhas, porta de entrada para a deslumbrante paisagem do Parque Nacional dos Lençóis Maranhenses, sediou o I Seminário de Turismo Sustentável e Trabalho Decente, uma iniciativa do Tribunal Regional do Trabalho da 16ª Região (TRT-MA). Encerrado nesta terça-feira, 18 de novembro de 2025, o evento de dois dias reuniu um público diversificado — composto por gestores públicos, profissionais do trade turístico e membros da sociedade civil — com o objetivo de tecer uma rede de práticas responsáveis e políticas públicas robustas para o desenvolvimento do setor no Maranhão. A participação da Superintendência de Turismo Lençóis e Delta, órgão vinculado à Secretaria de Estado do Turismo (Setur-MA), foi um dos destaques do seminário, consolidando o compromisso do governo estadual com um turismo que prioriza a ética e a proteção social, alinhado às mais altas diretrizes nacionais e internacionais de defesa dos direitos humanos. O evento foi fundamental para fomentar o debate sobre como conciliar o crescimento do fluxo de visitantes com a preservação da integridade da comunidade local.

Enfrentando a Exploração: O Turismo como Escudo Protetor

O ponto central da contribuição da Setur-MA foi o painel “Enfrentamento do Abuso e da Exploração Sexual de Crianças e Adolescentes no Turismo”. Esta temática sensível foi tratada como uma prioridade inegociável da gestão estadual, reconhecendo que o avanço do turismo, se desacompanhado de mecanismos de proteção, pode, paradoxalmente, aumentar a vulnerabilidade de crianças e adolescentes. A Secretária de Estado do Turismo, Socorro Araújo, enfatizou que o dever da Setur vai além da promoção dos polos turísticos: é imperativo atuar ativamente na sensibilização dos operadores para combater qualquer forma de abuso. A meta é garantir que as experiências turísticas em solo maranhense sejam não apenas memoráveis, mas fundamentalmente seguras e responsáveis. A assessora técnica da Superintendência de Turismo Lençóis e Delta, Emmyly Freitas, reforçou a análise: “Quando o turismo cresce sem mecanismos de proteção, o risco de violações aumenta. Fortalecer políticas públicas, capacitar profissionais e envolver a comunidade local é essencial para consolidar um destino verdadeiramente responsável”. Essa perspectiva consolida a ideia de que a responsabilidade social não é um anexo, mas sim um pilar de um turismo verdadeiramente sustentável.

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Agência Maranhão

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Mais Infância, Mais Turismo: Estratégia de Sensibilização

A Setur-MA detalhou as ações do programa estratégico “Mais Infância, Mais Turismo”, que se configura como uma frente abrangente de proteção. O programa opera em diversas camadas para criar um ambiente turístico seguro e consciente, que inclui: Sensibilização e Capacitação de profissionais do setor; Mobilização de Redes locais de proteção (conselhos tutelares, escolas); Promoção de Práticas Seguras nos destinos; e Disseminação Educativa através de materiais informativos em eventos, escolas e pontos turísticos. A coordenadora do programa, Wanda Bittencourt, descreveu o “Mais Infância, Mais Turismo” como um convite contínuo à sociedade. É um esforço para proteger a infância, garantir seus direitos e assegurar que não haja violação. A visão é construir um futuro onde o desenvolvimento do turismo e a justiça social caminhem lado a lado, propagando ideias de proteção em todos os níveis do setor.

Trabalho Decente e Enfrentamento a Violações

O seminário, promovido pelas comissões de Combate ao Tráfico de Pessoas e Erradicação do Trabalho Escravo e Combate ao Trabalho Infantil e Estímulo à Aprendizagem do TRT-MA, teve um espectro de temas que ia além da exploração sexual. A programação abordou de forma integrada o trabalho decente e sustentável, o turismo responsável, o tráfico de pessoas e as boas práticas na cadeia do turismo. A realização do evento em uma região de alto fluxo de visitantes como Barreirinhas é estratégica. Regiões turísticas, devido à sazonalidade e à movimentação de pessoas, apresentam vulnerabilidades específicas que exigem uma rede de proteção e prevenção ativamente capacitada. O seminário serviu para capacitar profissionais que atuam diretamente na rede de proteção e no setor turístico, tornando-os multiplicadores de uma cultura de respeito aos direitos humanos. Ao debater o tráfico de pessoas, o trabalho infantil e a exploração sexual no mesmo fórum de turismo sustentável, o TRT-MA e a Setur-MA sinalizam um entendimento crucial: o turismo só será verdadeiramente sustentável se for socialmente justo e protetivo. É um apelo à responsabilidade coletiva para que a beleza natural dos Lençóis Maranhenses não mascare a necessidade urgente de dignidade e segurança para todos os cidadãos, especialmente os mais jovens. O Maranhão se consolida, assim, como um laboratório de políticas que buscam equilibrar a prosperidade econômica do turismo com a integridade social e a defesa incondicional da infância.

Ibama intensifica combate ao garimpo na floresta contínua amazônica

O Ibama reforçou nas últimas semanas sua ofensiva contra o garimpo ilegal na maior área contínua de floresta tropical protegida do mundo, com foco estratégico no Amapá. Em uma operação batizada de Xapiri Karuãna, o órgão ambiental atuou tanto na Floresta Estadual do Amapá quanto no Parque Nacional Montanhas do Tumucumaque, denunciando irregularidades em lavras, suspensões de licenças e até destruindo maquinário pesado usado por mineradores ilegais.

O panorama da atuação do Ibama revela o nível de gravidade das violações. Segundo as equipes, foram constatados descumprimento de condicionantes ambientais, uso intensivo de mercúrio – substância proibida em áreas sensíveis – supressão vegetal em Áreas de Preservação Permanente (APP) e mineração para além dos limites legalmente permitidos. Diante dessas infrações, o Ibama decidiu suspender atividades de pesquisa e extração de três lavras garimpeiras até que todas as irregularidades sejam sanadas.

As ações ganharam corpo em 13 de novembro. Na Floresta dos Angelins Gigantes, no Pará, o Ibama desmantelou uma estrutura aérea clandestina montada para abastecer operações ilegais: embargou um hangar e uma pista improvisada, aplicou R$ 4,8 milhões em multas e destruiu um arsenal pesado de equipamentos — entre eles, um avião adaptado para carga, oito escavadeiras hidráulicas, uma draga, um barco, uma caminhonete, motores, geradores, e mais de 4 acampamentos clandestinos. Também foram inutilizados mais de 3 000 litros de diesel e 300 litros de combustível de aviação. A área tem especial relevância simbólica e ecológica porque abriga uma das maiores árvores da Amazônia — um angelin gigante de cerca de 88 metros.

Essa floresta é conhecida por abrigar algumas das árvores mais altas do bioma amazônico, como os lendários angelins gigantes que inspiram estudos de ecologia e conservação. Essas árvores têm papel importante na dinâmica climática local: sua grande copa faz evapotranspiração intensa, contribuindo para manter os chamados “rios voadores” — massas de umidade que alimentam chuvas até em outras regiões do Brasil.

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Garimpo

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Ao apontar irregularidades e punir os infratores, o Ibama busca não apenas desencorajar o garimpo ilegal, mas também proteger ecossistemas cruciais para o clima global. A região onde se desenrola essa operação – o mosaico formado pela Floresta Estadual do Amapá e o Parque Nacional Montanhas do Tumucumaque – é uma das mais extensas áreas protegidas de floresta tropical do planeta. O Parque Nacional é administrado pelo ICMBio, agência federal responsável pela gestão de unidades de conservação, e abriga uma biodiversidade extremamente rica e remota.

Já a Floresta Estadual do Amapá, conhecida como Flota Amapá, cobre mais de 2,3 milhões de hectares e foi criada para promover o uso sustentável dos recursos florestais, a pesquisa científica e a participação de comunidades tradicionais.

A operação do Ibama impressiona não apenas pelo aparato usado para desmantelar as estruturas ilegais, mas pela clara articulação entre fiscalização, proteção ambiental e defesa do clima. Para a autarquia, as multas e apreensões não são fins em si mesmos, mas meios para preservar uma das fortalezas naturais mais estratégicas da Amazônia.

Há uma dimensão simbólica forte nessa operação. A destruição de equipamentos em apoio direto à extração ilegal subterrânea reforça a mensagem de que não haverá tolerância para o avanço do garimpo em unidades de conservação. Além disso, proteger a Floresta dos Angelins Gigantes significa proteger não apenas árvores monumentais, mas também a integridade de sistemas hídricos essenciais ao clima sul-americano.

Do ponto de vista ambiental, a operação representa uma virada: em vez de apenas relatar crimes, o Ibama age para neutralizar as frentes de exploração ilegal mais agressivas. Do ponto de vista climático, a ação defende áreas que funcionam como reservatórios de carbono e mantenedoras do ciclo hidrológico que alimenta regiões distantes da Amazônia. E do ponto de vista social, a fiscalização fortalece a proteção de territórios vulneráveis, cujos habitantes são frequentemente vítimas de ilegalidade.

As consequências vão além do curto prazo. Ao coibir o garimpo ilegal nessas áreas protegidas, o Ibama ajuda a garantir a continuidade de processos ecológicos vitais e a defender riachos, matas e comunidades que dependem da floresta para sobreviver. Contra esse pano de fundo, a operação Xapiri Karuãna não é apenas uma ação de fiscalização — é parte de uma estratégia mais ampla para proteger a Amazônia e o clima global.