Novo relatório global estima impactos devastadores se o mundo não agir pelo clima

Um alerta global sobre custos humanos e econômicos da crise climática

A nova edição do Panorama Ambiental Global, o GEO7, divulgada pelo Programa das Nações Unidas para o Meio Ambiente (Pnuma) , reforça um diagnóstico que há anos se repete, mas agora com números mais duros e projeções mais abrangentes. Apresentado em Nairóbi, o documento indica que a falta de ação diante da crise ambiental e climática não é apenas um risco abstrato: trata-se de uma ameaça concreta à vida humana, ao bem-estar social e à estabilidade econômica mundial. Os cientistas envolvidos demonstram que negligenciar o clima pode resultar em milhões de mortes prematuras, pressões adicionais sobre populações vulneráveis e um rombo bilionário para governos e sociedades.

O GEO7 sintetiza décadas de pesquisa e avaliação sobre os sistemas naturais e suas relações com a atividade humana. Ele também aponta caminhos possíveis, destacando que as escolhas feitas agora determinarão se o planeta atravessará as próximas décadas com mais segurança, menos desigualdade e maior resiliência — ou se enfrentará crises cada vez mais profundas e onerosas.

Transformar sistemas para salvar vidas e reduzir desigualdades

Robert Watson, copresidente da avaliação científica do GEO7, destaca que apenas transformações profundas serão capazes de reverter a trajetória atual. Para ele, não basta ajustar políticas ou aperfeiçoar modelos de gestão: é preciso repensar completamente a forma como transcorrem os sistemas que estruturam a vida contemporânea. Isso inclui finanças, energia, produção de materiais, agricultura e as próprias instituições públicas.

Essas mudanças, segundo Watson, não podem recair exclusivamente sobre ministros do meio ambiente. Governos inteiros, em todas as áreas, precisam assumir o desafio. Do contrário, as consequências poderão incluir 9 milhões de mortes anuais relacionadas à poluição, aumento da pobreza extrema e expansão da insegurança alimentar. O relatório aponta que até 200 milhões de pessoas podem deixar a subnutrição caso as recomendações sejam implementadas, e cerca de 150 milhões poderiam sair da pobreza extrema.

Os autores reforçam que as soluções propostas envolvem integração entre tecnologia, mudança cultural, inovação em políticas públicas e decisões coletivas. Para que isso aconteça, o relatório sugere uma combinação de investimentos robustos e ações de curto, médio e longo prazo, com foco em justiça social e diversificação econômica.

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Foto: Mídia Ninja.

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Custos da inação superam amplamente os investimentos necessários

Um dos pontos mais contundentes do GEO7 diz respeito ao custo de manter tudo como está. Segundo o Pnuma, seriam necessários aproximadamente US$ 8 trilhões por ano para cumprir as metas globais de neutralidade de carbono e de conservação da biodiversidade até 2050. No entanto, os prejuízos já registrados demonstram que não agir custa muito mais.

A diretora executiva do Pnuma, Inger Andersen, alerta que somente as mudanças climáticas reduzirão cerca de 4% do PIB global até meados do século, além de causar mortes e estimular migrações forçadas. A combinação de eventos extremos, secas prolongadas, enchentes e ondas de calor intensas já custa ao mundo cerca de US$ 143 bilhões por ano. E esse valor não inclui o impacto indireto sobre infraestrutura, produtividade e saúde pública.

Apenas a poluição do ar exigiu US$ 8,1 trilhões em gastos globais em 2019. A exposição contínua a substâncias tóxicas presentes nos plásticos representa outro prejuízo significativo: aproximadamente US$ 1,5 trilhão anuais. Os cientistas são categóricos: diante desse cenário, investir na transição ecológica não é uma alternativa — é a única escolha racional possível.

Um novo modelo de decisão para um planeta mais resiliente

O GEO7 também apresenta críticas ao modelo tradicional de tomada de decisões adotado por governos. Para os pesquisadores, focar exclusivamente no PIB como indicador de progresso obscurece perdas ambientais e sociais que afetam a qualidade de vida. O documento recomenda que países adotem métricas mais abrangentes, capazes de captar aspectos como saúde, bem-estar e capital natural.

O relatório é resultado do trabalho conjunto de 287 cientistas de 82 países, com contribuições de mais de 800 revisores. Para Inger Andersen, o GEO7 deve servir como impulso para que os avanços alcançados recentemente, especialmente nas negociações sobre clima, como a COP30, se convertam em ações concretas. Implementar as promessas já feitas e ampliá-las é, segundo ela, um passo essencial para que o planeta alcance resiliência diante de um futuro climático desafiador.

Maranhão lança DEFSHACK, desafio que une tecnologia e sustentabilidade

O DEFSHACK – Hackathon Educacional Sustentável, que abre nesta quinta-feira (11), chega como um movimento que combina educação, ciência e consciência ambiental em uma mesma trilha formativa. A iniciativa é promovida pelo Instituto Estadual de Educação, Ciência e Tecnologia do Maranhão (Iema), pela Defensoria Pública do Estado do Maranhão (DPE-MA) e pela Kadoo Academy, startup maranhense especializada em educação e empreendedorismo jovem.

A proposta envolve estudantes dos Iemas Plenos Bacelar Portela, Desembargador Sarney e Tamancão, que participarão de um percurso de criação coletiva orientado para o uso de resíduos eletroeletrônicos como matéria-prima para soluções tecnológicas. Num cenário em que o lixo eletrônico cresce em escala global, o projeto busca transformar o desafio ambiental em oportunidade educativa, mostrando que inovação também é a capacidade de reconstruir a relação com os materiais descartados.

O hackathon se baseia em um princípio simples: desenvolver tecnologia não é apenas projetar o novo, mas também regenerar o que a sociedade já perdeu de vista. Ao trabalhar diretamente com o que normalmente seria descartado, os estudantes entram em contato com a lógica da economia circular e com a responsabilidade socioambiental que acompanha a inovação contemporânea.

Economia circular como prática e experiência de aprendizagem

O DEFSHACK foi planejado para ser mais do que uma competição. Ele funciona como um laboratório vivo em que os alunos podem experimentar, errar, reaprender e reinventar. O cronograma inclui mentorias com especialistas, oficinas de prototipagem, atividades focadas em metodologias criativas e momentos de fortalecimento do pensamento crítico.

O design thinking, a cultura maker e a inovação aberta são incorporados como ferramentas que ajudam os estudantes a observar seus territórios, entender problemas concretos e criar soluções que dialogam com essas realidades. A manipulação de peças eletrônicas descartadas — placas, fios, carcaças, sensores — aproxima os jovens do funcionamento íntimo dos equipamentos que fazem parte do cotidiano, permitindo que compreendam o potencial oculto por trás do que se considera lixo.

Essa abordagem transforma o ato de aprender em descoberta. Os alunos deixam de ser apenas usuários de tecnologia e passam a ocupar o papel de produtores e analistas de sistemas. Mais do que absorver conteúdos, eles são provocados a construir caminhos, testar hipóteses e aprimorar suas criações com base em sua observação do mundo.

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Nadjelena

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Soluções que conectam impacto social, território e tradição

O caráter criativo do DEFSHACK pode ser visto na diversidade de propostas que surgem em cada edição. Neste ciclo, há desde sistemas hidropônicos feitos com peças reaproveitadas até robôs coletores de resíduos para atuar em praias e áreas costeiras. Jogos educativos sobre descarte correto, boias de monitoramento ambiental e dispositivos automatizados para abastecimento hídrico em comunidades vulneráveis são outras soluções que refletem a preocupação dos jovens com questões sociais urgentes.

Projetos como o Bumba Tech, que integra tecnologia e elementos da cultura maranhense, mostram como o território pode inspirar inovação. Ao reconhecer sua própria identidade como fonte criativa, os estudantes ampliam o significado do que constroem e atribuem às suas propostas valor simbólico e pertencimento.

O Demo Day, também marcado para quinta-feira, será o momento em que essas ideias ganham palco. As equipes apresentam protótipos a uma banca avaliadora, concorrendo em categorias que valorizam práticas de consumo consciente e impacto comunitário. O formato reforça o objetivo principal: transformar conhecimento em ação.

Educação como vetor de transformação ambiental e social

Ao unir o Iema, a DPE-MA e a Kadoo Academy, o DEFSHACK demonstra que iniciativas educacionais podem ganhar escala quando conectam escola, instituições públicas e ecossistema de inovação. A proposta estimula uma geração de estudantes a compreender que sustentabilidade e tecnologia não são temas distantes, mas dimensões interligadas de um futuro comum.

A intenção dos organizadores é consolidar o hackathon como referência em práticas de inovação sustentável no Maranhão, criando um ambiente que estimule continuidade, colaboração e formação de jovens protagonistas. O início das atividades nesta quinta-feira marca o ponto de partida de uma jornada que coloca os estudantes como agentes da mudança — capazes de transformar resíduos em soluções, ideias em projetos e consciência ambiental em impacto real.

Adaf reforça ações de vigilância após confirmar foco de raiva em Presidente Figueiredo

A confirmação de um novo foco de raiva em animais de produção no município de Presidente Figueiredo mobilizou imediatamente a Agência de Defesa Agropecuária e Florestal do Amazonas (Adaf). O caso foi identificado após a morte de dois bezerros com sinais compatíveis com a doença, notificados à autarquia no fim de novembro. As amostras foram encaminhadas ao Laboratório Central de Saúde Pública (Lacen/FVS-RCP), que confirmou o diagnóstico, acionando o protocolo emergencial de contenção.

A raiva, conhecida por sua alta letalidade e rápida evolução, coloca em risco tanto a produção pecuária quanto a saúde humana. Por isso, assim que os resultados foram validados, equipes técnicas da Adaf passaram a atuar diretamente na propriedade afetada e no entorno. Essa pronta resposta revela a centralidade da vigilância sanitária na prevenção de surtos capazes de comprometer rebanhos inteiros e comunidades rurais.

O proprietário dos animais foi oficialmente comunicado e recebeu orientações detalhadas sobre as medidas obrigatórias a partir da detecção do foco. O esforço de contenção, porém, não se limita à área diretamente afetada: ele se estende a propriedades que compõem um amplo raio de risco, entre três e doze quilômetros do ponto onde a doença foi identificada.

Vacinação obrigatória e monitoramento de morcegos

Uma das primeiras frentes de ação envolve a imunização emergencial de todos os animais susceptíveis à raiva — bovinos, equídeos, caprinos e ovinos. A vacinação é obrigatória, e os produtores devem comprovar a imunização e informar à Adaf, dentro de 30 dias, sobre a situação dos animais que receberam a primeira dose.

Segundo Larissa Carvalho, médica veterinária da Adaf e coordenadora do Programa Nacional de Controle da Raiva dos Herbívoros (PNCRH), as equipes seguem um protocolo que combina imunização, investigação e vigilância ambiental. Enquanto produtores são orientados sobre a urgência da vacinação, técnicos percorrem a região para identificar sinais de mordedura de morcegos hematófagos — transmissores frequentes do vírus no ciclo rural.

Além disso, potenciais abrigos desses morcegos são mapeados estrategicamente para permitir ações de captura controlada. Trata-se de uma etapa crucial: localizar e monitorar colônias ajuda a interromper cadeias de transmissão que poderiam se ampliar rapidamente, especialmente em áreas com grande densidade animal.

Essa combinação de medidas — imunização, investigação de campo e manejo ambiental — constitui a espinha dorsal das estratégias de contenção da raiva em áreas rurais, onde a interação entre animais domésticos e fauna silvestre é constante.

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FOTO: Divulgação/Adaf

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Informação como ferramenta de prevenção sanitária

Embora o foco da operação esteja nas medidas de campo, a Adaf também reforça outra frente fundamental: a educação sanitária. A instituição intensifica ações de orientação técnica, especialmente em regiões onde a circulação viral pode ser maior. Produtores recebem informações claras sobre sinais clínicos, formas de transmissão, reconhecimento de mordeduras e procedimentos imediatos diante de suspeitas.

A veterinária Larissa Carvalho destaca que as equipes estão capacitadas para apoiar os criadores e esclarecer dúvidas, reduzindo a desinformação que muitas vezes atrasa notificações. E, nesse tipo de doença, o tempo é um fator decisivo: quanto mais rápida a comunicação, mais eficiente é o bloqueio sanitário.

Para a população geral, a orientação também é direta. A Adaf informa que qualquer pessoa que tenha tido contato próximo com animais doentes ou suspeitos deve procurar atendimento médico imediatamente — já que a raiva, uma zoonose de impacto global, permanece quase sempre fatal após o aparecimento dos sintomas.

Além do atendimento presencial nos escritórios da autarquia, as notificações podem ser feitas via AdafOuv, pelo telefone (92) 99380-9174, ou pelo e-mail [email protected]. A multiplicidade de canais busca facilitar a comunicação, especialmente para produtores de áreas mais isoladas.

A raiva e seus sinais: a importância do reconhecimento rápido

A raiva é causada por um vírus que afeta o sistema nervoso central, evoluindo de forma acelerada e fatal na maioria dos casos. No campo, as manifestações nos animais são visíveis e características: andar cambaleante, isolamento do rebanho, dificuldade para engolir, salivação intensa, deitar-se lateralmente e movimentos de pedalagem são alguns dos sinais que devem acender um alerta imediato.

Todos os mamíferos podem se infectar, incluindo espécies domésticas, de produção e silvestres. No ciclo rural, entretanto, os morcegos hematófagos exercem papel central como transmissores. Por isso, investigar mordeduras, monitorar abrigos e educar produtores sobre a identificação desses morcegos são ações constantes no trabalho de defesa agropecuária.

O foco confirmado em Presidente Figueiredo reforça a importância da vigilância sanitária contínua. As equipes da Adaf atuam para quebrar rapidamente a rota de transmissão e garantir segurança aos rebanhos, aos produtores e à população. Essa resposta articulada, que une ciência, ação territorial e mobilização comunitária, revela a complexidade e a urgência do controle de uma doença que, apesar de conhecida há séculos, ainda exige atenção permanente.

Ipaam celebra 30 anos com Expofeira e debate sobre licenciamento ambiental

Ao completar três décadas de atuação, o Instituto de Proteção Ambiental do Amazonas (Ipaam) transformou seu campus em Manaus em um espaço de trocas, exposições e debates que revelam tanto a diversidade produtiva quanto os desafios socioambientais do estado. Na quarta-feira, 10 de dezembro, a Expofeira do Ipaam abriu oficialmente uma programação comemorativa extensa, marcada por uma mesa-redonda sobre o licenciamento ambiental da mineração e práticas de mitigação de impactos na exploração mineral no Amazonas. O evento reuniu representantes do poder público, da academia e do setor produtivo para refletir sobre um dos temas mais sensíveis na gestão territorial das áreas rurais e de floresta.

O clima no Auditório do Centro de Monitoramento Ambiental de Áreas Preservadas (Cmaap) foi de diálogo aberto e tensão produtiva: enquanto se celebram 30 anos de defesa ambiental, especialistas lembraram que a expansão das demandas econômicas, como a mineração, impõe à legislação e às instituições de fiscalização desafios contínuos de atualização, integração e aplicação prática. A programação comemorativa, que segue até dia 17 de dezembro, inclui painéis, oficinas e capacitações técnicas voltadas a aprofundar essa interface entre proteção ambiental, desenvolvimento econômico e participação social.

Feira como vitrine de empreendedorismo sustentável

A Expofeira, instalada no estacionamento do Ipaam, é uma expressão concreta de como a proteção ambiental pode se conectar à vida cotidiana das pessoas. Com 35 expositores de variadas origens, o público encontrou uma representação plural da produção local: artesanatos que reaproveitam materiais, produtos cosméticos artesanais, quitutes como pães e biscoitos, temperos, almoço regional, roupas, calçados, brinquedos infantis, semijoias, guaraná em pó, tacacá, queijos e iogurtes. A feira, além de espaço de circulação econômica, funcionou como um ponto de encontro entre servidores do próprio instituto, microempreendedores e visitantes.

Para o diretor-presidente do Ipaam, Gustavo Picanço, a Expofeira vai além de uma simples vitrine de produtos: ela estimula o empreendedorismo sustentável e valoriza a produção local em um período de maior circulação de público. Segundo ele, iniciativas como essa reforçam a missão do instituto de proteger o ambiente, mas também de incentivar práticas econômicas que respeitem o meio ambiente e fortaleçam a autonomia econômica das famílias envolvidas.

A analista ambiental da Gerência de Educação Ambiental do Ipaam, Fátima Melo, explicou que essa feira acontece duas vezes ao ano — em junho, durante a chamada “semana do junho ambiental”, e em dezembro. A proposta é oferecer igualdade de participação a todos os empreendedores, sejam eles servidores ou membros da comunidade externa. A feira tem sido uma oportunidade real de incrementar renda, estreitar relações comunitárias e fortalecer laços entre o meio ambiental e as atividades econômicas locais.

Nesse cenário, histórias de empreendedores como a da engenheira civil Edelene Portela ganham destaque. Há cerca de três anos, ela participa da Expofeira com sua produção de geleias artesanais, condimentos e conservas de pimenta. A motivação para começar veio em meio à pandemia da Covid-19 e, desde então, o vínculo com a feira tem crescido. Para Edelene, a importância da Expofeira não está apenas nas vendas, mas na conexão humana que proporciona: “apresentar meus produtos para pessoas diferentes, ver a reação de quem prova, sentir o prazer que isso traz a quem consome, não tem coisa melhor”, afirma ela.

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Fotos: Henrique Almeida/Ipaam

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Licenciamento ambiental da mineração no foco do debate

O eixo central do encontro técnico foi a mesa-redonda intitulada “O licenciamento ambiental das atividades de exploração mineral: a aplicação da legislação ambiental mitigando os impactos ambientais”. O debate trouxe vozes diversas para refletir sobre o papel das instituições, do parlamento e da sociedade civil no aprimoramento das práticas de licenciamento — um tema que retorna com força diante de projetos de infraestrutura e mineração em áreas sensíveis do interior do estado.

Estiveram presentes o deputado estadual Sinésio Campos, presidente da Comissão de Geodiversidade, Recursos Hídricos, Minas, Gás, Energia e Saneamento da Assembleia Legislativa do Amazonas (Aleam); o analista ambiental do Ipaam José Raimundo Rabelo; o professor titular do Departamento de Geologia da Universidade Federal do Amazonas (Ufam), Tiago Felipe Arruda Maia; representantes da Secretaria de Estado de Energia, Mineração e Gás (Semig); e a secretária municipal de Meio Ambiente e Desenvolvimento Sustentável de Manicoré, Marta Regina Silva Pereira. A mediação foi conduzida pela analista ambiental do Instituto, Maria do Carmo Neves dos Santos.

Durante sua fala, o deputado Sinésio Campos destacou que o Poder Legislativo tem papel fundamental na formulação e na fiscalização de políticas ambientais no Amazonas, buscando segurança jurídica e equilíbrio entre atração de investimentos e desenvolvimento sustentável. Ele citou exemplos de projetos estratégicos acompanhados pela Aleam, como o campo de gás de Silves, desenvolvido pela Eneva, e o projeto de potássio em Autazes, ressaltando a necessidade de mecanismos claros de avaliação e mitigação de impactos.

O secretário de Estado de Energia, Mineração e Gás, Ronney Peixoto, também participou do debate, enfatizando a importância da mineração e da energia como vetores de desenvolvimento econômico. Ao mesmo tempo, destacou que todas as operações devem respeitar os critérios legais e ambientais mais rigorosos, com o Ipaam atuando como corpo técnico essencial para orientar, licenciar e monitorar tais empreendimentos.

Outro convidado, o engenheiro agrônomo do Instituto de Desenvolvimento Agropecuário e Florestal Sustentável do Amazonas (Idam), Adalberto Gomes, afirmou que a integração entre órgãos estaduais facilita a compreensão das exigências ambientais e fortalece a atuação produtiva no interior. Para ele, participar de debates como esse ajuda a superar lacunas de comunicação e tornar o licenciamento ambiental uma etapa compreendida por todos os atores envolvidos.

Três décadas de proteção ambiental e novos rumos

Os 30 anos do Ipaam são também uma oportunidade para olhar para frente. A programação comemorativa, que vai até 17 de dezembro, aposta em capacitações técnicas e diálogos que ampliam a compreensão sobre a complexidade do desenvolvimento sustentável no Amazonas. Ao oferecer oficinas presenciais e online, painéis e encontros intersetoriais, o instituto busca qualificar tanto servidores quanto cidadãos sobre temas que vão desde educação ambiental até a aplicação da legislação.

Esse conjunto de ações mostra que a proteção ambiental não é um esforço isolado de fiscalização, mas envolve construção de conhecimento, diálogo com a sociedade e incentivo a práticas econômicas que convivam harmoniosamente com o ambiente. Ao reunir produtores, empreendedores, técnicos, gestores públicos e representantes da academia, o Ipaam demonstra que questões como o licenciamento ambiental, a mitigação de impactos e a geração de renda são desafios comuns que exigem respostas integradas.

O debate instalado na Expofeira e na mesa-redonda sobre mineração ressoa em um momento em que o Amazonas vive pressões crescentes sobre seus recursos naturais. A experiência acumulada ao longo de 30 anos coloca o Ipaam em posição estratégica para mediar interesses, qualificar políticas públicas e fortalecer uma visão de desenvolvimento que seja, simultaneamente, sustentável, inclusiva e respeitosa com a biodiversidade e os modos de vida das populações locais.

Turismo de Base Comunitária ganha força em Caxiuanã e redesenha caminhos de desenvolvimento

Um território de floresta, cultura e movimento comunitário

Entre rios de águas claras, trilhas sob copa fechada e comunidades ribeirinhas que conservam modos de vida tradicionais, a Floresta Nacional de Caxiuanã viveu, na primeira semana de dezembro, um momento decisivo para seu futuro. Moradores de Caxiuanã, Laranjal, São Tomé e Glória participaram de uma oficina de Turismo de Base Comunitária organizada pela Secretaria de Turismo do Pará (Setur). O encontro abriu espaço para debates que ultrapassaram técnicas de atendimento ou organização de roteiros: trouxe à mesa a compreensão de que o turismo pode se tornar uma ferramenta de gestão territorial feita pelas próprias comunidades.

Durante seis dias, os participantes revisitaram conceitos fundamentais do TBC, mapearam desafios da região e identificaram atrativos capazes de sustentar experiências responsáveis e conectadas à realidade local. Trilhas, igarapés, áreas de observação de aves, cenários privilegiados para vivências científicas e expressões da cultura ribeirinha emergiram como potenciais âncoras de novos itinerários. O diálogo também avançou sobre temas essenciais para o cotidiano da região: logística, acesso, bioeconomia, conservação da biodiversidade e as primeiras diretrizes para um plano comunitário de ação.

Onde a ciência se encontra com as tradições

Caxiuanã é um dos territórios amazônicos que melhor combinam floresta preservada e presença humana ativa. Ali, práticas como pesca, extrativismo, manejo tradicional e circulação entre rios fazem parte da dinâmica diária. Ao mesmo tempo, a proximidade com a Estação Científica Ferreira Penna, mantida pelo Museu Paraense Emílio Goeldi (MPEG), amplia um potencial singular: o de integrar turismo científico, educação ambiental e convivência com a vida na floresta.

Esse cruzamento entre ciência e tradição reforça um traço essencial do Turismo de Base Comunitária. Ele não transforma o território para adaptá-lo ao visitante, mas permite que o visitante se adapte ao território, aprendendo com quem vive ali e participando de experiências que respeitam ciclos naturais, relações sociais e saberes ancestrais. Em Caxiuanã, esse encontro favorece também a permanência dos jovens nas comunidades, a transmissão de conhecimentos entre gerações e a manutenção de práticas sustentáveis que garantem a reprodução cultural e econômica local.

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Foto: Divulgação – Ag. Pará

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Uma política pública que nasce do território

O fortalecimento do TBC em Caxiuanã se insere em um movimento mais amplo de institucionalização dessa abordagem no Pará. A Política Estadual de Turismo de Base Comunitária (Lei nº 9.773/22), coordenada pela Setur, busca integrar bioeconomia, inclusão social, conservação ambiental e valorização das cadeias produtivas locais. Essa integração dialoga diretamente com diretrizes nacionais e com a Política Nacional de Turismo de Base Comunitária, que defende o protagonismo dos moradores como condição para que a atividade gere benefícios duradouros.

Para o secretário de Turismo do Pará, Eduardo Costa, essa mudança de perspectiva é estratégica: quando a comunidade conduz o processo, o turismo se converte em uma ferramenta de fortalecimento territorial. Em Caxiuanã, essa visão se materializa na organização de grupos locais, na construção coletiva de planos de ação e no reconhecimento de que cada trilha, cada igarapé e cada gesto cotidiano são parte de um patrimônio vivo que só faz sentido se permanecer nas mãos de quem o guarda.

Ação conjunta e futuro compartilhado

A oficina realizada em Caxiuanã foi resultado de um esforço interinstitucional envolvendo o Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade (ICMBio), responsável pela gestão da Floresta Nacional de Caxiuanã, o Museu Paraense Emílio Goeldi e a Setur. As instituições trabalharam de maneira coordenada desde o planejamento logístico até a execução das atividades, garantindo condições adequadas para que o encontro se tornasse um marco para as comunidades envolvidas.

Essa articulação revela um caminho possível e crescente: o do desenvolvimento sustentado por políticas públicas, conhecimento científico e participação social ampla. Segundo o técnico em TBC da Setur, Caio Vasconcellos, a iniciativa consolida práticas que promovem conservação ambiental, geração de renda, justiça social e valorização cultural. Em outras palavras, o turismo que nasce de Caxiuanã aponta para um modelo capaz de fortalecer vínculos, proteger a floresta e criar oportunidades reais para quem vive e cuida desse território.

Produtores de Itupiranga acessam crédito para fortalecer pecuária

Crédito rural reacende dinamismo produtivo em Itupiranga

O ano de 2025 termina com um impulso econômico significativo para pequenos produtores de Itupiranga, no sudeste do Pará. Treze famílias do município foram contempladas com mais de R$ 800 mil em crédito rural, valor articulado por projetos elaborados pelo escritório local da Empresa de Assistência Técnica e Extensão Rural do Pará (Emater). Os financiamentos foram formalizados junto ao Banco da Amazônia (Basa) e ao Sistema de Crédito Cooperativo (Sicredi), destinado a impulsionar atividades de pecuária de leite e de corte.

A operação marca um momento de retomada da política de crédito rural em Itupiranga, aliando assistência técnica contínua, articulação institucional e políticas públicas para fortalecer a agricultura familiar. A maior parte dos beneficiários vive em assentamentos da reforma agrária, locais onde o acesso a financiamentos muitas vezes esbarra em burocracias, carência de projetos técnicos ou dificuldades logísticas.

O novo cenário, no entanto, demonstra que quando o apoio técnico chega de forma estruturada, o crédito deixa de ser uma abstração e se transforma em oportunidade concreta de incremento de renda e de modernização da produção.

Assentamentos retomam investimentos após anos de retração

Entre as onze áreas contempladas, sete são assentamentos federais: Berrante de Ouro, Mamuí, Jurunas, Palmeira 5, Palmeira 6, Palmeira 7 e Rainha I. Eles se somam às comunidades Cinturão Verde I, Cinturão Verde II, Vila Mariquinha e Tauiri, formando um mosaico social que reúne agricultores familiares com trajetórias e desafios diversos, mas que compartilham a mesma expectativa de ampliar a escala produtiva.

Os financiamentos foram concedidos pelas linhas A e Mais Alimentos do Programa Nacional de Fortalecimento da Agricultura Familiar (Pronaf), mecanismo que tem papel essencial na estruturação de atividades rurais de pequeno porte no Brasil. Os recursos devem ser investidos em ações que impactem diretamente a produtividade e a qualidade do rebanho, como a compra de matrizes e reprodutores da raça girolando — conhecida pela rusticidade, pelo desempenho superior em leite e pela adaptabilidade às condições amazônicas.

Esse conjunto de investimentos representa mais que a modernização de rebanhos: é parte de um movimento de reconstrução da capacidade produtiva em áreas rurais que, por muito tempo, enfrentaram limitações severas para acessar crédito, assistência técnica e serviços financeiros. A presença ativa da Emater nos territórios, em parceria com a prefeitura local, ajuda a destravar processos, orientar agricultores e transformar projetos em contratos efetivos.

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Foto: Divulgação – Ag. Pará

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Assistência técnica como engrenagem do desenvolvimento

O chefe do escritório da Emater em Itupiranga, o técnico em agropecuária Wilter Miranda, explica que este é um ano de retomada da atuação intensiva da instituição na viabilização de crédito rural. Para ele, a reaproximação da assistência técnica com as comunidades rurais promove mais que acesso a recursos financeiros: cria uma rede de suporte que fortalece a pecuária local.

A parceria firmada entre a Emater e a prefeitura municipal, via termo de cooperação técnica, atua justamente nesse ponto: dar continuidade ao acompanhamento das famílias antes, durante e depois da contratação do crédito. Esse trabalho inclui desde diagnósticos de produção até apoio na execução dos projetos financiados, garantindo que os investimentos resultem em ganhos reais para os beneficiários.

Miranda ressalta que a injeção de recursos movimenta toda a cadeia produtiva da pecuária no município. Ela gera demanda por insumos, estimula melhorias na gestão das propriedades e amplia a circulação de renda, criando um ambiente mais favorável para o fortalecimento de mercados locais. Em outras palavras, crédito rural não é apenas dinheiro: é ferramenta de reorganização produtiva e social.

O impacto regional de uma política pública bem implementada

A experiência de Itupiranga é uma ilustração concreta do papel estruturante que o crédito rural exerce quando associado à assistência técnica qualificada. Em municípios de economia predominantemente agrícola, o acesso a financiamentos pode determinar o ritmo de desenvolvimento por anos. Da compra de animais à melhoria de pastagens, passando por infraestrutura básica de manejo, cada investimento abre espaço para transformar propriedades familiares em empreendimentos mais organizados, produtivos e rentáveis.

Os mais de R$ 800 mil contratados em 2025 revelam tanto uma demanda reprimida quanto o potencial de crescimento da região. Os assentamentos federais beneficiados representam exatamente o público que mais necessita de políticas públicas permanentes: agricultores que produzem, mas que dependem de orientação técnica e suporte financeiro para romper ciclos de baixa produtividade.

A retomada do crédito, portanto, não responde apenas aos desafios econômicos atuais; ela projeta expectativas de futuro. À medida que mais famílias conseguem acessar financiamentos, o município cria condições para dinamizar sua pecuária, ampliar mercados e consolidar práticas produtivas sustentáveis. A combinação entre Emater, Pronaf, Basa e Sicredi mostra que, quando instituições públicas e cooperativas financeiras trabalham de forma integrada, os efeitos sociais e econômicos alcançam toda a comunidade rural.

Itupiranga encerra o ano com mais que um número robusto em contratações: encerra com evidências de que políticas públicas continuadas e executadas com proximidade territorial podem redesenhar realidades produtivas, fortalecer economias locais e gerar novas perspectivas para famílias da agricultura familiar.

Amazônia Viva destina R$ 96,6 milhões às cadeias da sociobiodiversidade

Com o anúncio de R$ 96,6 milhões destinados às cadeias produtivas amazônicas, o Programa Florestas e Comunidades: Amazônia Viva inaugura uma fase de investimentos que busca fortalecer economias tradicionais e ampliar a presença de produtos da sociobiodiversidade nos mercados brasileiros. A iniciativa, apresentada em Brasília pela Companhia Nacional de Abastecimento, nasce de uma articulação entre os recursos do Fundo Amazônia e ações conjuntas do Ministério do Meio Ambiente e Mudança do Clima e do Ministério do Desenvolvimento Agrário e Agricultura Familiar.

Seus alvos principais são cadeias já conhecidas por sua relevância — como o cupuaçu, o açaí e o pirarucu —, mas também um conjunto de iniciativas comunitárias que sustentam a vida na Amazônia por meio do extrativismo, da pesca artesanal, da agricultura familiar e do manejo florestal. Trata-se de um esforço que tenta, simultaneamente, fortalecer modos de vida tradicionais e ampliar a escala econômica desses produtos, para que eles deixem de ocupar apenas nichos e conquistem mercados mais amplos e rentáveis.

Segundo João Edegar Pretto, presidente da Conab, dar visibilidade aos produtos da sociobiodiversidade é um compromisso que transcende o ciclo atual de governo: é uma chance de consolidar uma economia florestal sustentável capaz de competir com outras cadeias produtivas nacionais.

Da floresta ao mercado: recursos para transformar a escala

Os recursos do programa serão distribuídos ao longo de dois anos e chegarão a 32 projetos selecionados em toda a Amazônia Legal. As iniciativas contempladas precisam representar redes comunitárias diversas: silvicultores, aquicultores, extrativistas, pescadores artesanais, povos indígenas, comunidades ribeirinhas, quilombolas e outras formas de organização coletiva que compõem a paisagem social da região.

Cada projeto poderá receber até R$ 2,5 milhões para investimentos em infraestrutura, aquisição de equipamentos e mecanismos de escoamento da produção. Na prática, isso significa apoiar desde casas de processamento de frutos até estruturas que melhorem a logística de transporte — gargalo histórico para quem produz na floresta, mas precisa atender mercados urbanos muitas vezes distantes.

A iniciativa também dialoga com políticas já consolidadas, como o Programa Nacional de Alimentação Escolar e o Programa de Aquisição de Alimentos, abrindo espaço para ampliar a presença de produtos da sociobiodiversidade na merenda escolar e nas compras públicas de alimentos.

Ao diversificar o acesso a mercados, o Amazônia Viva aposta em um modelo que não apenas gera renda, mas fortalece cadeias produtivas que conservam a floresta em pé. É uma resposta prática a um debate que há anos procura formas de equilibrar proteção ambiental, dignidade econômica e desenvolvimento regional.

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Conab

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O papel estratégico do Fundo Amazônia

A engrenagem financeira que viabiliza esse novo conjunto de investimentos tem seu centro no Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social, responsável pela gestão do Fundo Amazônia. Criado para financiar projetos de combate ao desmatamento e estímulo a atividades sustentáveis, o fundo foi reestruturado nos últimos anos e volta agora a operar com força renovada.

A diretora socioambiental do BNDES, Tereza Campello, destaca que o avanço recente da fiscalização e a redução do desmatamento abriram espaço para recuperar e expandir os recursos disponíveis. Somados, os investimentos do fundo devem alcançar R$ 2,2 bilhões em 2025, distribuídos entre projetos de proteção ambiental, desenvolvimento socioeconômico e governança amazônica.

Segundo Campello, a alocação de quase R$ 100 milhões exclusivamente para o Amazônia Viva mostra que o foco do fundo está cada vez mais próximo das comunidades que vivem da floresta. Um dos objetivos do programa é criar uma plataforma capaz de organizar, de maneira profissional e acessível, os dados da sociobiodiversidade — uma base estratégica para orientar políticas públicas e atrair investimentos futuros.

Da economia invisível ao protagonismo da sociobiodiversidade

A floresta amazônica movimenta uma economia que, apesar de robusta, costuma permanecer à margem dos grandes indicadores nacionais. Açaí, óleos vegetais, castanhas, pescados, fibras naturais, borracha — todos são produtos que sustentam milhares de famílias, mas que enfrentam obstáculos logísticos, baixa industrialização e dificuldade de competir com cadeias industriais consolidadas.

O Amazônia Viva tenta reverter essa lógica. Ao combinar recursos financeiros, infraestrutura, logística e articulação institucional, o programa aposta em transformar cadeias dispersas em sistemas produtivos mais fortes e competitivos. E, ao contrário das iniciativas que promovem agressões à floresta, essas cadeias dependem diretamente da manutenção de ecossistemas saudáveis.

Com isso, o programa não se limita a financiar equipamentos: ele busca fortalecer um modelo de desenvolvimento que parte da floresta em pé, passa pela valorização do conhecimento tradicional e culmina na oferta de produtos de alta qualidade nos mercados brasileiros e internacionais.

Se a iniciativa for bem-sucedida, pode marcar uma inflexão histórica: a sociobiodiversidade deixaria de ocupar o rodapé da economia amazônica e ganharia o protagonismo que muitos pesquisadores e comunidades defendem há décadas.

Governo lança painel que mapeia quase R$ 800 bilhões em gastos ambientais

Uma janela inédita sobre os gastos ambientais do Brasil

Em um movimento que pode ser considerado um divisor de águas na transparência das finanças ambientais do país, o governo federal lançou nesta terça-feira, 9 de dezembro, um painel interativo que permite ao público acompanhar como o dinheiro público foi gasto nas agendas de clima, biodiversidade e gestão de riscos e desastres entre 2010 e 2023. Essa ferramenta inédita nasce de uma parceria entre o Ministério do Planejamento e Orçamento (MPO), o Banco Interamericano de Desenvolvimento (BID), o Ministério do Meio Ambiente e Mudança do Clima e o Ministério da Fazenda — e representa o primeiro esforço consolidado para mapear e classificar de forma padronizada os gastos climáticos feitos pela União ao longo de 14 anos.

A nova plataforma, que engloba um painel de visualização dinâmica e um relatório analítico completo, cria um documento público que não existia até então: uma série histórica que revela não apenas quanto foi gasto, mas também onde e como esse dinheiro foi aplicado. A ideia por trás da iniciativa é simples e poderosa: sem dados sistematizados, criticavam gestores públicos, pesquisadores e sociedade civil, o Brasil caminhava “às cegas” ao tentar avaliar e aperfeiçoar suas políticas ambientais.

Quase R$ 800 bilhões entre clima, biodiversidade e riscos

O levantamento que sustenta o painel mostra que, de 2010 a 2023, o Governo Central aplicou R$ 782 bilhões em ações relacionadas às três grandes áreas monitoradas. Deste total, R$ 421 bilhões foram canalizados para agenda climática, R$ 250 bilhões para a proteção e conservação da biodiversidade e R$ 111 bilhões para a gestão de riscos e desastres climáticos.

Esse número bilionário — equivalente a quase R$ 56 bilhões por ano em média — é maior do que boa parte das estimativas anteriores disponíveis sobre despesas federais ligadas ao clima e à natureza. O painel deixa claro que a magnitude dos gastos só pode ser compreendida quando as diversas pastas federais passam a falar uma mesma linguagem e a classificar suas despesas por critérios comuns.

Mas os números também revelam algo mais curioso: os valores não cresceram de forma contínua ao longo dos anos. Pelo contrário, a análise mostra dois períodos distintos na evolução dos investimentos: até 2015, o gasto foi relativamente elevado e constante; a partir daquele ano, apresentou uma tendência de queda. Entre os fatores que explicam esse movimento, Brasília aponta a combinação de aperto fiscal, a adoção do teto federal de gastos, e a interrupção de programas decisivos — como o Programa de Aceleração do Crescimento (PAC) — entre 2020 e 2022.

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Foto: Carlamoura.amb

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Mudança de foco: da mitigação ao enfrentamento de riscos

Mais do que os números absolutos, o painel mostra uma transformação no tipo de gasto ao longo dos anos. Em 2010, despesas com adaptação ao clima e gerenciamento de riscos climáticos representavam cerca de 24% do total da agenda climática. Em 2023, esse percentual saltou para quase 70%, indicando que a maior parte dos recursos federais agora está voltada para responder a eventos climáticos extremos que já estão acontecendo — como secas, enchentes e tempestades — em vez de focar em medidas de mitigação das causas das mudanças climáticas.

Essa mudança de perfil revela um Brasil cada vez mais confrontado com os impactos visíveis da crise climática. A ferramenta identifica gastos com infraestrutura de adaptação, programas de seguro rural, como o Programa de Garantia da Atividade Agropecuária (Proagro), e iniciativas de redução de riscos naturais. Mas ela também chama atenção para a baixa destinação de recursos para governança e análise antecipada de riscos — aspectos considerados fundamentais para a prevenção eficaz.

No eixo da biodiversidade, o relatório expõe um paradoxo que muitos especialistas apontam há anos: os gastos com impacto negativo superam os positivos. A construção de grandes hidrelétricas, por exemplo, pode reduzir emissões de carbono ao deslocar fontes fósseis, mas tem efeitos irreversíveis sobre ecossistemas e modos de vida tradicionais. O painel, portanto, não apenas agrega dados, mas também convida a sociedade a debater o que e como os recursos públicos estão sendo empregados.

Uma ferramenta para o futuro

O desenvolvimento da nova metodologia que alimenta o painel envolveu quase dois anos de cooperação técnica entre diferentes órgãos federais, como o Ministério da Agricultura e Pecuária e o Ministério da Ciência, Tecnologia e Inovação, além de organizações da sociedade civil como o Observatório do Clima e o WRI Brasil.

Esse processo colaborativo resultou em um modelo que não se limita à esfera federal: estados, municípios e até outros países podem adaptá-lo para seus próprios contextos. Ao colocar à disposição da sociedade um mapa detalhado dos gastos ambientais federais, o Brasil dá um passo importante rumo a uma gestão mais responsável, democrática e alinhada com os objetivos climáticos globais e nacionais, como os definidos no Plano Clima e no Plano de Transformação Ecológica.

O painel e o relatório completo podem ser acessados diretamente no site do MPO, e um vídeo tutorial orienta qualquer cidadão a navegar pelas informações de forma intuitiva.

Ventania deixa 1,5 milhão sem luz e paralisa São Paulo

Cidade às Escuras: o alcance do apagão após a ventania

A madrugada que separou quarta de quinta-feira mergulhou a Grande São Paulo em um cenário raro: quarteirões apagados, bairros silenciosos e serviços instáveis. As ventanias de 10 de dezembro deixaram um rastro que se manifestou com força na manhã seguinte, quando cerca de 1,5 milhão de clientes ainda estavam sem energia, segundo a Enel São Paulo. Só a capital somava 1 milhão de unidades afetadas, número que colocava em evidência a vulnerabilidade da infraestrutura elétrica diante de eventos climáticos cada vez mais agressivos.

Cidades vizinhas — Barueri, Carapicuíba, Cotia, Embu-Guaçu, Itapecerica da Serra e São Bernardo do Campo — também amanheceram às escuras, algumas já acumulando mais de 24 horas de interrupção. No auge da crise, ainda no dia anterior, mais de 2 milhões de clientes haviam perdido o fornecimento simultaneamente. Enquanto equipes tentavam recompor a rede, moradores e serviços essenciais buscavam alternativas improvisadas para manter rotinas mínimas em funcionamento.

Mobilidade em colapso e ruas caóticas

A falta de energia rapidamente transbordou para o sistema de mobilidade. Com mais de 200 semáforos desligados, conforme a CET – Companhia de Engenharia de Tráfego, as ruas da capital se transformaram em um labirinto de cruzamentos inseguros e congestionamentos que somaram quase 100 quilômetros logo no início da manhã. Árvores caídas bloquearam faixas inteiras e ampliaram o caos viário.

No Aeroporto de Congonhas, administrado pela Infraero, a manhã começou com cinco voos cancelados e ao menos um atraso significativo. Passageiros buscavam alternativas enquanto a administração monitorava as condições de energia e o impacto no entorno do terminal.

A Prefeitura de São Paulo decidiu reabrir os parques municipais, fechados preventivamente na tarde anterior. Vistorias técnicas concluíram que, apesar de quedas de galhos e danos estruturais pontuais, não havia riscos impeditivos à circulação de visitantes.

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Rovena Rosa/Agência Brasil

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A força da ventania e o rastro de destruição

As rajadas que atingiram a região metropolitana alcançaram 98 quilômetros por hora, potência suficiente para derrubar árvores e destelhar estruturas. Somente entre a tarde e a noite de quarta-feira, equipes municipais registraram 514 chamados para remoção de árvores. Em diversos bairros, moradores encontraram carros danificados, fiações tensionadas e vias parcialmente interditadas, enquanto equipes trabalhavam em meio a chuva e ventos que insistiam em retornar.

No litoral, cidades como Bertioga e Santos também experimentaram rajadas intensas, levando à suspensão momentânea de atividades e ao reforço das equipes de emergência. No interior, municípios enfrentaram instabilidades semelhantes, evidenciando que o fenômeno climático se espalhou por um eixo territorial amplo e interligado.

Quando o clima cobra seu preço: impactos humanos e estruturais

Além dos prejuízos materiais, o episódio deixou consequências graves para a população. A Defesa Civil do Estado de São Paulo confirmou a morte de uma pessoa em Campos do Jordão, vítima de um deslizamento provocado pela combinação de ventos fortes e chuva intensa. O caso reabre discussões sobre áreas de risco, ocupação urbana e capacidade de resposta em momentos climáticos extremos.

O apagão em larga escala também recolocou na agenda pública questões sobre resiliência da rede elétrica, estratégias de mitigação e investimentos necessários para enfrentar um futuro em que tempestades severas tendem a se tornar mais frequentes. Enquanto técnicos trabalham para restabelecer a energia por completo, a cidade ainda tenta compreender o impacto real de uma noite em que o vento falou mais alto — e deixou São Paulo diante de sua própria fragilidade.

Imazon conquista prêmio da ONU e marca um novo capítulo na conservação da Amazônia

O instituto Imazon acaba de inscrever seu nome na história da proteção ambiental global. Em 2025, durante a sétima sessão da Programa das Nações Unidas para o Meio Ambiente (PNUMA) realizada em Nairóbi, no Quênia, o Imazon foi reconhecido com o prêmio Champions of the Earth — na categoria Ciência e Inovação — tornando-se a primeira instituição de pesquisa brasileira a alcançar tal distinção.

O reconhecimento destaca a capacidade da organização de utilizar tecnologia de ponta — incluindo inteligência artificial e ferramentas geoespaciais — para monitorar, detectar e prever desmatamento na Amazônia. Essa abordagem inovadora não serve apenas à academia: orienta políticas públicas, sustenta ações judiciais e alimenta mecanismos de governança florestal que buscam conter a destruição ilegal da floresta.

Como a ciência e a tecnologia se tornaram armas contra o desmatamento

Fundado em Belém, no Pará, o Imazon é uma instituição sem fins lucrativos que há mais de três décadas dedica-se à conservação e ao uso sustentável da Amazônia. Com esse novo prêmio da ONU, o instituto consolida uma trajetória marcada por produção científica robusta — com mais de mil pesquisas publicadas — e por inovação tecnológica real, capaz de traduzir dados satelitais em alertas práticos contra a degradação florestal.

O Imazon desenvolveu sistemas de monitoramento contínuo, combinando imagens de satélite, análise geoespacial e algoritmos de inteligência artificial. Essas ferramentas não apenas revelam áreas vulneráveis, mas também antecipam os riscos de desmatamento, permitindo que governos, órgãos de fiscalização e comunidades se mobilizem antes que o dano se concretize. Segundo o instituto, sua atuação já apoiou milhares de processos judiciais voltados à proteção ambiental e ajudou a tornar visível a escala real do desmatamento ilegal na Amazônia.

Para muitos, o trabalho do Imazon representa a reconciliação entre conservação ambiental e desenvolvimento sustentável — provando que não são visões opostas, mas complementares. Ao oferecer dados confiáveis e independentemente verificados sobre cobertura florestal, degradação e uso da terra, o instituto traz transparência a um tema historicamente envolto em disputas políticas, econômicas e ideológicas.

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Divulgação

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Um reconhecimento global que reafirma a importância da Amazônia para o planeta

O Champions of the Earth é a principal honraria ambiental do PNUMA e reconhece indivíduos, organizações e governos cujas ações oferecem soluções transformadoras para os desafios da crise climática, da perda de biodiversidade e da poluição.

Com a premiação deste ano, o Imazon se junta a iniciativas globais de destaque — de jovens ativistas a autoridades subnacionais e arquitetas que projetam edifícios resilientes ao clima. Essa visibilidade internacional não reflete apenas um reconhecimento simbólico, mas legitima uma estratégia de conservação baseada em ciência, tecnologia e atuação concreta.

Para a diretoria do instituto, o prêmio representa um reforço da missão de décadas e uma convocação a ampliar o alcance das soluções: “a ciência geoespacial aliada à inteligência artificial pode acelerar a detecção e prevenção do desmatamento”, afirma o pesquisador coordenador do programa de monitoramento do Imazon.

O que a conquista do Imazon representa para o Brasil e para a Amazônia

Essa vitória do Imazon pode ter consequências profundas. Primeiro, reafirma o papel do Brasil como ator central no debate global sobre clima e biodiversidade — mostrando que soluções tecnológicas e baseadas na ciência podem emergir de organizações brasileiras. Segundo, fortalece a governança ambiental ao prover dados públicos, verificáveis e acessíveis sobre a Amazônia, contribuindo para políticas mais informadas, fiscalização consistente e participação social.

Além disso, o reconhecimento do Imazon pela ONU pode abrir espaço para maior cooperação internacional e financiamento de iniciativas de conservação e desenvolvimento sustentável, tanto na Amazônia quanto em outras florestas tropicais no mundo. Em um momento em que o planeta enfrenta crises convergentes — mudanças climáticas, desmatamento, perda de biodiversidade —, o trabalho do Imazon demonstra que a ciência aplicada pode ser uma ponte entre preservação e futuro humano.

Se há esperança para a Amazônia, ela está em dados transparentes, envolvimento das comunidades e compromisso com o bem comum. O prêmio Champions of the Earth 2025 é uma prova de que esse caminho existe — e que vale a pena percorrê-lo.

Jovens, cientistas e arquitetos lideram lista do Prêmio Campeões da Terra

Prêmio que ilumina caminhos contra a crise climática

O mundo entra em uma década decisiva para conter o avanço da crise climática, e a busca por soluções se tornou tão urgente quanto complexa. Nesse cenário, o Programa das Nações Unidas para o Meio Ambiente (PNUMA) anunciou os vencedores do Prêmio Campeões da Terra 2025, a mais alta honraria ambiental concedida pelas Nações Unidas. São cinco iniciativas — individuais e coletivas — que refletem diferentes frentes de luta: justiça climática, conservação florestal, redução de metano, arquitetura sustentável e resfriamento inteligente.

A cerimônia de anúncio ocorreu durante a sétima sessão da Assembleia das Nações Unidas para o Meio Ambiente (UNEA), reforçando o simbolismo de premiar quem transforma de forma concreta as respostas globais à crise climática. Para a diretora-executiva do PNUMA, Inger Andersen, a lista deste ano representa “o tipo de liderança que inspira o mundo a enfrentar o maior desafio ambiental do nosso tempo”.

Criado em 2005, o prêmio já reconheceu 127 líderes e chega ao seu vigésimo ano revelando protagonistas que atuam em áreas críticas — da proteção das florestas à inovação social e tecnológica capaz de salvar vidas e fortalecer comunidades vulneráveis.

Da justiça climática ao resfriamento sustentável: quem são os vencedores

Os premiados de 2025 compõem um retrato diverso e inspirador da ação climática contemporânea.

O coletivo Estudantes das Ilhas do Pacífico Lutando contra a Mudança Climática, vencedor na categoria Liderança Política, é uma organização juvenil que conquistou um feito histórico ao obter da Corte Internacional de Justiça um parecer reconhecendo as obrigações legais dos Estados de prevenir danos climáticos e proteger direitos humanos. A vitória jurídica, construída em meio a mobilizações comunitárias, ecoa em dezenas de países vulneráveis ao aumento do nível do mar.

Na categoria Inspiração e Ação, Supriya Sahu, do Governo de Tamil Nadu, lidera programas de resfriamento sustentável e restauração de ecossistemas que já geraram 2,5 milhões de empregos verdes e beneficiam diretamente 12 milhões de pessoas na Índia. Sua estratégia combina infraestrutura adaptada ao calor extremo, plantio massivo de árvores e ações de proteção florestal, tornando-se referência internacional em resiliência climática.

A arquiteta nigerina-suissa Mariam Issoufou, vencedora na categoria Visão Empreendedora, redefine o design ambiental ao integrar refrigeração passiva, patrimônio cultural e materiais locais. Seu projeto Hikma Community Complex no Níger tornou-se um modelo para o Sahel e inspira soluções habitacionais adaptadas ao aumento das temperaturas na África e além dela.

O instituto brasileiro Imazon, ganhador na categoria Ciência e Inovação, usa tecnologias geoespaciais e inteligência artificial para monitorar e combater o desmatamento na Amazônia. Suas análises apoiam processos judiciais, revelam a escala da devastação e fortalecem políticas de conservação.

O prêmio póstumo de Carreira homenageia Manfredi Caltagirone, que liderou o Observatório Internacional de Emissões de Metano do PNUMA e foi um dos principais defensores da transparência e da ação científica contra esse gás, cuja redução imediata pode resfriar o planeta em poucos anos.

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Foto: ONU Meio Ambiente

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Por que esses líderes importam no cenário atual

Num momento em que o aquecimento global caminha para ultrapassar 1,5°C já na próxima década, as promessas feitas no âmbito do Acordo de Paris permanecem insuficientes. O PNUMA estima que os custos de adaptação para países em desenvolvimento podem chegar a 365 bilhões de dólares por ano até 2035.

Em contraste com esse cenário de urgência e escassez, os Campeões da Terra surgem como exemplos concretos de ação transformadora. Reduzir metano, como lembrou Andersen, pode gerar benefícios imediatos para o clima e para a saúde. Restaurar florestas protege mananciais, previne desastres naturais e preserva biodiversidade. Edifícios resilientes e estratégias de resfriamento sustentável salvam vidas em ondas de calor, cada vez mais intensas. E a justiça climática garante que povos vulneráveis — muitas vezes os que menos contribuíram para o problema — tenham voz e respaldo legal.

Para o pesquisador Carlos Souza Jr., do Imazon, o avanço tecnológico é decisivo: “Dados socioambientais de credibilidade são essenciais para a agenda de financiamento climático”. Ele lembra que a combinação de ciência geoespacial e inteligência artificial torna o combate ao desmatamento mais preciso e ágil, impactando diretamente o cotidiano das comunidades amazônicas.

Inovação, coragem e um futuro ainda possível

A edição de 2025 do prêmio sublinha que a ação climática não é apenas responsabilidade de governos nacionais. Jovens, pesquisadores, arquitetos, cientistas e gestores públicos de diferentes escalas podem produzir mudanças profundas e replicáveis.

Os vencedores deste ano mostram que a transição para um futuro habitável depende tanto de novas tecnologias quanto de coragem política, sensibilidade cultural e mobilização coletiva. Cada um, à sua maneira, oferece uma resposta à pergunta que define nosso tempo: como conter uma crise que já transforma o planeta?

O PNUMA, ao reconhecer esses líderes, reforça que soluções existem — e que o mundo precisa urgentemente adotá-las em escala.

Um novo olhar para prever deslizamentos: a matemática como aliada

O avanço das mudanças climáticas e a intensificação de eventos extremos têm forçado cientistas a buscar métodos mais precisos para antecipar desastres. No litoral norte paulista, onde as encostas íngremes encontram comunidades vulneráveis, a ciência tenta decifrar sinais que precedem o colapso da terra. Um desses esforços acaba de ganhar força: pesquisadores do Instituto de Ciências Matemáticas e de Computação da Universidade de São Paulo (ICMC-USP) e do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe) desenvolveram uma estratégia estatística capaz de melhorar a previsão de deslizamentos provocados por chuvas intensas.

O método foi testado a partir do trágico episódio de fevereiro de 2023, quando tempestades devastaram bairros de São Sebastião, no litoral norte de São Paulo. A análise, publicada na revista Scientific Reports, indica que essa abordagem, chamada AHP Gaussiano, aumenta a precisão ao classificar áreas segundo seu nível de risco, permitindo respostas mais ágeis e melhor planejamento urbano em territórios vulneráveis.

O desafio de pesar cada fator do desastre

A avaliação de suscetibilidade a deslizamentos costuma partir do cruzamento de numerosos fatores: características do terreno, presença de rios e estradas, alterações na cobertura vegetal, entre outros. Tradicionalmente, esse tipo de análise depende do método AHP, sigla para Processo de Hierarquia Analítica. Nele, cada variável é comparada com as demais, e especialistas atribuem pesos relativos que ajudam a formar o mapa de risco.

O AHP Gaussiano, no entanto, substitui essa etapa subjetiva por um procedimento estatístico que usa a distribuição normal (ou curva de Gauss) para calcular automaticamente o peso de cada variável. Segundo Rômulo Marques-Carvalho, doutorando do ICMC-USP e primeiro autor do estudo, essa substituição elimina ambiguidades, mantém o conjunto de fatores e torna o processo mais alinhado ao comportamento real dos deslizamentos observados no território.

A pesquisadora Cláudia Maria de Almeida, do Inpe, explica que o uso da distribuição gaussiana permite identificar a dispersão e a média dos dados de forma objetiva. Essa abordagem resulta em pesos mais consistentes e adaptados às condições específicas da área estudada, sem depender da percepção individual de especialistas.

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Foto: Roosewelt Pinheiro/ABr

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São Sebastião como laboratório natural

O novo método foi validado com base em um inventário detalhado das áreas atingidas em São Sebastião. Os pesquisadores usaram imagens aéreas de alta resolução, complementadas por registros do Google Earth e das plataformas PlanetScope. Foram identificados quase mil pontos de coroa, locais onde os deslizamentos se iniciam, e mais de mil polígonos de cicatriz, que demarcam as áreas afetadas.

Esse conjunto rico de informações permitiu comparar diretamente os dois métodos. O AHP tradicional classificou 23,52% da área como de suscetibilidade muito alta, enquanto o AHP Gaussiano elevou esse número para 26,31%, aproximando-se melhor da extensão real observada após as chuvas.

Além das diferenças percentuais, os critérios considerados mais determinantes também mudam entre os dois métodos. No AHP clássico, predominam a inclinação e a posição das encostas. Já no AHP Gaussiano, aparecem com mais força a geomorfologia e a distância em relação a rios e estradas, evidenciando o papel das intervenções humanas na instabilidade do terreno.

Um método simples que pode salvar vidas

Além de melhorar a previsão de deslizamentos, o método tem potencial para se tornar uma ferramenta de monitoramento de outros riscos ambientais, como incêndios, desertificação ou rebaixamento de solo, segundo André Ferreira de Carvalho, orientador do estudo. Em um cenário de intensificação de eventos extremos, essa capacidade de antecipação se torna ainda mais urgente.

O mais promissor, porém, é sua aplicabilidade. Para utilizá-lo, um município precisaria apenas de dados geoespaciais básicos e de um computador comum com o software livre QGIS. Isso democratiza o acesso a um instrumento técnico que pode fortalecer a prevenção de desastres, especialmente em cidades que enfrentam limitações financeiras e estruturais.

O estudo contou com apoio da FAPESP em três projetos de pesquisa. Seu impacto, no entanto, pode ultrapassar os limites da academia: ao tornar a análise de risco mais objetiva e acessível, ele contribui para salvar vidas, orientar políticas públicas e preparar comunidades diante de um futuro climático cada vez mais imprevisível.

Lula avança sozinho e lança equipe para detalhar transição energética

Um novo capítulo após a COP30

A conferência do clima realizada em Belém ficou marcada por debates intensos, avanços parciais e uma frustração evidente: a impossibilidade de incluir no texto final um compromisso explícito para eliminar gradualmente os combustíveis fósseis. O governo brasileiro, porém, decidiu não esperar o consenso internacional para agir. Poucos dias após o encerramento da COP30, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva anunciou a criação de um grupo interministerial destinado a transformar essa ambição em política doméstica.

A iniciativa, publicada no Diário Oficial da União, marca a tentativa do Brasil de assumir uma postura mais assertiva na transição energética global. O grupo reúne o Ministério de Minas e Energia, o Ministério da Fazenda, o Ministério do Meio Ambiente e Mudança do Clima e a Casa Civil, concentrando, em uma mesma instância, áreas que lidam com energia, orçamento, clima e articulação política. A missão central é dar forma ao chamado Mapa do Caminho para o fim dos combustíveis fósseis — uma proposta lançada pelo próprio Lula na COP30 e que dividiu opiniões ao redor do mundo.

Embora a conferência não tenha abraçado o conceito, o governo brasileiro transformou o impasse em ponto de partida. O grupo terá 60 dias para apresentar diretrizes e mecanismos que sustentem uma transição energética capaz de reduzir a dependência de petróleo, gás e carvão, e que também dialogue com os desafios econômicos e sociais internos.

O desafio político e diplomático por trás do Mapa do Caminho

Durante a COP30, o Mapa do Caminho surgiu como uma das propostas mais ambiciosas apresentadas por um país em desenvolvimento. Ministros da Alemanha, Colômbia, Reino Unido, Quênia e Serra Leoa manifestaram apoio público à ideia, sugerindo a formação de uma frente internacional para discutir o abandono dos fósseis. Esse entusiasmo inicial, no entanto, encontrou resistência imediata de países que dependem fortemente dessas fontes ou que temem impactos econômicos em suas cadeias de energia.

A omissão das palavras combustíveis fósseis no documento final da conferência expôs a sensibilidade do tema. Para o presidente da COP30, o embaixador André Corrêa do Lago, o resultado não foi exatamente uma surpresa. Ele próprio admitiu que a chance de consenso era remota, especialmente desde que o debate foi introduzido nas negociações climáticas durante a COP28, em Dubai, em 2023.

Mesmo assim, Corrêa do Lago decidiu manter viva a discussão no âmbito da própria presidência brasileira da conferência, que segue até o início da COP31. Ao deslocar o Mapa do Caminho para o terreno das iniciativas paralelas, o Brasil preserva a possibilidade de amadurecer a proposta sem depender da unanimidade entre quase duzentos países.

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Foto: Pablo PORCIUNCULA / AFP

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Estrutura, financiamento e o papel do setor energético

O grupo interministerial criado agora não pretende apenas desenhar metas abstratas. Entre suas atribuições está a criação do Fundo para a Transição Energética, uma peça chave para viabilizar qualquer plano de mudança estrutural. O fundo será abastecido com parte das receitas obtidas por meio da exploração de petróleo e gás natural — uma estratégia que carrega uma certa ironia: usar ganhos do setor fóssil para financiar a própria descarbonização.

Além disso, o grupo deverá propor mecanismos financeiros que ajudem o país a expandir fontes renováveis e acelerar a transformação de sua matriz energética. A questão do financiamento foi justamente o ponto mais sensível durante a COP30. Países em desenvolvimento, incluindo o Brasil, defenderam que a transição energética global só fará sentido se houver recursos suficientes para tornar viável um processo que é caro, complexo e desigual entre nações.

O trabalho produzido será encaminhado ao Conselho Nacional de Política Energética (CNPE), que deverá consolidar as recomendações em políticas públicas de médio e longo prazo.

Entre avanços e cautelas: o que o Brasil busca construir

Embora a criação do grupo represente um gesto político importante, a tarefa adiante será árdua. O Brasil continua sendo um grande produtor de petróleo, com expectativas de aumento na exploração da margem equatorial e do pré-sal. Ao mesmo tempo, o país possui uma das matrizes elétricas mais limpas do mundo, baseada em hidrelétricas, eólica e solar — uma posição que lhe permite projetar liderança na transição global.

O que está em jogo é conciliar essas duas realidades. O Mapa do Caminho busca traduzir a ambição climática em políticas concretas, definindo metas de redução e prazos para substituição dos fósseis por energias renováveis. A criação do fundo e a articulação entre os ministérios são tentativas de evitar que a pauta fique restrita ao discurso e se transforme em programa de governo.

Ao avançar por conta própria após a COP30, Lula sinaliza que pretende manter o Brasil na dianteira do debate internacional, mesmo diante do ceticismo de grandes produtores de combustíveis fósseis. A construção desse caminho será longa e exigirá negociações internas delicadas, mas o movimento indica um posicionamento: o país quer influenciar o futuro da energia global, e não apenas reagir a ele.

A estratégia que evita que toneladas de plástico cheguem ao Mediterrâneo

O ponto onde nasce um rio de plástico — e onde a solução começa a mudar

O Mediterrâneo, embora represente apenas uma pequena fração das águas do planeta, tornou-se um dos ambientes mais saturados por microplásticos no mundo. Todos os anos, mais de meio milhão de toneladas de resíduos chegam às suas águas quase fechadas, impulsionadas por rios que funcionam como verdadeiras correias transportadoras de lixo. Entre eles, o Drin — que cruza Macedônia do Norte, Kosovo e Albânia — tornou-se símbolo de um problema que ultrapassa fronteiras.

Durante décadas, a região assistiu ao avanço de um rio que deixava de ser um curso cristalino para se transformar em corredor de garrafas, sacolas e embalagens. A sensação predominante era de inevitabilidade: quando o lixo chegava ao Mediterrâneo, já não havia como recuperá-lo. Mas o que era visto como destino passou a ser encarado como ponto de partida para uma ação inteligente. Uma iniciativa liderada pela organização alemã Everwave, com apoio da comunidade global de financiamento Planet Wild, decidiu agir antes que o lixo tocasse o mar — e mostrou que a reversão é possível.

A ideia é simples e estratégica: impedir que o plástico avance, interceptando o problema no rio, não no oceano. E, com isso, transformar o que antes era puro descarte em oportunidade ambiental, social e econômica.

Por que o rio Drin se tornou símbolo de um desafio internacional

A região albanesa de Kukes é o ponto onde o Drin Branco e o Drin Negro se encontram, unindo também os resíduos transportados desde três países. Em muitas áreas rurais do entorno, a coleta formal de lixo simplesmente não existe. Sem alternativa, moradores recorrem a depósitos improvisados em encostas, vales e margens, onde o vento e as chuvas fazem o restante do trabalho: arrastam tudo para o rio.

Com o passar dos anos, paisagens antes lembradas como praias limpas e margens serenas se transformaram em pontos de acúmulo de lixo flutuante. Moradores relatam que a sensação é de assistir ao próprio rio adoecer — um rio de plástico que avança diariamente em direção ao Mediterrâneo.

A represa de Fierza, construída para geração de energia, acabou desempenhando um papel inesperado e crucial: tornou-se uma barreira natural, pois o lixo flutuante fica represado e se acumula em grandes mantas. O que antes era mais um problema passou a ser visto como oportunidade de contenção.

170-trillion-bits-of-microplastic-in-the-worlds-oceans-1024x678-1-400x265 A estratégia que evita que toneladas de plástico cheguem ao Mediterrâneo
Reprodução

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A tecnologia improvisada que virou modelo de limpeza ambiental

Foi nesse cenário que a Everwave construiu uma operação que combina criatividade, engenharia simples e reaproveitamento de estruturas existentes. A primeira peça é justamente a represa de Fierza, que, ao concentrar o lixo em um mesmo trecho, facilita a coleta. A segunda é um barco coletor adaptado: originalmente uma colheitadeira aquática agrícola, transformada em máquina capaz de recolher até uma tonelada de resíduos em menos de vinte minutos.

A travessia do equipamento até a Albânia virou quase um capítulo à parte — atravessando fronteiras, enfrentando pedágios imprevistos e sendo reimportado até finalmente chegar ao reservatório. Mas, uma vez no Drin, o barco se tornou a peça central da limpeza.

A última parte do plano é talvez a mais simbólica: a transformação de uma antiga fábrica soviética de embalagens em centro de triagem e reciclagem. Com 100 mil euros arrecadados pela Planet Wild, o prédio passou a receber e separar o material recolhido pelo barco, compactando e vendendo o que pode ser reaproveitado. Cerca de 80% do lixo retirado do rio tem valor de mercado, o que permite que a própria operação gere renda e caminhe para a autossustentabilidade, empregando moradores e criando um ciclo virtuoso.

Os efeitos ambientais e sociais de um experimento que pode se espalhar pelo mundo

A meta é remover até 25 toneladas de plástico por mês do reservatório de Fierza — e cada tonelada significa menos poluição nas beiras do Drin, menos resíduos descendo rumo ao Adriático e menos carga plástica entrando no Mediterrâneo. Para os moradores, o impacto é também emocional: ver trechos do rio recuperados devolve parte da identidade local e da relação com o território.

Mas a operação vai além do impacto regional. Ela funciona como prova de conceito global. Hoje, estima-se que entre 1 e 3 milhões de toneladas de plástico entrem anualmente nos oceanos via rios. Se soluções semelhantes forem aplicadas nos principais rios poluentes, a redução pode ser expressiva.

A experiência da Albânia também mostra que não é necessário construir estruturas grandiosas ou depender de tecnologias futuristas. Muitas vezes, o caminho está em combinar o que já existe — uma represa, um barco agrícola, um galpão abandonado — com uma boa dose de criatividade, colaboração internacional e vontade de agir.

No fim, o Drin deixa de ser apenas um rio de plástico. Torna-se um lembrete de que problemas globais podem ser enfrentados localmente, com soluções acessíveis, participação comunitária e foco no que realmente importa: impedir que o lixo chegue onde não deveria chegar.

Governo lança estratégia que transforma compras públicas em motor de desenvolvimento sustentável

A assinatura do Decreto nº 12.771/2025 pelo presidente Luiz Inácio Lula da Silva inaugurou um capítulo decisivo na política de compras públicas do país. Com a criação da Estratégia Nacional de Contratações Públicas para o Desenvolvimento Sustentável (ENCP), o governo federal estabelece uma diretriz permanente para que cada aquisição do Estado brasileiro seja também um instrumento de transformação econômica, social e ambiental.

A iniciativa nasce de um processo participativo e descentralizado, mobilizado ao longo de meses por representantes do governo, setor produtivo, organizações da sociedade civil e instituições acadêmicas. As oficinas regionais e temáticas realizadas durante a elaboração do texto abriram espaço para que segmentos diversos influenciassem diretamente a arquitetura da nova política. Esse caráter colaborativo confere à ENCP legitimidade e coerência com a própria proposta: uma estratégia que pretende ser estruturante, duradoura e alinhada às demandas reais do país.

A apresentação pública, feita durante reunião do Conselho de Desenvolvimento Econômico Social Sustentável (CDESS) – o Conselhão –, marcou a entrega formal do documento ao presidente e reforçou o compromisso de transformar o poder de compra do Estado em alavanca de inovação, inclusão e sustentabilidade.

Uma estratégia baseada em quatro pilares

A ENCP se organiza em quatro eixos que refletem a complexidade das políticas públicas contemporâneas. O eixo econômico abrange o impulso à indústria nacional, ao encadeamento produtivo e à inovação tecnológica. O eixo social foca a redução de desigualdades, a promoção de condições dignas de trabalho e a ampliação da inclusão produtiva. O eixo ambiental orienta a transição para modelos de baixo carbono, a gestão eficiente de recursos e a mitigação de impactos ecológicos. Por fim, o eixo de gestão busca modernizar processos, integrar sistemas e fortalecer a governança das contratações públicas.

Esse desenho multidimensional é acompanhado por uma coordenação centralizada no Ministério da Gestão e da Inovação em Serviços Públicos (MGI). Caberá à pasta harmonizar normas, integrar órgãos e garantir coerência entre as diretrizes e sua aplicação no cotidiano das aquisições governamentais.

Entre as ações estruturantes previstas está a ampliação da atuação da Comissão Interministerial de Contratações Públicas para o Desenvolvimento Sustentável, criada em 2024. O colegiado será responsável por monitorar, propor ajustes e orientar políticas que incorporem critérios socioambientais nas compras governamentais. A digitalização dos sistemas de contratação também integra o conjunto de medidas, permitindo maior transparência, rastreabilidade e eficiência.

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Divulgação/MGI

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Os instrumentos que darão vida à política

Para que a estratégia saia do papel, o decreto estabelece quatro instrumentos de implementação. O primeiro é o plano de ação da ENCP, com vigência sincronizada ao Plano Plurianual (PPA), garantindo alinhamento entre objetivos estratégicos, orçamento e execução. O segundo instrumento são os planos de contratações anuais, previstos na Lei nº 14.133/2021, que orientam as contratações prioritárias de cada órgão. O terceiro é a expansão e qualificação dos Planos de Gestão de Logística Sustentável (PLS), já presentes na administração pública. O quarto é a Taxonomia Sustentável Brasileira, que definirá padrões mínimos de sustentabilidade para guiar contratos, compras e investimentos públicos.

O governo anunciou ainda que o plano de ação inicial da ENCP, referente ao período 2027–2031, passará por consulta pública. A participação de especialistas, empresas, governos locais e cidadãos pretende assegurar que a estratégia reflita diferentes realidades e que as metas sejam ambiciosas, porém exequíveis.

Ao mesmo tempo, o MGI divulgou o Plano de Entregas 2026, que reúne ações imediatas, responsáveis designados e marcos de curto prazo. Com isso, a ENCP começa a produzir efeitos antes mesmo da consolidação do próximo PPA, garantindo transição planejada e implementação progressiva.

Modernização, impacto e horizonte de futuro

A ENCP sinaliza um entendimento renovado sobre o papel do Estado no século XXI. As compras públicas, que somam bilhões por ano e influenciam cadeias produtivas inteiras, deixam de ser apenas um mecanismo administrativo para se tornarem motor de políticas transformadoras. Ao integrar critérios sociais, ambientais e tecnológicos, a estratégia cria condições para induzir inovação, fortalecer economias locais, valorizar práticas sustentáveis e promover inclusão.

Mais do que um conjunto de regras, o decreto traz uma narrativa de futuro: a de que a máquina pública pode ser exemplar, eficiente e orientada por valores que dialogam com os desafios climáticos, produtivos e sociais do Brasil contemporâneo. O impacto esperado é significativo. Empresas que desejem fornecer ao governo serão estimuladas a adotar padrões mais elevados de sustentabilidade, transparência e inovação, elevando a qualidade e a competitividade do mercado.

Quando plenamente implementada, a ENCP tem potencial para redefinir a lógica das contratações públicas, aproximando o país de modelos internacionais avançados e, ao mesmo tempo, respondendo às necessidades brasileiras de desenvolvimento equilibrado e inclusivo.

Reportagem sobre compostagem vence Prêmio Sebrae de Jornalismo 2025

A celebração do Prêmio Sebrae de Jornalismo 2025 trouxe para o centro do palco uma pauta que, há alguns anos, parecia restrita a nichos ambientais, mas hoje ganha força como política urbana, inovação social e empreendedorismo verde: a compostagem. A grande vencedora da categoria nacional de texto foi a reportagem Compostagem: com quantos baldinhos se faz uma revolução, assinada pela jornalista Elizabeth Oliveira e publicada no veículo ((o))eco. O reconhecimento, anunciado em cerimônia realizada nesta quinta-feira (4) em Brasília, reforça como temas ligados ao lixo, ao reaproveitamento e à economia circular conquistam relevância no debate público brasileiro.

A iniciativa integra a 12ª edição do Prêmio Sebrae de Jornalismo, que homenageia produções jornalísticas sobre empreendedorismo em todo o país. Em um momento em que novas soluções ambientais surgem para enfrentar desafios urbanos complexos, o júri destacou como a reportagem vencedora traduz, de forma sensível e analítica, o impacto crescente dos pequenos negócios e das iniciativas comunitárias que transformam resíduos orgânicos em solo fértil — e, ao mesmo tempo, mudam práticas de vida cotidiana.

Elizabeth Oliveira, que já havia sido reconhecida na etapa regional do Rio de Janeiro em outubro, sobe agora ao posto máximo da premiação nacional. Sua investigação jornalística mostra que a compostagem deixou de ser um hábito isolado para se tornar uma peça estratégica em programas municipais, modelos empresariais inovadores e ações que combinam educação ambiental, economia solidária e redução de emissões. A abordagem narrativa da repórter ilumina personagens muitas vezes invisíveis: empreendedores que criam serviços de coleta descentralizada, moradores que transformam sacadas em microcentrais de compostagem e organizações que articulam redes de apoio em diferentes cidades brasileiras.

Na solenidade, marcada pela presença de cerca de 100 convidados, entre jornalistas, diretores e colaboradores do Sebrae, além de representantes de instituições parceiras, o presidente da instituição, Décio Lima, ressaltou a centralidade do jornalismo para o funcionamento democrático. Em suas palavras, comunicação e democracia são estruturas interdependentes, e o papel dos jornalistas permanece indispensável para assegurar que transformações em curso — como a revolução silenciosa da compostagem — sejam registradas, discutidas e compreendidas pela sociedade.

O Prêmio Sebrae de Jornalismo tem se consolidado como uma das mais importantes iniciativas nacionais de valorização da imprensa voltada aos temas econômicos e empreendedores. A edição de 2025 confirmou essa tendência ao registrar o terceiro recorde consecutivo de inscrições, com quase 3,5 mil trabalhos enviados. O número representa um crescimento de 12% em relação ao ano anterior, evidenciando tanto a vitalidade do setor jornalístico quanto a ampliação de pautas que exploram inovação, sustentabilidade e transformação social.

Dividida entre as categorias Texto, Áudio, Vídeo e Fotojornalismo, além do prêmio especial de Jornalismo Universitário, a premiação reconhece trabalhos que ultrapassam o relato factual e revelam conexões mais amplas entre negócios e impacto social. A vitória da reportagem de ((o))eco ilustra essa perspectiva. Ao retratar a compostagem como uma forma de empreendedorismo, a narrativa amplia o horizonte de compreensão sobre o tema, mostrando como pequenas iniciativas têm o poder de reorganizar fluxos de resíduos, influenciar políticas públicas e inspirar novos modelos de negócios sustentáveis.

WhatsApp-Image-2025-12-05-at-17.46.16-400x266 Reportagem sobre compostagem vence Prêmio Sebrae de Jornalismo 2025
Crédito: Erivelton Viana

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Mais do que apresentar dados e experiências, a reportagem premiada dialoga com um movimento mais profundo: o avanço de uma mentalidade que busca reduzir desperdícios e revalorizar o ciclo da matéria orgânica nas cidades. Em um país que ainda convive com enormes dificuldades na gestão de resíduos, a exposição jornalística de práticas bem-sucedidas se torna ferramenta de informação e incentivo. Cada balde de compostagem, portanto, não representa apenas a decomposição de restos alimentares, mas a emergência de um ecossistema de inovação sustentado por coletivos, empreendedores e cidadãos comuns.

A premiação evidencia que, quando temas ambientais são tratados com rigor, profundidade e criatividade, conquistam espaço tanto no campo do empreendedorismo quanto no imaginário social. A compostagem, outrora vista como uma prática doméstica dispersa, passa agora a ser retratada — e reconhecida — como um motor de transformação urbana capaz de influenciar comportamentos, economias locais e políticas públicas. E o jornalismo, ao narrar essa trajetória, fortalece a ponte essencial entre a emergência climática, a economia verde e o cotidiano das pessoas.

Especialista alerta: agrotóxicos atingem mais quem já vive vulnerável

A presença de agrotóxicos no cotidiano brasileiro não se distribui de forma homogênea. Ela recai, com maior peso, justamente sobre grupos historicamente vulnerabilizados. A constatação, feita pela arquiteta e urbanista Susana Prizendt, integrante da Campanha Permanente Contra os Agrotóxicos e Pela Vida e do coletivo MUDA-SP, ecoa como um alerta sobre a forma como desigualdade social, modelo agrícola e alimentação se entrelaçam no país.

Segundo Prizendt, há um recorte nítido de gênero, raça e território na exposição aos pesticidas. A população que lida com a insegurança alimentar no Brasil é, muitas vezes, a mesma que está sujeita aos riscos da contaminação química. Ela explica que os grupos que mais têm contato com os chamados venenos são trabalhadores rurais descendentes de comunidades negras e indígenas, empregados em grandes fazendas ou pequenas propriedades ainda dependentes de insumos químicos. São também esses grupos que têm menos acesso a alimentos agroecológicos e que enfrentam barreiras econômicas e geográficas para escolhas alimentares mais saudáveis.

A reflexão ganhou destaque durante uma homenagem ao cineasta Sílvio Tendler, após a exibição do documentário O Veneno Está na Mesa II, no São Paulo Food Film Fest. Tendler, falecido em setembro, dedicou sua carreira a retratar conflitos sociais e econômicos do Brasil. Em sua obra, o tema dos agrotóxicos surge como parte estrutural de um sistema que privilegia grandes conglomerados do setor alimentício enquanto transfere às populações rurais, consumidores urbanos e comunidades vizinhas às plantações o peso das consequências: desequilíbrios ambientais, intoxicações crônicas, alimentos contaminados e erosão de modos de vida tradicionais.

Tendler ampliou esse debate também em filmes sobre figuras centrais da discussão alimentar brasileira, como o médico e pensador Josué de Castro, autor de Geografia da Fome. Em suas análises, Castro já denunciava, décadas atrás, o impacto das estruturas econômicas sobre o direito humano à alimentação adequada — um tema que o documentarista atualizou ao retratar o modelo de produção agrícola baseado em insumos químicos.

Para Prizendt, o cenário atual agrava um problema antigo. Mesmo quando se consegue escapar de produtos cultivados com agrotóxicos, há um obstáculo crescente: a falta de alimentos frescos nas prateleiras. Ela observa que, em muitos territórios, alimentos in natura se tornaram artigo de luxo, sufocados pela expansão de produtos ultraprocessados. Refeitórios, mercearias de bairro e supermercados vêm sendo ocupados por alimentos industrializados, embalados e de composição padronizada — resultado de estratégias de marketing agressivas e de um mercado que prioriza volume e margem de lucro.

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Marcelo Camargo/Agência Brasil

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Esse avanço dos ultraprocessados não é casual. Uma série de artigos científicos liderada por especialistas da Universidade de São Paulo mostra que o consumo desses produtos mais do que dobrou desde os anos 1980, saltando de 10 para 23% da alimentação dos brasileiros. Os pesquisadores ressaltam que não se trata de escolhas individuais isoladas, mas de uma combinação de fatores econômicos, logísticos e publicitários impulsionados por grandes corporações globais que controlam cadeias produtivas inteiras, desde ingredientes ultrabaratos até embalagens chamativas.

E mesmo quem acredita que os riscos de agrotóxicos se restringem a frutas e hortaliças pode estar enganado. Pesquisas do Instituto Brasileiro de Defesa do Consumidor indicam que resíduos químicos também estão presentes em alimentos industrializados cotidianos, como bolachas recheadas, bisnaguinhas, requeijões e cereais matinais. Em um estudo recente, o Idec analisou 27 produtos ultraprocessados e constatou que 59,3% tinham ao menos um tipo de agrotóxico. Todos os produtos que continham trigo apresentaram resíduos.

O levantamento, parte da iniciativa Tem Veneno Nesse Pacote, encontrou traços de pesticidas em categorias consumidas amplamente por crianças, como bebidas de soja, salgadinhos e biscoitos. O dado reforça que o debate sobre agrotóxicos precisa ir além da lavoura e incluir a cadeia industrial, já que insumos agrícolas contaminam farinhas, óleos e bases alimentares usadas em larga escala.

A combinação desses elementos — produção agrícola dependente de químicos, desigualdade no acesso à alimentação saudável, expansão dos ultraprocessados e contaminação silenciosa — compõe o quadro que especialistas descrevem como uma crise alimentar de múltiplas camadas. Ao mesmo tempo, movimentos sociais, pesquisadores e coletivos urbanos como o MUDA-SP têm renovado o debate público, buscando soluções que descentralizem a produção, fortaleçam a agroecologia e garantam condições de vida dignas às populações que sustentam o sistema alimentar brasileiro.

A discussão, longe de encerrada, reforça que o problema dos agrotóxicos não se limita às plantações: ele atravessa territórios, perfis socioeconômicos e gerações inteiras, pedindo respostas estruturais que integrem saúde, justiça social e soberania alimentar.

Cientistas identificam neurônios que controlam tanto a febre quanto o torpor

Um grupo internacional de pesquisadores acaba de iluminar uma fronteira pouco explorada do cérebro: a região que regula, ao mesmo tempo, a febre e o torpor — um estado profundo de economia energética que reduz drasticamente metabolismo e temperatura corporal. O estudo, conduzido na Universidade Harvard e publicado na revista Nature, foi liderado pela neurocientista brasileira Natália Machado, professora da Escola de Medicina de Harvard e pesquisadora do Beth Israel Deaconess Medical Center, com apoio da FAPESP. O achado abre caminho para a criação de fármacos capazes de induzir estados metabólicos controlados, com aplicações que vão de tratamentos de acidente vascular cerebral (AVC) até estratégias que poderiam tornar viáveis missões espaciais de longa duração.

O núcleo dessa descoberta está no hipotálamo, região que atua como centro de comando de processos vitais. Ali, um conjunto específico de neurônios — identificados pela expressão do receptor EP3 da prostaglandina E2 — mostrou ter dupla função: quando inibidos, desencadeiam febre; quando ativados, provocam torpor. Em camundongos, esse estado reduz o metabolismo em até 80% e empurra a temperatura corporal para um patamar até 10°C abaixo do normal. É como se o termostato biológico fosse reajustado internamente, sem que o corpo tente resistir.

Segundo Machado, o desafio agora é encontrar uma molécula, hormônio ou peptídeo capaz de ativar ou inibir esses neurônios de forma não invasiva — algo que possa futuramente se transformar em medicamento. Essa busca é considerada estratégica para a medicina humana: se for possível induzir o corpo a um estado semelhante ao torpor, tecidos em sofrimento por falta temporária de oxigênio, como ocorre durante o AVC, poderiam resistir por mais tempo até que a intervenção médica seja realizada. Hoje, técnicas de hipotermia terapêutica conseguem reduzir discretamente a temperatura, mas geram efeitos colaterais severos, como tremores e instabilidade cardíaca, justamente porque o organismo luta para restabelecer o nível térmico original.

febre-torpor-meio-400x267 Cientistas identificam neurônios que controlam tanto a febre quanto o torpor
Natália Machado em seu laboratório na Escola de Medicina de Harvard (foto: Anna Olivella/ Harvard Brain Science Initiative)

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A detecção da população neuronal responsável pelo torpor reabre uma pergunta antiga na fisiologia: seria possível modular conscientemente estados metabólicos? A natureza já oferece respostas. Espécies como camundongos entram em torpor quando expostas simultaneamente à fome e ao frio. Ursos hibernam durante meses. Humanos, embora não tenham essa capacidade de forma espontânea, parecem carregar circuitos cerebrais evolutivamente conservados. A diferença está em descobrir como acioná-los.

É aqui que a pesquisa avança. O estudo utilizou uma combinação de ferramentas de ponta — quimiogenética, optogenética e monitoramento em tempo real da atividade neural — para manipular apenas os neurônios EP3 do hipotálamo pré-óptico. Com quimiogenética, os neurônios foram infectados com adenovírus que inseriram receptores mutados, suscetíveis a ativação via drogas específicas. Com optogenética, uma fibra ótica implantada no cérebro emitiu luz para ativar as células, permitindo observar respostas imediatas. Em ambos os casos, os resultados foram claros: os sinais intracelulares, especialmente o cálcio, desempenham papel central nas respostas de febre e torpor. E, quando esses neurônios foram completamente removidos dos animais, ambos os fenômenos desapareceram.

Além de Machado, o estudo tem participação de outros pesquisadores brasileiros, como Luís Henrique Angenendt da Costa, que atuou na Faculdade de Odontologia de Ribeirão Preto da USP (FORP-USP) e realizou estágio no laboratório da cientista com apoio da FAPESP. Costa destaca que a indução controlada de torpor pode redefinir estratégias para salvar vidas em emergências clínicas. Em condições como a sepse — tema que seguirá investigando na Escola de Enfermagem de Ribeirão Preto da USP (EERP-USP), agora pelo programa Conhecimento Brasil do CNPq — compreender os mecanismos da queda de temperatura pode revelar novas abordagens terapêuticas.

As implicações se estendem além da Terra. Em missões espaciais planejadas para Marte, por exemplo, as agências NASA e ESA consideram cenários em que astronautas precisariam permanecer em estado de profundo descanso metabólico por longos períodos. Se o torpor humano puder ser induzido de maneira segura, a necessidade de alimentos diminuiria drasticamente, assim como a demanda energética das naves. É uma abordagem que lembra a hibernação dos ursos, menos intensa que nos camundongos, mas suficiente para tornar viáveis viagens que podem ultrapassar mil dias.

Também no campo da imunologia, a descoberta tem peso. Se febre é uma arma natural do corpo contra infecções, manipular sua indução poderia beneficiar grupos que respondem mal a estímulos infecciosos, como pessoas idosas. O controle preciso desses neurônios poderia, um dia, permitir ajustes finos da resposta térmica humana.

O estudo, além de mapear funções essenciais, reposiciona o Brasil na fronteira da neurociência global, evidenciando trajetórias científicas que atravessam Harvard e retornam ao país para gerar impacto local. E confirma que, no cérebro, processos aparentemente opostos — aquecer e resfriar — podem nascer de um mesmo circuito, sinalizando uma lógica biológica comum que só agora começa a ser compreendida.

Base Candiru apreende grande volume de madeira irregular no oeste do Pará

A apreensão de 586 metros cúbicos de madeira ilegal na malha fluvial de Óbidos, no oeste do Pará, revela mais do que uma operação de rotina: mostra a complexidade e a persistência do combate às cadeias clandestinas que alimentam a exploração irregular da floresta amazônica. A ação ocorreu durante as fiscalizações da operação Protetor do Bioma, conduzidas por agentes de segurança pública que atuam na Base Integrada Fluvial Candiru, um dos principais pontos de vigilância da região. A embarcação E/M Victor Gabriel, que seguia de Óbidos para São Miguel do Guamá, transportava toras sem documentação válida, o que levou à sua interceptação e retenção.

A força-tarefa contou com equipes vinculadas à Secretaria Nacional de Segurança Pública, ao Grupamento Fluvial de Segurança Pública, à Polícia Militar e à Secretaria de Estado da Fazenda do Pará (Sefa). A articulação dessas instituições reflete um esforço estruturado para frear rotas que historicamente servem ao escoamento de madeira extraída sem autorização. Com o suporte de fiscais da Sefa, os agentes verificaram as notas fiscais apresentadas e constataram irregularidades que configuram infração tributária e ambiental.

As operações na Base Fluvial Candiru se tornaram uma peça fundamental na estratégia estadual de proteção do bioma amazônico. Localizada em ponto estratégico das hidrovias que conectam municípios ribeirinhos e áreas de exploração madeireira, a base funciona como um ponto de interdição capaz de interromper fluxos que, sem fiscalização, alimentariam desmatamento e comércio clandestino em grande escala. A apreensão mais recente reafirma o papel das rotas fluviais como fronteiras sensíveis, onde o crime ambiental tenta se camuflar atrás de documentos falsos ou ausência total de registros.

Para o secretário de Segurança Pública em exercício, coronel Ed-Lin Anselmo, a presença constante das forças de segurança nos rios do Pará opera não apenas como barreira, mas como mensagem de Estado. Em suas palavras, prevenir é construir um ambiente menos propício à atuação de organizações ilegais e, ao mesmo tempo, reforçar a sensação de proteção entre moradores e comunidades que dependem do equilíbrio ambiental para sobreviver. A madeira apreendida, segundo o coronel, não possuía documentação fiscal ou autorização de frete, deixando claro o caráter ilícito da carga.

A dimensão da apreensão possui também um valor simbólico. Cada tora retirada irregularmente da floresta representa uma perda ambiental e social que se acumula ao longo dos anos. A fiscalização atua justamente para romper essa cadeia, impedindo que o produto ilegal alcance serrarias, intermediários e mercados que lucram com a destruição. Quando apreensões volumosas como esta ocorrem, criam um efeito dissuasório e fragilizam economicamente grupos envolvidos na extração e transporte clandestinos.

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Foto: Divulgação

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Após a interceptação, toda a madeira será encaminhada a Belém para que a Delegacia Fluvial realize os procedimentos legais, em parceria com a Secretaria de Estado de Meio Ambiente e Sustentabilidade (Semas) e novamente com a Sefa. O destino das cargas apreendidas segue um trâmite que envolve avaliação, registro, eventual destinação e, quando cabível, uso institucional. Esse processo garante transparência e reforça o controle sobre materiais que, se voltassem ao mercado, poderiam financiar novos ciclos de ilegalidade.

O caso expõe ainda uma dinâmica conhecida por autoridades ambientais: o transporte de madeira irregular costuma ocorrer em horários estratégicos, por embarcações de porte variado e por percursos que tentam escapar de radares e bases de fiscalização. A operação Protetor do Bioma, por sua vez, procura justamente desarticular essas práticas, unindo inteligência, monitoramento e presença territorial.

As ações integradas também dialogam com a necessidade de fortalecer a governança ambiental na região amazônica. A repressão ao transporte ilegal de madeira funciona como medida imediata, mas também se conecta a políticas maiores de ordenamento territorial, regularização produtiva e incentivo à economia florestal sustentável. Combater a ilegalidade, nesse sentido, não é só impedir o crime, mas abrir espaço para que atividades legalizadas se consolidem e gerem renda para as comunidades locais.

A apreensão em Óbidos é, portanto, mais um capítulo de uma disputa contínua entre práticas predatórias e o esforço institucional para preservar o patrimônio ambiental do Pará. Em uma região onde os rios funcionam como estradas e a floresta molda o cotidiano, impedir que uma carga irregular siga viagem representa um gesto contundente de defesa do bioma amazônico e um compromisso com a manutenção de suas riquezas para as próximas gerações.

Petrobras lança SAF nacional e acelera transição climática do setor aéreo

A primeira leva de combustível sustentável de aviação produzido integralmente no Brasil marca um ponto de virada para o setor aéreo do país. A notícia foi anunciada pela Petrobras, que confirmou a entrega de 3 mil metros cúbicos de SAF a distribuidoras que operam no Aeroporto Internacional Tom Jobim, no Rio de Janeiro. O volume equivale a um dia inteiro de consumo de todos os aeroportos fluminenses, um número simbólico, mas expressivo, por representar a transição do discurso para a ação concreta em sustentabilidade no transporte aéreo nacional.

O SAF produzido pela estatal chega ao mercado com uma vantagem fundamental: ele pode substituir o querosene de aviação tradicional sem exigir qualquer modificação nas aeronaves ou na infraestrutura de abastecimento. Em um setor globalmente pressionado por metas de descarbonização, a possibilidade de adoção imediata torna o produto uma peça estratégica para acelerar a transição climática da aviação.

A presidente da companhia, Magda Chambriard, destacou que o combustível atende aos padrões internacionais e oferece ao mercado brasileiro a chance de entrar em sintonia com as exigências mundiais para voos mais limpos. Para ela, o coprocessamento executado no parque de refino da empresa não é apenas um avanço tecnológico, mas uma resposta pragmática ao desafio de reduzir emissões sem paralisar o crescimento do setor.

Segundo a Petrobras, o SAF é produzido pela incorporação de matéria-prima vegetal – especialmente óleo técnico de milho (TCO) ou óleo de soja – ao querosene fóssil tradicional. Esse processo resulta em um combustível quimicamente idêntico ao querosene convencional, garantindo segurança operacional, mas incorporando uma fração renovável que pode reduzir as emissões líquidas de CO₂ em até 87%. A certificação ISCC-Corsia, concedida ao produto, atesta sustentabilidade e rastreabilidade, atributos indispensáveis no comércio internacional de combustíveis de baixa emissão.

Esse movimento ocorre em um momento em que a aviação global entra em uma fase de adaptação obrigatória. A partir de 2027, as companhias aéreas brasileiras terão de usar SAF em voos internacionais, seguindo as regras do programa Corsia, da Organização da Aviação Civil Internacional (Icao). No mercado doméstico, a exigência será escalonada pela Lei do Combustível do Futuro, que prevê aumento gradual da participação de combustíveis sustentáveis na aviação nacional. Assim, o lançamento do SAF brasileiro não é apenas inovador: ele antecipa uma necessidade regulatória.

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Fernando Frazão/Agência Brasil

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As primeiras remessas foram fabricadas na Refinaria Duque de Caxias (Reduc), certificada para produção e comercialização do novo combustível. A Agência Nacional do Petróleo, Gás Natural e Biocombustíveis (ANP) autorizou a Reduc a incorporar até 1,2% de matéria-prima renovável no processo atual de coprocessamento. Embora esse percentual pareça pequeno, representa o início de uma curva de aprendizagem que deve se ampliar nos próximos anos, sobretudo à medida que a infraestrutura industrial se adapte à nova demanda.

A Petrobras também prepara uma ampliação significativa da capacidade de produção. A Refinaria Henrique Lage (Revap), em São José dos Campos, já concluiu testes operacionais, enquanto a Refinaria de Paulínia (Replan) e a Refinaria Gabriel Passos (Regap) se preparam para entrar na rota comercial a partir de 2026. Essa expansão responde a um cenário no qual a necessidade por SAF tende a crescer rapidamente, impulsionada tanto pelas obrigações regulatórias quanto pela pressão de mercados e investidores que buscam operações de menor impacto ambiental.

No pano de fundo dessa iniciativa está uma mudança de rumo mais ampla na política energética do país. O anúncio do primeiro SAF integralmente nacional mostra que o Brasil busca ocupar um lugar relevante no mapa global da descarbonização da aviação. O país combina tradição no uso de biocombustíveis, ampla disponibilidade de matérias-primas agrícolas e um parque de refino em processo de modernização. O resultado é um potencial competitivo para oferecer soluções que dialogam com as demandas climáticas internacionais sem abrir mão da força de sua indústria.

Embora o volume inicial ainda seja modesto diante do consumo total do setor, ele inaugura uma nova fase. O primeiro lote produzido no Brasil, entregue ao mercado de forma comercial, sinaliza que o país pretende transformar sua experiência histórica em biocombustíveis em vantagem estratégica para o futuro da aviação. A iniciativa traz implicações econômicas, industriais e ambientais e inaugura um ciclo no qual inovação tecnológica e responsabilidade climática passam a caminhar juntas nas alturas.