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Príncipe William recebe as chaves do Rio no Pão de Açúcar

O herdeiro britânico ao trono, Príncipe William, realizou ontem uma visita simbólica ao Rio de Janeiro, marcada por gestos que reforçam o protagonismo brasileiro na agenda ambiental global. No topo do morro onde se ergue o Pão de Açúcar, ele recebeu do prefeito Eduardo Paes as chaves da cidade — um reconhecimento oficial e simbólico da cidade-marco antes da cerimônia internacional que se avizinha.

A visita surge no contexto da vinda do Príncipe ao Brasil para participar da entrega do Earthshot Prize, prêmio ambiental que ele fundou, e que será realizado no dia 5 de novembro no Museu do Amanhã, na zona portuária do Rio.

Um gesto com múltiplas implicações

O ato de entregar a “chave da cidade” ao Príncipe William — tradicionalmente reservado a estadistas ou personalidades de destaque — ganha contornos de diplomacia verde. Para o Rio, trata-se de uma oportunidade de se apresentar não só como cartão-postal turístico, mas como palco de mobilização internacional em torno da temática ambiental. O prefeito Paes comentou que William lembrava das visitas de seus pais ao país e que o carinho brasileiro para com a casa real britânica se mantém vivo.

Para o herdeiro britânico, a visita combina agenda simbólica e ação concreta: na publicação em suas redes sociais, ele afirmou que foi “uma honra” receber a chave da cidade antes de “dias empolgantes” com o Earthshot Prize e o programa United for Wildlife.

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Earthshot Prize no Brasil: significado e momento

Criado para identificar e alavancar soluções ambientais transformadoras até 2030, o Earthshot Prize será realizado pela primeira vez na América do Sul e escolheu o Brasil como sede para a edição de 2025. O Rio de Janeiro, com sua biodiversidade, cultura vibrante e enorme visibilidade internacional, serve como plataforma para impulsionar ideias que conciliem inovação, conservação e impacto social.

Serão premiados cinco vencedores, cada um recebendo 1 milhão de euros, em cinco categorias: Proteger e Restaurar a Natureza; Limpar o Ar; Reviver os Oceanos; Construir um Mundo Livre de Resíduos; Combater a Crise Climática. O formato evidencia o desejo de converter ideias em ações de escala global.

A simbologia da visita ao Pão de Açúcar

O local escolhido para a entrega das chaves — o topo do Pão de Açúcar — não é casual. Sobre o mirante, o panorama da cidade do Rio se abre para o oceano e para o horizonte, num símbolo potente de conexão entre natureza, cidade e propósito global. A presença de William nessa paisagem reforça a narrativa de que a crise ambiental exige visibilidade, credibilidade e engajamento transnacional.

A visita também serve como vértice entre duas frentes: de um lado, a diplomacia britânica e o papel do Príncipe na construção de reputação como líder climático emergente; de outro, o posicionamento do Brasil como anfitrião dessas iniciativas, inclusive com a proximidade da COP30.

Expectativas e desafios

Para o Brasil, sediar o Earthshot Prize e receber a visita de William abre possibilidades: de mostrar seu patrimônio natural, de facilitar conexão entre organizações globais e inovadores brasileiros, de fortalecer sua posição no debate climático. Para o Reino Unido e o Príncipe William, trata-se de reforçar a legitimidade da iniciativa e vincular soluções ambientais a territórios reais e visíveis.

Entretanto, o evento traz consigo os desafios próprios desse tipo de projeto: como garantir que a visibilidade se traduza em compromisso real local? Como transformar o momento simbólico em impacto duradouro nas florestas, oceanos e áreas urbanas vulneráveis? A credibilidade da agenda depende de resultados tangíveis, não apenas de cerimônias.

Ao entregar as chaves do Rio ao Príncipe William, a cidade e o herdeiro da coroa britânica celebraram um encontro entre tradição, natureza e futuro. O Rio prepara-se para ser palco de alta visibilidade ambiental; William traduz-se em portador de uma agenda que ultrapassa a monarquia e visa a liderar um movimento global. Se o gesto carregava glamour, o verdadeiro teste será nas soluções que emergirem dali. A paisagem do Rio, o palco do Earthshot e a diplomacia verde convergem num momento que pode marcar um passo importante — se forem convertidos em impacto real.

Brasil impulsiona Fundo Florestas Tropicais para Sempre com apoio global

A proposta brasileira de criar o Fundo Florestas Tropicais para Sempre (TFFF) começa a ganhar corpo na arena internacional e a despertar interesse de países e investidores que buscam novos caminhos para financiar a preservação ambiental. A iniciativa foi apresentada pelo ministro da Fazenda, Fernando Haddad, durante o COP30 Business & Finance Fórum, promovido pela Bloomberg Philanthropies, em São Paulo.

Segundo o ministro, o projeto — descrito como “carro-chefe” da presidência brasileira nas negociações climáticas — foi recebido com entusiasmo por diversos governos. A expectativa é captar US$ 10 bilhões até 2026, com a missão de financiar a proteção das florestas tropicais ao redor do planeta.

Um novo modelo de financiamento verde

O TFFF busca se diferenciar de mecanismos tradicionais de crédito de carbono ou compensações ambientais. Sua lógica é simples, mas transformadora: remunerar países que preservam suas florestas em pé, reconhecendo o valor econômico dos serviços ecossistêmicos que elas prestam ao mundo — como regulação climática, manutenção da biodiversidade e sequestro de carbono.

O fundo será estruturado como um instrumento financeiro global, que capta recursos a juros baixos e os aplica em projetos sustentáveis a taxas de retorno um pouco maiores. A diferença entre essas taxas — o lucro gerado — seria usada para pagar uma espécie de “dividendo florestal” por hectare protegido. “É como se fosse um banco da floresta”, explicou Haddad.

De acordo com o Ministério da Fazenda, os países elegíveis deverão manter taxas de desmatamento inferiores a 0,5% ao ano, com meta de chegar a zero. A adesão dependerá também da comprovação de políticas nacionais de conservação e de transparência na aplicação dos recursos.

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Apoio internacional e governança

O Banco Mundial foi indicado como administrador interino do fundo, o que reforça sua governança e credibilidade junto ao mercado financeiro. Além disso, diversos países do Sul Global já sinalizaram interesse em aderir à proposta, especialmente na África e na América Latina, onde estão localizadas as principais florestas tropicais do planeta.

“O TFFF está sendo muito bem recebido”, disse Haddad. “Com as primeiras manifestações de apoio de alguns países, acreditamos que 2026 pode ser um ano decisivo para transformar o plano em realidade.”

O projeto também se alinha à estratégia brasileira de liderar a agenda climática global durante a COP30, que será realizada em Belém do Pará. A iniciativa projeta o país como um ator central na construção de soluções financeiras sustentáveis que combinem conservação ambiental, desenvolvimento econômico e justiça social.

Um legado de cooperação internacional

A proposta reflete uma mudança de paradigma: em vez de tratar a preservação florestal como um custo, o fundo pretende transformá-la em ativo de investimento global, capaz de gerar retorno financeiro e social. Trata-se de um esforço de diplomacia ambiental que tenta equilibrar interesses econômicos e ecológicos.

Especialistas veem no TFFF uma alternativa às abordagens centradas apenas no mercado de carbono, que muitas vezes concentram benefícios em grandes corporações e deixam de fora comunidades locais. A expectativa é que, se bem estruturado, o fundo possa canalizar recursos diretamente para governos e povos que vivem e cuidam das florestas, fortalecendo políticas públicas e economias sustentáveis.

Desafios e expectativas

Apesar da boa receptividade, o caminho para viabilizar o TFFF ainda é longo. Será necessário consolidar compromissos financeiros concretos, criar mecanismos de monitoramento robustos e garantir que a distribuição de recursos seja transparente e justa.

Haddad reconhece que o desafio é grande, mas acredita no potencial de mobilização da proposta. “Estamos colocando na mesa uma solução prática e escalável para a sustentabilidade das florestas tropicais”, afirmou.

Se cumprir suas metas, o Fundo Florestas Tropicais para Sempre poderá se tornar um legado da COP30 e um marco na transição para uma economia global baseada na preservação e no uso racional dos recursos naturais.

Deserto do Saara pode ficar até 75% mais úmido até o fim do século, aponta estudo

Um dos lugares mais áridos e inóspitos do planeta, o Deserto do Saara poderá atravessar uma transformação climática sem precedentes nas próximas décadas. Pesquisadores da Universidade de Illinois em Chicago (UIC) preveem que, até o fim do século 21, a região poderá receber até 75% mais chuva do que a média histórica — um salto capaz de alterar profundamente sua paisagem e ecossistemas.

O estudo, publicado na revista científica npj Climate and Atmospheric Science, utilizou 40 modelos climáticos para simular o comportamento das chuvas de verão na África entre 2050 e 2099, comparando os resultados com o período histórico de 1965 a 2014. As simulações foram feitas em dois cenários: um com emissões moderadas de gases de efeito estufa e outro com emissões muito altas. Em ambos, os resultados indicam uma tendência de aumento da precipitação em grande parte do continente.

De acordo com o pesquisador Thierry Ndetatsin Taguela, autor principal do estudo e pós-doutorando em ciências climáticas na Faculdade de Artes e Ciências da UIC, a previsão é surpreendente: “O Saara poderá quase duplicar seus níveis históricos de chuva. Embora a maioria dos modelos concorde sobre o aumento da umidade, ainda há incerteza quanto à magnitude exata da mudança.”

Atualmente, o Saara — que cobre quase um terço do continente africano — recebe em torno de 7,6 centímetros de chuva por ano. Se a tendência identificada pelos cientistas se confirmar, o bioma pode enfrentar transformações ecológicas drásticas, com a reconfiguração de áreas desérticas e a expansão de zonas de vegetação.

Um continente em mutação

Os impactos, contudo, não se restringem ao norte da África. Segundo a pesquisa, o sudeste africano poderá registrar um aumento médio de 25% nas chuvas, enquanto o centro-sul da África pode ter um crescimento de cerca de 17%. Já o sudoeste africano deve seguir em direção oposta, com redução estimada de 5% na precipitação — uma lembrança de que o aquecimento global redistribui padrões climáticos de maneira desigual.

Essas mudanças, embora pareçam localizadas, terão efeitos globais. Taguela alerta que as alterações nos regimes de chuva afetarão bilhões de pessoas, dentro e fora da África. “Precisamos começar a planejar agora como lidar com essas mudanças — desde o controle de enchentes até o desenvolvimento de sistemas agrícolas resistentes à seca.”

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O paradoxo da umidade

O aumento das chuvas no Saara está diretamente ligado ao aquecimento da atmosfera, que eleva a capacidade do ar de reter vapor d’água. Esse fenômeno cria condições para tempestades mais intensas e frequentes. Ao mesmo tempo, alterações nos padrões de circulação atmosférica redistribuem as zonas de umidade e aridez, transformando regiões outrora secas em áreas mais úmidas — e vice-versa.

Essa combinação paradoxal pode redefinir as fronteiras climáticas da África. Regiões hoje desérticas podem se tornar mais habitáveis, enquanto áreas agricultáveis podem sofrer com inundações e erosão. Para Taguela, compreender os mecanismos físicos que impulsionam essas transformações é essencial para que governos e comunidades planejem políticas de adaptação.

O desafio da adaptação

O estudo da UIC destaca que o avanço do aquecimento global cria tanto riscos quanto oportunidades. O aumento da umidade pode favorecer a regeneração de ecossistemas degradados e ampliar o potencial agrícola de certas áreas. Mas, sem planejamento, os mesmos fenômenos podem provocar enchentes devastadoras, perda de solos férteis e migrações forçadas.

Para Taguela e sua equipe, o principal desafio é a preparação. “Precisamos aprimorar nossos modelos e construir confiança nas projeções regionais. Só assim poderemos antecipar os impactos e desenvolver estratégias de adaptação robustas — de infraestrutura a políticas agrícolas”, afirma o pesquisador.

O que se desenha, portanto, é um futuro em que o maior deserto do mundo pode deixar de ser apenas um símbolo de aridez extrema. O Saara poderá se tornar um laboratório vivo das mudanças climáticas — e um alerta sobre a capacidade do planeta de se transformar diante do desequilíbrio térmico causado pelo homem.

Se as previsões se confirmarem, o deserto que por séculos simbolizou a ausência de vida pode vir a representar, ironicamente, o retorno da água em um mundo cada vez mais quente.

Sociedade civil em ação contra a proposta da TFFF

Uma proposta em discussão no âmbito das Nações Unidas (ONU) para instaurar uma “Taxa ou Tributo sobre Florestas em Pé” (TFFF) está sendo alvo de ampla mobilização internacional. A Rede de Trabalho Amazônico (GTA), uma das principais redes de organizações da sociedade civil da Amazônia, lançou uma declaração pública intitulada “NÃO ao TFFF, SIM aos direitos das florestas”, e acompanha a iniciativa de coleta de assinaturas por meio de formulário online para pressionar líderes mundiais a rejeitarem a medida.

Segundo a GTA, a proposta da TFFF representa uma séria ameaça. Na declaração, a rede alerta que o mecanismo poderia levar à financeirização das florestas — transformando-as em ativos comerciais para grandes corporações e fundos de investimento — em detrimento dos direitos dos povos originários e comunidades tradicionais que vivem e protegem esses territórios há gerações.

Porque a proposta preocupa

Na visão da Rede GTA, o problema central da TFFF não é apenas técnico, mas ético e estrutural. A taxa está sendo apresentada como solução para a crise climática — porém, segundo a organização, ela desvia o foco de causas fundamentais como a expansão descontrolada do agronegócio, a mineração ilegal, a grilagem de terras e a ausência de fortalecimento real das políticas de comando e controle. A rede argumenta que, ao colocar preço na floresta em pé, corre-se o risco de reduzir seu valor cultural, social e espiritual a meros indicadores financeiros ou instrumentos de mercado.

Além disso, a GTA alerta que o modelo de taxa projetado ignora a gestão sustentável já realizada pelas comunidades tradicionais e ribeirinhas, elimina a consulta livre, prévia e informada dessas populações e abre caminho para uma nova forma de especulação em território florestal.

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A mobilização online e seu alcance

O formulário online lançado pela GTA cumpre função central: demonstrar o amplo repúdio da sociedade civil à proposta antes que ela avance em fóruns internacionais. As assinaturas recolhidas — nacionais e internacionais — serão apresentadas a tomadores de decisão no Brasil e fora dele, com o objetivo de garantir que a voz das comunidades, organizações sociais e da população em geral seja ouvida.

A mobilização busca impedir que a proposta da taxa se torne “solução rápida” para a crise ambiental sem garantir direitos, participação e justiça para as comunidades que vivem na Amazônia e em outros biomas florestais.

Implicações e próximos passos

A iniciativa da Rede GTA insere-se no debate mais amplo sobre mercados ambientais, financiamento climático e justiça socioambiental. À medida que governos e empresas buscam instrumentos financeiros para lidar com florestas, carbono e biodiversidade, a pergunta que emerge é: quem define esses mecanismos? Quem se beneficia? Quem participa?

Para além da coleta de assinaturas, a mobilização sugere a necessidade de fortalecer mecanismos que reconheçam territorialidade, consulta, participação local efetiva, repartição de benefícios, transparência e prestação de contas. A floresta não pode ser transformada em ativo sem levar em conta pessoas, cultura e direitos.

A medida segue em tramitação em instâncias internacionais, e o apoio público crescente à declaração da GTA poderá influenciar debates nas conferências climáticas e em fóruns de financiamento florestal.

A proposta da TFFF acendeu o alerta de organizações da sociedade civil amazônica, que veem no mecanismo não uma solução, mas um possível retrocesso. A mobilização da Rede GTA mostra que as florestas e suas comunidades reivindicam mais do que meros instrumentos de mercado — exigem protagonismo, reconhecimento e inclusão real. Em vez de taxar a floresta como ativo, argumentam por modelos que valorizem e empoderem quem vive e protege esses territórios.

Ritual Gira abre a Cúpula dos Líderes da COP30 com espiritualidade amazônica e voz das juventudes

Belém, 4 de novembro de 2025 — Às primeiras luzes da manhã de 6 de novembro, enquanto líderes mundiais se reúnem para abrir oficialmente a Cúpula dos Líderes da COP30, a Amazônia também se apresentará ao mundo — não em discursos técnicos, mas em um gesto ancestral. Jovens da Aliança dos Povos pelo Clima realizarão o Ritual Gira, conduzido pelo Coletivo Jovem Tapajônico, marcando o início das atividades da sociedade civil durante o evento.

O ritual é uma convocação para que o planeta reconheça a força espiritual, política e cultural da Amazônia. Ele nasce da ideia de que todo encontro importante deve começar com presença, escuta e responsabilidade com o território. O Gira reunirá cerca de 800 pessoas entre indígenas, quilombolas, ribeirinhos, representantes urbanos e de religiões de matrizes africanas, em uma grande celebração coletiva da diversidade amazônica.

Para os organizadores, trata-se de um gesto simbólico e profundamente político. “A COP acontece no nosso território e é fundamental que o mundo veja nossos rostos, escute nossas vozes e entenda que a Amazônia é sujeito político e protagonista das soluções para o clima”, afirma Walter Kumaruara, liderança do Coletivo Jovem Tapajônico.

A cerimônia reforça o papel das juventudes amazônicas na construção de um processo climático justo — um processo que reconheça quem, de fato, cuida da floresta todos os dias. Em Belém, o Ritual Gira inaugura a presença pública da Aliança dos Povos pelo Clima na COP30, conectando espiritualidade, arte e política como dimensões inseparáveis da resistência e da esperança amazônica.

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Foto: CJMA

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A travessia do Barco Cobra: o caminho até Belém

O Ritual Gira será também o ponto culminante de uma jornada que começou dias antes em Santarém. Após cinco dias de mobilização, caravanas de comunidades amazônicas e latino-americanas chegaram a Belém a bordo do KAMALUHAI, o Barco Cobra — uma embarcação simbólica que transportou 200 representantes de povos do Brasil, Equador, Colômbia e México.

A travessia encerrou o Encontro Global das Caravanas, realizado entre 26 e 30 de outubro, e abriu oficialmente as ações da sociedade civil na COP30. Durante o percurso, os participantes discutiram os desafios do financiamento climático e o papel dos povos tradicionais na preservação dos biomas.

Essa jornada integra a campanha A Gente COBRA – Financiamento Climático Direto para Quem Cuida da Floresta, que propõe um novo paradigma para o financiamento climático global: recursos diretos, desburocratizados e baseados na confiança com povos indígenas, quilombolas e comunidades tradicionais.

Entre as principais reivindicações da campanha estão:

  • destinar 50% dos fundos climáticos diretamente a povos e comunidades tradicionais;

  • garantir participação deliberativa nos conselhos de mecanismos internacionais, como o Tropical Forests Forever Facility (TFFF) e o Fundo de Perdas e Danos (FRLD);

  • fortalecer fundos comunitários autônomos e iniciativas de base;

  • e estabelecer uma taxação global das grandes fortunas e dos lucros excessivos de empresas poluidoras.

Vozes que cruzam fronteiras

Nas redes sociais, a campanha A Gente COBRA tem destacado histórias de guardiões e guardiãs da floresta, conectando experiências entre países e territórios. O objetivo é claro: mostrar que não há transição climática real sem justiça territorial e sem reconhecer quem protege o equilíbrio climático do planeta.

Ao levar o Gira à abertura da Cúpula dos Líderes, a Aliança dos Povos pelo Clima não apenas apresenta um ritual, mas um manifesto vivo. É uma mensagem que ecoa em diversas línguas e expressões culturais: a Amazônia não é apenas um cenário da crise climática — ela é a origem das respostas que o mundo procura.

O Ritual Gira e a campanha A Gente COBRA simbolizam a convergência entre espiritualidade e ação política, lembrando que a luta climática é também uma luta por reconhecimento, território e autonomia. É um convite à humanidade: escutar a floresta antes que o silêncio tome o lugar das vozes que a defendem.

Projeto amazônico leva comunidades ribeirinhas para o centro da agenda climática

A Amazônia entra em cena na COP30 com algo mais que floresta — ganha protagonismo social. Um projeto social conduzido por uma pesquisadora paraense vai representar o Estado do Amazonas na delegação brasileira, como único iniciativa daquela unidade da Federação com foco em justiça climática e renda verde. 
Desenvolvido pela Universidade Estadual do Amazonas (UEA) e coordenado pela Profa. Dra. Adriana Almeida Lima, o programa parte da premissa de que comunidades ribeirinhas e tradicionais precisam não só ser contempladas, mas tornarem-se protagonistas da conservação. “Nossa motivação foi reconhecer o papel dessas comunidades na preservação da floresta e garantir retorno econômico direto para elas”, diz a pesquisadora.

A aprovação da candidatura ao evento climático, na categoria “Sociedade Civil”, foi confirmada ainda em outubro, abrindo caminho para o Amazonas integrar os debates internacionais.

Uma mudança profunda no paradigma da conservação

Tradicionalmente, projetos de mercado de carbono na Amazônia beneficiam grandes terras privadas ou empresas externas — fato que gera exclusão das comunidades que vivem no território. A pesquisadora identificou que 95% dos projetos de crédito de carbono estavam em terras privadas, deixando do lado de fora aqueles que guardam a floresta no cotidiano.
Esse diagnóstico tornou-se a base para uma proposta inovadora, que combina governança comunitária, monitoramento tecnológico, divisão transparente de benefícios e um modelo de gestão que conecta planejamento territorial, licenciamento, educação ambiental, saneamento, biodiversidade e clima.

Ao estruturar esse modelo, a iniciativa rompe com a lógica assistencialista — em que a comunidade aparece como objeto passivo — e tenta colocar a comunidade como sujeito ativo: formada, capacitada, participante das decisões e beneficiária direta dos créditos de carbono gerados na própria floresta.

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Digulgação – UEA

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Implementação local, impacto global

O projeto será implementado inicialmente nos municípios de Careiro da Várzea e Careiro Castanho, no Amazonas. Nessas localidades estão previstos mapeamento territorial e humano por software próprio, formação de agentes ambientais entre jovens e lideranças comunitárias, diagnóstico técnico de carbono sequestrado, mediação com saberes tradicionais, protocolos éticos, contratos justos e integração entre setores — tudo com base comunitária.
O projeto se propõe a ultrapassar modelos anteriores estados-afins como o Estado do Acre, ao articular áreas que frequentemente ficam isoladas: licenciamento, saneamento, resíduos, planejamento territorial, biodiversidade e clima. Um dos objetivos é posicionar o Amazonas como referência global em políticas públicas de carbono com base científica, participação social e governança ambiental.

Adriana Almeida ressalta que, embora a ciência e a tecnologia sejam essenciais, apenas funcionam quando aplicadas com sensibilidade territorial — quando respeitam a cultura, a tradição e a singularidade da floresta amazônica. Nesse sentido, o “trabalho verde” que combina desenvolvimento econômico, inclusão social e sustentabilidade ambiental aparece como pilar para a política pública nas regiões ribeirinhas.

IMG_5538-400x514 Projeto amazônico leva comunidades ribeirinhas para o centro da agenda climática
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Desafios e caminhos

O caminho está longe de ser simples. A pesquisadora aponta para obstáculos como a falta de regulamentação específica para créditos comunitários de carbono, a burocracia de acesso legal a territórios e a necessidade de construir confiança com as comunidades. “Muita coisa precisaria ser feita”, resume.
Esses desafios exigem articulação institucional — entre universidades, comunidades, órgãos ambientais, Estado e mercado de carbono — além de investimentos, capacitação e tecnologias acessíveis ao nível comunitário. O fato de integrar instituições como a UEA, a Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC) e o Instituto Federal do Amazonas (IFAM) seu projeto reflete essa articulação.

Significado para a COP30 e além

Na COP30, o projeto atua como símbolo de uma Amazônia que exige inclusão real no debate global sobre mudança climática. Não se trata apenas de proteger florestas, mas de garantir que aqueles que vivem nelas participem dos resultados, redirecionem os benefícios e se afirmem como agentes de suas próprias vidas e territórios. Esse passo é fundamental para a justiça climática — que não apenas mitiga emissões, mas redistribui poder.

O papel da pesquisadora paraense e de sua equipe revela isso: levar para o evento diplomático um modelo que toca questões de biodiversidade, economia verde, comunidades ribeirinhas, governança e direitos — tudo junto. Ao fazer isso, eles mostram que a Amazônia não é só bioma a ser salvo, mas território com pessoas que têm voz e agência.

Sociedade civil no centro da COP30: a Casa das ONGs abre espaço em Belém

Quando a atenção global se volta para a Amazônia durante a COP30, não são apenas as negociações entre governos que ganham palco. Em Belém, a sociedade civil prepara seu próprio espaço de articulação, mobilização e diálogo sob o nome de Casa das ONGs na COP30. Idealizada pela Associação Brasileira de Organizações Não‑Governamentais (ABONG), essa casa funciona nos dias 10, 11, 12 e 16, 17, 18 e 19 de novembro de 2025 na Rua Cônego Jerônimo Pimentel 315 – Umarizal, Belém-PA.

A proposta é direta: criar um local democrático e aberto onde organizações da sociedade civil possam debater, apresentar, questionar e influenciar a agenda climática, sem ficar refém apenas dos circuitos oficiais da conferência. Como explica o edital da ABONG, o espaço permitirá plenárias, reuniões menores, atividades culturais, rodas de conversa e oficinas. A motivação também se baseia na constatação de que os processos formais de participação da conferência podem excluir ou marginalizar vozes da Amazônia e das periferias.

Uma programação plural e descentralizada

Na tarde de 10 de novembro, a Casa das ONGs abre oficialmente sua programação com múltiplas atividades simultâneas, cada uma com foco em temas distintos, mas interligados pelo fio comum da justiça climática, inclusão e participação comunitária.

  • Às 14h00, a oficina “Beabá da COP” propõe traduzir a linguagem técnica das negociações climáticas em formatos acessíveis, por meio de comunicação comunitária, construção coletiva de mural visual e reflexão sobre siglas e conceitos. Organizada pela Instituto Decodifica (Via Confluência das Favelas).

  • No mesmo horário, tem lugar a roda de conversa “Ação Filantrópica para a Justiça Habitacional”, promovida pela Instituto Polis e pela International Institute for Environment and Development (IIED), abordando como financiamento e governança da moradia podem se articular à agenda climática no Sul Global.

  • Ainda às 14h, o painel “Painel Climático da Região Metropolitana de Belém: dados racializados para políticas públicas de justiça climática” reúne Observatório das Baixadas, Casa Fluminense, Centro Brasileiro de Justiça Climática e a South African Local Government Association (SALGA). Apresenta dados territoriais, socioeconômicos e racializados para qualificar políticas públicas de adaptação. Tradução simultânea para Inglês, Espanhol e LIBRAS está garantida.

  • Às 16h00 (Tarde 2) acontecem outras quatro oficinas: “Água que cura: tecnologias sociais e educação em saúde para comunidades ribeirinhas” (organizada pela Universidade da Amazônia – UNAMA); “O protagonismo feminino na agricultura periurbana e segurança alimentar” (coletivos regionais); “Vozes da Periferia: arte urbana, juventude e justiça climática na Amazônia” (coletivos de arte urbana); cada uma trazendo práticas e reflexões locais no eixo clima e território.

  • Às 18h00, já no período noturno, um painel mais amplo “Do Subsolo à Nuvem: impactos socioambientais dos avanços tecnopolíticos no Brasil” reúne a Escola de Ativismo, o Laboratório de Políticas Públicas e Internet (LAPIN), o Movimento pela Soberania Popular na Mineração (MAM) e outros, para refletir sobre mineração, tecnologias digitais, conectividade, justiça climática e transição tecnológica. Tradução simultânea também presente.

2025-09-15t154954z_1_lynxnpel8e0nx_rtroptp_4_onu-cop30-equipe-limita-400x239 Sociedade civil no centro da COP30: a Casa das ONGs abre espaço em Belém
Reuters/Marx Vasconcelos/proibida reprodução

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Ação local, alcance global

O que distingue a Casa das ONGs na COP30 é o esforço explícito de articular o local e o global: trazer às margens da conferência internacional os territórios da Amazônia, as periferias urbanas, as comunidades ribeirinhas. Em vez de apenas seguir a agenda internacional, a proposta é que as comunidades participem, definam e incidem. Como afere o material da ABONG, as burocracias da conferência oficial frequentemente excluem a sociedade civil amazônica — portanto, criar este espaço é responder a essa limitação.

Além disso, a seleção para a programação via edital priorizou critérios de regionalidade, marcadores étnico-sociais e diversidade de organizações. Entre 1 e 25 de setembro de 2025 foram feitas as inscrições, com divulgação final em 22 de outubro.

Estratégia de incidência e legado

Ao sediar oficinas de comunicação comunitária, painéis de dados racializados e rodas de justiça habitacional, a Casa das ONGs se coloca como uma arena de construção de narrativa, mobilização e redes. A ideia é que as vozes das periferias amazônicas e das periferias urbanas do Brasil não apenas participem de debates, mas cobrem seu lugar de ator. Isso tem implicações: a mobilização não se encerra ao final da conferência, mas busca criar redes, protagonismos locais, repertórios que se sustentem no tempo.

O endereço físico — Belém/PA — e a escolha de datas que acompanham a COP30 (10–19 novembro) reforçam a logística de visibilidade. A presença de tradução simultânea, salas menores e grandes plenárias assegura acessibilidade e multiplicação de vozes.

Em meio ao aparato internacional da COP30, a Casa das ONGs emerge como contraponto essencial: um espaço onde a sociedade civil, as periferias, as comunidades tradicionais e as juventudes amazônicas convergem para afirmar que a crise climática também se vive — e se transforma — nos territórios. Em Belém, a conversa sobre clima deixa de ser apenas de especialistas ou chefes de Estado para abraçar coletivos, lideranças comunitárias, narrativas locais. Essa inversão é parte da justiça climática — e pode fazer a diferença entre uma conferência de elites e uma conferência verdadeiramente inclusiva.

Belém ganha Casa SESI Indústria Criativa para inovação amazônica

Na Avenida Comandante Brás de Aguiar, em Belém, um sobrado histórico ganha nova vida: após um trabalho cuidadoso de restauração que revelou nove camadas de tinta, vitrais originais e madeira de lei nos pisos, o casarão da Belle Époque se transforma na Casa SESI Indústria Criativa. Nesse local, a indústria se abre à cultura, à inovação e ao futuro da Amazônia.

Promovido pelo Sistema Federação das Indústrias do Estado do Pará (FIEPA), por meio do Serviço Social da Indústria – SESI Pará, em parceria com o Conselho Nacional do SESI e a Confederação Nacional da Indústria (CNI), o espaço não se limita a uma mostra arquitetônica: é ponto de convergência entre os valores da indústria amazônica, o patrimônio cultural e as dinâmicas da economia criativa.

A abertura ocorreu em duas etapas: um soft opening voltado à imprensa e convidados em 3 de novembro, e a inauguração oficial marcada para 9 de novembro — em pleno roteiro da COP30. O momento não é apenas simbólico: o espaço integrará o “Brazilian Industry Hub”, que reunirá debates da indústria nacional durante o evento climático.

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Patrimônio restaurado, cidade reinventada

O edifício, com quase um século de história, traz traços elegantes da Belle Époque belenense — detalhes que foram revelados no processo de restauração: pisos originais, vitrais, camadas de cor que escondiam a estética original. As intervenções não só preservam o passado, mas projetam a cidade para o futuro. Como disse o superintendente do SESI Pará, Dário Lemos, restaurar este lugar é também valorizar a história de Belém e criar algo novo.

Cultura, inovação e economia criativa

O novo espaço abriga quatro exposições simultâneas em sua abertura. A mostra “Casa SESI” resgata a trajetória do imóvel, enquanto “Im-PARÁ-veis”, sob direção da artista visual paraense Roberta Carvalho, destaca a criatividade amazônica. “Joias da Amazônia” apresenta biojoias produzidas por artesãs locais a partir de materiais da biodiversidade, em iniciativa do Instituto Elabora Social com patrocínio da Hydro e apoio institucional do Sistema FIEPA, Jornada COP+ e Aimex. Por fim, “Upcycling SENAI” reúne peças da economia circular produzidas por alunos do SENAI Pará a partir de roupas e calçados apreendidos pela Receita Federal.

Segundo a gerente executiva de Cultura do SESI, Ana Cláudia Moraes, o local reflete uma reconexão com a cidade e com a criatividade — oficinas, cursos, debates sobre arte, tecnologia, robótica, design e sustentabilidade serão rotina.

c6ca75_97198b3057874f2582ed7637bf2b87edmv2-400x225 Belém ganha Casa SESI Indústria Criativa para inovação amazônica
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Indústria que pensa Amazônia

O presidente do Sistema FIEPA e diretor regional do SESI Pará, Alex Carvalho, afirmou que a Casa é “um presente para Belém” que reunirá debates da indústria sobre clima, sustentabilidade e desenvolvimento socioeconômico. FIEPA O espaço anuncia que a indústria brasileira e amazônica está conectada à bioeconomia, à inovação e aos desafios do futuro — não em contraste com a floresta, mas em diálogo com ela.

Parceria, território e legado

A iniciativa marca também uma mudança de postura: o SESI e a FIEPA investem de maneira mais expressiva em cultura e inovação como forças transformadoras. O casarão, antes silencioso, renasce como plataforma viva de ideias, oportunidades e coletividade. A transformação do patrimônio arquitetônico se soma à economia criativa e ao fortalecimento do território — valorizando Belém como lugar de criação, não apenas de preservação.

A cidade no mapa da COP30

Com a COP30 prestes a mobilizar olhares globais para Belém, a Casa SESI Indústria Criativa aparece como um nó estratégico. É local de articulação onde a indústria discute florestas, inovação e bioeconomia; é também espaço de cultura onde a Amazônia se revela por meio de arte, design e economia circular. Ao abrir suas portas, a Casa aponta para uma Amazônia que se afirma, que participa e propõe.

A reinauguração deste casarão histórico em Belém representa mais do que uma restauração arquitetônica: é um sinal de convergência entre memória, indústria, inovação e território. A Casa SESI Indústria Criativa é palco e símbolo de um momento em que Belém se reafirma como protagonista — na cultura, na economia e na política do futuro amazônico.

CWIS-FiT: planilha que aposta na equidade do saneamento básico

O desafio do saneamento básico no Brasil persiste de forma expressiva: cerca de 30,1 % dos municípios ainda não contam com rede de esgoto encanado. Diante desse cenário, a professora Camila Silva Franco, da Escola de Engenharia da Universidade Federal de Lavras, durante seu pós-doutorado no IHE Delft (Holanda), desenvolveu a ferramenta CWIS-FiT, projetada para apoiar prefeitos e gestores municipais no planejamento financeiro de sistemas de saneamento que considerem três pilares simultaneamente: equidade, segurança e sustentabilidade.

A sigla CWIS refere-se a “Citywide Inclusive Sanitation”, ou saneamento inclusivo para toda a cidade — uma abordagem que reconhece que somente a cobertura física não resolve, se não garantida qualidade em todos os bairros, segurança para usuários e trabalhadores, e modelos de governança e financiamento que funcionem.

De Excel para política pública global

A CWIS-FiT nasceu da adaptação de outra ferramenta chamada eSOSViewTM. Na primeira fase, o foco foi simplificar cálculos de esgoto e lodo fecal, incorporar custos domiciliares, custos indiretos como acesso de mulheres a banheiros seguros, campanhas de conscientização, e ainda ligar tudo a indicadores que medem equidade, segurança e sustentabilidade. Essa fase foi testada em um município no Quênia (Nakuru).

Na segunda fase, os pesquisadores perceberam que os indicadores, embora presentes, não eram suficientes para dar resposta clara à pergunta “o serviço é realmente inclusivo?”. Decidiram então padronizá-los, ponderá-los, e apresentar os resultados em formato de semáforo — verde, amarelo, vermelho — o que trouxe maior clareza à avaliação. Essa versão ficou disponível em um teste no distrito de Mahalaxmi, no Nepal.

Hoje a ferramenta está estruturada como uma planilha Excel com nove abas interligadas: cadastro da cidade, estimativas de geração de esgoto e lodo, cada etapa da cadeia de saneamento (interface com usuário, transporte, tratamento, reúso), modelo de negócio (custos, receitas, tarifas) e por fim avaliação dos indicadores CWIS.

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Por que isso importa para municípios brasileiros

O Brasil vive a contradição entre volume de exigências e ritmo lento de efetivação. Ferramentas como a CWIS-FiT trazem a vantagem de tornar visível o “quanto custa” e “como financiar” um sistema de saneamento completo — algo imprescindível para que prefeitos, secretários municipais e financiadores possam desenhar políticas públicas e projetos com base robusta. No entanto, a professora Camila destaca que a ferramenta por si só não garante a execução: é preciso engajamento local — governos, ONGs, comunidades — além de dados confiáveis de população, de custos, de receitas, e capacidade institucional para usar o instrumento.

A utilidade da CWIS-FiT se amplia quando se considera que ela pode ser aplicada em contextos variados — cidades grandes ou pequenas, com ou sem rede de esgoto, em diferentes continentes (África, Ásia, América Latina). É, de fato, uma ponte entre a ciência, o saneamento e a justiça social.

Entre os zeros e uns — e o impacto humano

Além da equação técnica-financeira, a ferramenta toca um aspecto humano do saneamento: o reconhecimento de que esgoto mal tratado não é só um problema de infraestrutura, é um problema de saúde pública, de dignidade, de direito. A professora Camila afirma que sempre se interessou pela ideia “de reutilizar o que todo mundo está jogando fora” — ou seja, transformar o residual em recurso e garantir saneamento seguro para todos.

Quando os planos começam a incluir variáveis como “banheiro seguro para mulheres”, “acesso universal”, “campanhas de conscientização”, a equidade deixa de ser um adendo e passa a ser linha mestra. A CWIS-FiT permite visualizar não só “cobertura” mas “inclusão”. E isso muda a conversa política: saneamento deixa de ser só “infraestrutura” para virar “direito”.

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Desafios à frente e possibilidades reais

Para que a ferramenta cumpra seu potencial, há desafios a superar. O primeiro é que o saneamento depende de financiamento — muitas vezes externo, estadual, nacional ou internacional — e de mobilização local. A ferramenta indica modelos de negócio, tarifas, receitas, mas não decide políticas por si só. Segundo, depende de dados qualificados — e muitos municípios carecem de informações confiáveis. Terceiro, exige que os gestores locais tenham estrutura para operar os resultados, formar operadores, atualizar planilhas, tomar decisões.

Mas também abre muitas possibilidades. Prefeituras já vinham analisando a CWIS-FiT no Brasil, e sua adoção pode acelerar o planejamento integrado. Com ela, muni­cípios poderão priorizar de modo estratégico — não apenas “vamos colocar rede de esgoto”, mas “vamos garantir que todas as regiões, inclusive as de baixa renda, terão saneamento adequado, reduzindo riscos, melhorando saúde, promovendo justiça”.

A CWIS-FiT representa um passo concreto na construção de um saneamento básico mais justo, eficiente e sustentável. Ela reúne técnica, finanças e equidade em um mesmo instrumento. Se bem utilizada, pode transformar a forma como municípios brasileiros — e de outros países — pensam e financiam saneamento. Mas será preciso mais que planilhas: será necessário vontade política, capacidade institucional, dados confiáveis e financiamento adequado. Se todos esses elementos convergirem, a planilha pode virar uma alavanca de transformação real.

A filantropia climática sob o microscópio

No próximo dia 8 de novembro, às vésperas da COP30, o Instituto Clima e Sociedade (iCS) apresentará à sociedade brasileira os principais destaques de um mapeamento inovador sobre o fluxo de financiamento da agenda climática no Brasil por instituições filantrópicas. A versão completa desse estudo — batizado de “O cenário do financiamento climático no Brasil” — está prevista para março de 2026. Mas os dados antecipados já apontam para conclusões inquietantes.

A pesquisa, encomendada pelo iCS em parceria com o Grupo de Institutos Fundações e Empresas (GIFE) e apoiada pela ClimateWorks Foundation, analisou um período de cinco anos (2019-2023) das doações destinadas à ação climática no Brasil. O diagnóstico revela que 75% dos recursos filantrópicos provêm de apenas dez grandes doadores internacionais — uma concentração que levanta questionamentos sobre poder, independência e vigência local da agenda.

Setores beneficiados e lacunas persistentes

Entre os resultados que serão divulgados no painel “Scaling the role of Philanthropy for Climate Action in Brazil”, realizado durante o Climate Implementation Summit em São Paulo, destacam-se duas assimetrias marcantes:

  • O tema “uso da terra” recebe 76% dos investimentos destinados à mitigação, embora o setor agropecuário — responsável por cerca de 27% das emissões nacionais — receba apenas 18% dos recursos.

  • A transição energética, peça-chave da economia de baixo carbono, capta apenas 11% das doações para a agenda climática; se considerados apenas os fundos de instituições filantrópicas, esse percentual cai para 5%. Quando se isola o apoio a organizações que atuam exclusivamente na agenda climática, o financiamento destinado à mitigação despenca para 1,5% do total.

Essas discrepâncias indicam que, embora temas como florestas e uso da terra mobilizem volume substancial de recursos, áreas centrais para a virada de matriz energética, mobilidade ou indústria de baixo carbono ainda estão à margem do financiamento privado e filantrópico no Brasil.

31122937024_7f678aaea5_o-scaled-1-400x267 A filantropia climática sob o microscópio

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Uma agenda de poder e estrutura

O mapeamento que o iCS apresenta inspira um olhar mais crítico sobre o papel da filantropia no Brasil. Ao registrar que a maior parte dos recursos vem de um seleto grupo internacional, o estudo aponta para uma possível dependência externa que pode condicionar prioridades, formatos de projeto e agendas locais. Isso sugere a necessidade de mecanismos mais robustos de governança, transparência e corresponsabilização — para que o financiamento climático converta-se em agenda nacional, e não em mera extensão de prioridades externas.

Ao mesmo tempo, as lacunas — especialmente no setor de transição energética — indicam que há oportunidades perdidas. Nesse cenário, mobilizar recursos públicos e privados nacionais, promover estruturas de financiamento inovadoras e fortalecer atores locais se torna estratégico. O investimento pulverizado em tecnologia, eficiência, mobilidade ou renováveis ainda não recebeu a atenção proporcional à sua urgência.

O que vem pela frente

O painel do Climate Implementation Summit será uma vitrine para o estudo e coloca o Brasil no centro de uma discussão global: como a filantropia pode ampliar seu impacto na ação climática, de modo mais justo, eficiente e conectado ao contexto nacional? A versão final do estudo, em março de 2026, deverá oferecer dados mais detalhados e recomendações — mas os destaques antecipados já servem como alerta.

Para a comunidade climática, para órgãos públicos, para as instituições filantrópicas e para o setor privado, o convite é claro: olhar para onde fluem os recursos, quem decide, e quais áreas continuam sub-financiadas. Se o Brasil pretende concretizar a agenda da COP30 — e além dela — será preciso conceber um ecossistema de financiamento climático que vá além de grandes doadores externos, que atenda a prioridades nacionais e que garanta participação de atores locais.

Se a ciência, a sociedade civil e os investimentos se alinham, há espaço para uma virada. Mas o relatório do iCS deixa claro que essa virada dependerá tanto de novos recursos quanto de novos arranjos de poder — e de profunda reflexão sobre para quem e para onde vai o dinheiro do clima.

Serviço:

Painel: Scaling the role of Philanthropy for Climate Action in Brazil”, dentro do Climate Implementation Summit

Data: 08/11 – Horário: das 11h às 12:30

Endereço: Renaissance São Paulo Hotel Conference Centre (Alameda Jaú 1.620, Jardim Paulista, São Paulo)

Participantes: Maria Netto, diretora-executiva do iCS, e Surabi Menon, vice-presidente da ClimateWorks Foundation. Moderação de Jens Nielsen, CEO da World Climate Foundation.

Nova fase do Parque das Árvores Gigantes impulsiona conservação

A mais recente missão de campo marca o início de uma nova era para o Parque Estadual das Árvores Gigantes da Amazônia, unidade de conservação criada no Pará para proteger um dos santuários naturais mais extraordinários da floresta amazônica. Entre 26 de setembro e 9 de outubro, uma equipe multidisciplinar percorreu mais de 200 quilômetros entre rios, trilhas, corredeiras e comunidades do interior do estado para definir a base operacional da nova fase de implantação e estruturar os caminhos da gestão e uso público do parque.

O projeto “Árvores Gigantes para uma Nova Era – Fase II” reúne o Instituto de Desenvolvimento Florestal e da Biodiversidade do Pará (Ideflor-Bio), a Fundação Amazônia Sustentável (FAS), a sociedade civil e parceiros como a Vonát Consultoria e Treinamentos e a Cooperativa de Ecoturismo do Vale do Jari (Coopetu Jari) com apoio do Andes Amazon Fund (AAF).

A missão de campo teve por finalidade coligir dados ambientais, logísticos e socioeconômicos que subsidiarão toda a operação do parque. Locais de risco, rotas seguras, pontos de beleza cênica, trilhas e comunidades foram visitados para que a base — prevista com alojamentos, escritório, cozinha, trapiche, sistemas de energia fotovoltaica e captação de água — seja instalada com mínima interferência ambiental e máxima integração local.

Nas comunidades locais, como São Francisco do Iratapuru, Cachoeira Santo Antônio, São José e Padaria, foram realizadas oficinas de sensibilização e capacitação de operadores e condutores de turismo, além da aplicação de questionários aos líderes comunitários. Essas ações visam formar o Conselho Gestor e elaborar de modo participativo o plano de gestão que orientará conservação, uso público e geração de renda para moradores locais.

O presidente do Ideflor-Bio, Nilson Pinto, reforça que essa etapa vai além da construção física da base. “É o início de uma jornada para transformar um patrimônio natural único em um espaço de conhecimento, turismo responsável e geração de oportunidades para as comunidades locais”, afirmou . Já para a coordenadora de projetos da FAS, Juliane Menezes, essa fase consolida a transição do plano para a execução, com protagonismo da sociedade local e integração entre pesquisa, conservação e desenvolvimento sustentável.

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Divulgação – SETUR

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Criado em setembro de 2024 no município de Almeirim (PA), o Parque protege aproximadamente 560 mil hectares de floresta e abriga árvores gigantes — entre elas o Dinizia excelsa (angelim-vermelho) medido em 88,5 metros de altura, considerado o maior exemplar da América Latina. A relevância dessa floresta vai além da sua monumentalidade física: estudos apontam que essas árvores desempenham papel estratégico na captura de carbono, além de manterem ecossistemas complexos e vulneráveis.

Agora, com a infraestrutura em planejamento e a participação comunitária em curso, o parque se posiciona como um novo modelo de conservação na Amazônia — que combina proteção ambiental, turismo, pesquisa científica e benefícios socioeconômicos para moradores tradicionais. Do acesso à floresta até os trilhos de aventura e observação de natureza, a proposta visa tornar real o valor da floresta de pé.

No horizonte próximo estão contratações de empresas para implementação da infraestrutura, manejo das trilhas, continuidade das oficinas locais e visitas de monitoramento. A expectativa é que o uso público seja ativado de forma gradual, sob governança compartilhada, garantindo que o grande espetáculo natural permaneça intacto.

Para a Amazônia, a mensagem é clara: proteger não significa isolar, mas integrar — a ciência, a conservação e as pessoas que vivem na floresta. O Parque Estadual das Árvores Gigantes da Amazônia surge com ambição e responsabilidade para se tornar um legado — de biodiversidade, de desenvolvimento e de futuro.

Yellow Zones ampliam debate climático nas baixadas

As Yellow Zones prometem dar um novo tom à COP30, que será realizada em Belém. O programa, criado pela COP das Baixadas — uma coalizão formada por dez organizações que atuam em territórios periféricos —, leva o debate sobre as mudanças climáticas aos bairros populares da capital paraense, aproximando o discurso global das realidades locais.

As “zonas amarelas” são espaços comunitários e culturais onde moradores se reúnem para discutir os impactos do clima em seu cotidiano, como enchentes, calor extremo e precariedade urbana. A iniciativa nasceu em 2024, após duas edições da COP das Baixadas, dedicadas à educação climática e ao debate sobre o Acordo de Escazú, e agora se consolida como exemplo inédito de participação popular dentro da agenda climática internacional.

A periferia como centro do debate climático

A chegada das Yellow Zones à conferência representa um movimento inédito de descentralização da COP30, levando a pauta climática para além das áreas oficiais da chamada Blue Zone. Em Belém, oito espaços comunitários foram transformados em polos de debate e ação socioambiental, espalhados por bairros como Jurunas, Vila da Barca, Icoaraci, Águas Lindas e Cremação.

“Queremos que as periferias que sediam a conferência se vejam incluídas nesse novo mundo, com justiça social e reparação”, afirma Jean Ferreira, do coletivo Gueto Hub, um dos polos do projeto, ao lado do EcoAmazônias, também no Jurunas.

Segundo Ruth Ferreira, integrante dos dois coletivos, a iniciativa tem como base o fortalecimento das comunidades na busca por soluções práticas — desde infraestrutura básica até geração de emprego e cultura —, conectando o cotidiano das periferias à agenda global do clima.

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Divulgação – @yellowzones

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Educação, cultura e mobilidade sustentável

Cada Zona Amarela tem um programa próprio de atividades, moldado às características e desafios de seu território. No Gueto Hub, estão previstas rodas comunitárias sobre práticas tradicionais, oficinas de memória cultural e conversas sobre luta territorial e crise climática. Já o EcoAmazônias realiza oficinas de arte e ecologia, ensinando práticas como composteiras e o uso de ecotijolos, e trilhas educativas voltadas a crianças e adolescentes.

O tema da mobilidade urbana também entra em pauta por meio do coletivo Paraciclo, premiado cinco vezes com o Prêmio Bicicleta Brasil pelo projeto Perifa na Pista, que incentiva o uso da bicicleta nas periferias. “Queremos maior apoio à mobilidade ativa e sustentável, que reduza a poluição e amplie o direito à cidade”, defende Ruth Costa, diretora-financeira do grupo.

Como parte das ações, o coletivo organiza uma Bicicletada Manifesto no dia 15 de novembro, com ciclistas de todo o país. O trajeto de 20 quilômetros — de Águas Lindas até o ponto de partida da Marcha Mundial pelo Clima — será um ato simbólico em defesa da mobilidade inclusiva e do enfrentamento à crise ambiental.

Cultura como ferramenta de transformação

Na comunidade ribeirinha Vila da Barca, uma das maiores sobre palafitas do país, o projeto Barca Literária cria uma biblioteca itinerante para incentivar a leitura e o protagonismo infantojuvenil. Em Icoaraci, o coletivo Chibé desenvolve o Laboratório Narrativo Entrando no Clima, voltado à educação climática de jovens da rede pública, estimulando a produção de reportagens e conteúdos sobre ações locais.

Essas experiências mostram que o debate climático ganha força quando parte das margens. As Yellow Zones tornam visível o papel das periferias como sujeitos ativos da transição ecológica, e não apenas como vítimas da crise.

A programação completa está disponível no site oficial yellow-zone.org e no canal da iniciativa no YouTube.

Legado comunitário da COP30

Mais do que eventos paralelos à conferência, as Yellow Zones pretendem deixar um legado permanente em Belém: formação de lideranças locais, fortalecimento de coletivos e mobilização contínua em torno da pauta climática.
Enquanto a diplomacia discute metas de carbono, as periferias da cidade mostram que justiça ambiental também passa por saneamento, transporte, moradia e cultura.

Com iniciativas como essa, a COP30 ganha um novo contorno — menos distante e mais enraizado —, onde o futuro do clima começa nas baixadas.

Royalties da mineração na Amazônia, para onde vai o dinheiro?

Apesar da arrecadação bilionária por meio de royalties, municípios mineradores do estado do Pará, como Parauapebas e Canaã dos Carajás sofrem com a má distribuição e uso inadequado de recursos, escancarando o problema da falta de governança, transparência e critérios para a utilização das compensações financeiras da mineração 

 

A exploração de recursos minerais na Amazônia é um tema historicamente carregado de contradições econômicas e desigualdades sociais. Em nível nacional, os dados do Instituto Brasileiro de Mineração (IBRAM) mostram que, no primeiro semestre de 2025, o faturamento do setor mineral no Brasil foi de R$ 139,2 bilhões, 7,5% a mais em comparação com o mesmo período de 2024. Minas Gerais lidera esse faturamento, seguida pelo Pará e pela Bahia. 

WhatsApp-Image-2025-11-04-at-10.49.03-4-e1762270712280 Royalties da mineração na Amazônia, para onde vai o dinheiro?Com relação à geração de empregos, dados do novo Cadastro Geral de Empregados e Desempregados (CAGED) mostram que o setor alcançou o patamar nacional de aproximadamente 226 mil empregos diretos, além de milhares de empregos indiretos. De janeiro a junho de 2025, 5.085 novas vagas foram preenchidas em todo o Brasil.WhatsApp-Image-2025-11-04-at-10.49.03-1 Royalties da mineração na Amazônia, para onde vai o dinheiro?

Por um lado, a mineração é responsável por equilibrar a balança comercial do país. O ferro, por exemplo, responde por quase 60% de toda a exportação do Pará. Em 2024, o estado exportou mais de R$73 bilhões em minerais de ferro. Por outro lado, toda essa riqueza gerada pela mineração não garante efetivamente melhores condições de vida para a população das cidades mineradoras, como Parauapebas e Canaã dos Carajás. Apesar de estarem entre os municípios paraenses com os melhores indicadores, o crescimento do Produto Interno Bruto (PIB) não se traduziu diretamente em um Índice de Desenvolvimento Humano (IDH) proporcional, o que sugere um problema na distribuição de renda e na qualidade dos serviços públicos. WhatsApp-Image-2025-11-04-at-10.49.03 Royalties da mineração na Amazônia, para onde vai o dinheiro?

Em 30 anos (1995-2025), Parauapebas recebeu aproximadamente R$13,4 bilhões em Compensação Financeira pela Exploração Mineral (CFEM) e outras modalidades de royalties, transformando-se na principal economia mineral do país. Este montante representa não apenas uma fonte crucial da receita municipal, mas também evidencia a dependência econômica estrutural da região em relação à atividade extrativa mineral, particularmente da exploração de minério de ferro pela Vale.

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Tanto Parauapebas quanto Canaã dos Carajás têm altos índices de PIB per capita, mas um nível de desenvolvimento considerado baixo, de acordo com o Índice de Desenvolvimento Sustentável das Cidades, que mede o desempenho das cidades conforme os objetivos do desenvolvimento sustentável (ODS) para o cumprimento da agenda 2030 das Nações Unidas. Mais de 60% das famílias em ambas as cidades são beneficiárias de programas sociais do governo federal, como o Bolsa Família, segundo o Observatório do CadÚnico, que mede o nível de pobreza nos municípios.WhatsApp-Image-2025-11-04-at-10.49.03-2 Royalties da mineração na Amazônia, para onde vai o dinheiro? WhatsApp-Image-2025-11-04-at-10.49.03-3 Royalties da mineração na Amazônia, para onde vai o dinheiro?

Dado esse panorama contraditório de grandes recursos, mas poucos investimentos sociais e ambientais nos municípios mineradores da Amazônia, Maria Amélia Enríquez, professora da Faculdade de Economia, titular do Programa de Pós Graduação em Direito e Desenvolvimento da Amazônia – PPGDDA  da Universidade Federal do Pará e coordenadora do Laboratório de Estudos sobre Governança de Municípios Mineradores (LAGEM), afirma que a raiz do problema está na forma como a gestão municipal utiliza os recursos provenientes de royalties, como a Compensação Financeira pela Exploração dos Recursos Minerais (CFEM). 

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RI-Carajás – Parauapebas, Canaã dos Carajás, Marabá e Curionópolis

 “Em 2024, 94% da arrecadação da CFEM ficou concentrada nos quatro municípios mineradores da RI-Carajás – Parauapebas, Canaã dos Carajás, Marabá e Curionópolis – o equivalente a R$ 2,9 bilhões. Embora a cota-parte dos municípios seja de 60% desse montante, os valores são muito expressivos, o que contribui para inflar o PIB per capita, mas isso não quer dizer desenvolvimento. O problema aqui não é receita, mas sim critérios e regras para o uso desses recursos. A raiz do problema está na visão de curto prazo e na falta de um planejamento que realmente foque em uma inclusão social de verdade. Falta uma visão de longo prazo.”, destaca a pesquisadora.

Enríquez afirma ainda que eventuais investimentos apenas em urbanização feito nas cidades não garante mudanças reais na qualidade de vida da população. “Desenvolvimento está associado principalmente a uma educação de qualidade, às condições de saúde, de segurança, da qualidade das instituições e das oportunidades econômicas para superar a dependência exclusiva do ciclo minerário. Lamentavelmente, nessas outras estratégias se percebe pouco uso da CFEM. Acredito que está faltando esse direcionamento para aquilo que é realmente estratégico para o desenvolvimento e que prepare o caminho para se chegar a ele”. 

Recursos da CFEM: entre investimentos públicos e usos políticos 

Boa parte da receita dos municípios mineradores como Parauapebas e Canaã dos Carajás é oriunda da CFEM, que é uma contrapartida das empresas mineradoras, estabelecida pela Constituição de 1988, pela utilização econômica dos recursos minerais nos territórios explorados. Trata-se de um pagamento instituído por lei que está diretamente ligado à natureza patrimonial do minério. Portanto, é um recurso financeiro arrecadado pelo Estado Brasileiro associado especificamente à exploração mineral, sendo o minério de ferro o responsável pela maior parcela dessa arrecadação, com 69,4%.  

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De janeiro a agosto de 2025, Parauapebas arrecadou aproximadamente R$600 milhões de CFEM. Estima-se que a arrecadação total da CFEM em Parauapebas em 2025 será de aproximadamente R$ 880 milhões, de acordo com as projeções da prefeitura. Já Canaã dos Carajás arrecadou de janeiro a agosto de 2025, R$706.3 milhões, segundo dados da Agência Nacional de Mineração (ANM). Mas há regras previstas em lei para a utilização desse recurso.   

O promotor de Justiça do Ministério Público do Pará e mestre em Direito Constitucional, Hélio Rubens Pereira Pinho, explica que esse dinheiro não pode ser utilizado para pagar despesas correntes, mas deve ser usado para investimentos nos municípios, ou seja, medidas emancipadoras que garantam o bem estar da população a longo prazo, pensando inclusive no futuro, no período pós-mineração. 

[esse recurso] é justamente para que se crie as condições para quando o minério acabar, o município continue tendo força econômica para manter a dignidade da sua população. Então é essa a ideia, é o que vai ficar no lugar do minério”, comenta. 

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Educação, saúde, saneamento, segurança e infraestrutura são alguns exemplos de áreas em que os investimentos da CFEM deveriam ser destinados. Mas em muitos casos, não é isso que acontece. Aparentemente, a maioria dos municípios mineradores do Brasil sofrem com o desvio de finalidade desse recurso pelas prefeituras, que são as responsáveis por administrar o dinheiro da CFEM repassado pela União. 

Pela lei, os recursos da CFEM não podem ser usados para pagamentos de dívidas e despesas correntes com pessoal, exceto com a manutenção e desenvolvimento do ensino, especialmente da educação básica. Há ainda a orientação para que 20% desse recurso seja destinado a atividades de diversificação econômica, ao desenvolvimento mineral sustentável e desenvolvimento científico e tecnológico.  

“Agora, qual é a grande dificuldade? A primeira, é o uso desse recurso para finalidades ilegais. Muitos municípios utilizam para pagar folha, e sobretudo para pagar folha de servidor temporário. É uma utilização ilegal do serviço temporário”, destaca o promotor. 

Esse uso imediato, sem planejamento a longo prazo, compromete os índices de desenvolvimento social e econômico das cidades mineradoras, que deixam de receber investimentos importantes para satisfazer interesses políticos de gestores municipais. 

“O que vemos são servidores temporários que estão fazendo funções administrativas, que são do cotidiano da gestão. Elas não são nem por natureza temporárias, porque elas são permanentes e nem há uma situação eventual de urgência que justifique. 

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Quando terminar a vida útil da mina, vai restar para aquela população apenas o buraco…

E aí o que acontece? Quando você tem 4.000 servidores temporários você incha a folha, você drena todo o recurso da CFEM e quando terminar a vida útil da mina, vai restar para aquela população apenas o buraco”, destaca Hélio Rubens.

O promotor também evidencia as consequências desse desvio de recursos da CFEM pelas prefeituras. “E tem outras consequências, porque esse serviço temporário é utilizado para transformar o eleitor em cliente. Ele passa a ser dependente daquele governo. E se eu mudar o governo, talvez eu não seja mais escolhido, porque não tem critério.

É a vontade do gestor, quer dizer, ele transforma o cargo público, a função pública em um bem particular para se capitalizar politicamente e transforma o eleitor num cliente. Então isso é uma deformação. Se utilizam do recurso que era para garantir a emancipação de um povo para fins de interesses políticos pessoais, para se manter no poder. É a política clientelista brasileira que vai só mudando de roupa, mas ela se mantém em essência a mesma”. 

Essa espécie de clientelismo e uso imediatista de recursos não é uma prática isolada, mas um problema recorrente na maioria dos municípios que arrecadam CFEM ou outros tipos de royalties.  Enquanto isso, a população segue sem políticas efetivas para a melhora na qualidade de vida nem no presente, tão pouco no futuro. 

‘Má-fé’: sonegação, fiscalização insuficiente e perdas bilionárias

Em outubro de 2024, uma auditoria feita pelo Tribunal de Contas da União (TCU) apontou outros problemas graves: o elevado índice de sonegação dos recursos da CFEM e da Taxa Anual por Hectare (TAH) pelas empresas mineradoras, além de uma fiscalização insuficiente pela Agência Nacional de Mineração (ANM) para coibir a sonegação e perdas de créditos minerários por decadência e prescrição.  

TCU-cobra-ANM-por-sonegacao-de-R_-16-bi-de-mineradoras-em-impostos-1 Royalties da mineração na Amazônia, para onde vai o dinheiro?A auditoria revelou que entre 2017 e 2022, o percentual médio de sonegação entre 134 processos fiscalizados foi de 40,2%. O TCU destaca ainda que em 2022, apenas 17 empresas de mineração foram fiscalizadas, mesmo havendo mais de 39 mil processos em andamento relacionados à mineração, como concessão de lavra, lavra garimpeira, licenciamento e registro de extração. Uma perda de receita potencial da CFEM entre R$9,4 bilhões e R$12,4 bilhões. 

Sobre as perdas de créditos minerários por decadência e prescrição, o TCU afirma que quando a ANM consegue fiscalizar e identificar a sonegação, ela não é capaz de concluir a autuação e cobrança, fazendo com que os créditos minerários sejam prescritos ou decaídos. Isso gerou uma perda de receita da CFEM de mais de R$4 bilhões, entre 2017 e 2021.  

Para o relator do processo, o ministro Benjamin Zymler, o pagamento da CFEM depende da ‘boa-fé’ das empresas, já que a ANM é incapaz de cumprir as devidas fiscalizações e ter controle sobre o setor. Para o TCU, a ANM não possui recursos humanos, materiais e tecnologias suficientes para arrecadar e fiscalizar o pagamento da CFEM e outras taxas. 

Sucateamento da Agência Nacional de Mineração

A incapacidade de fiscalização da ANM foi motivo de intensos protestos dos servidores da própria agência reguladora desde 2023. Nesse período, houve diversas paralisações das atividades de regulação e fiscalização do setor como forma de reivindicar a reestruturação do órgão e a equiparação de salários, 43% menor do que o salário pago a outras agências reguladoras. 

fiscalizacao-da-ANM-SEM-LEGENDA-scaled Royalties da mineração na Amazônia, para onde vai o dinheiro?Desde que o antigo Departamento Nacional de Produção Mineral (DNPM) se tornou a atual Agência Nacional de Mineração (ANM), em 2017, novas atribuições legais foram dadas ao órgão, porém, sem mudanças no orçamento para suprir as novas demandas, levando os servidores a uma sobrecarga de trabalho exaustiva e sem condições dignas. 

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Associação dos servidores da Agência Nacional de Mineração

Em todo o país, servidores da ANM se mobilizaram para exigir do governo federal o reajuste salarial da categoria, novos concursos públicos para repor o quadro de servidores e melhores estruturas de trabalho no órgão. Segundo os trabalhadores, esses problemas estruturais são os responsáveis pela má fiscalização no setor. Em janeiro de 2025, os servidores da ANM conquistaram a sua isonomia salarial, mas alertam que há muito a ser feito para que a agência consiga, de fato, cumprir o seu papel institucional. 

Incidência política e pressão popular: ‘A gente não tem clareza para onde vai esse recurso’

Coletivos populares, movimentos sociais e institutos de pesquisa têm atuado em conjunto para pressionar o poder público, as empresas e os órgãos fiscalizadores a garantir a melhor arrecadação e destinação dos recursos da CFEM e outros royalties.

O Instituto de Estudos Socioeconômicos (Inesc) é uma das organizações não governamentais que trabalha em conjunto com os movimentos sociais e outras organizações na discussão sobre a promoção de políticas a partir de estudos sobre o orçamento público. Para Alessandra Cardoso, economista e assessora política do Inesc, a discussão sobre a arrecadação e distribuição dos royalties da mineração precisa ser amadurecida em diferentes níveis da sociedade para que seja possível direcionar os recursos corretamente, inclusive para o enfrentamento das mudanças climáticas. 

“É muito importante que se crie espaço fiscal, capacidade de direcionar recursos nacionais para enfrentar as mudanças climáticas e a gente entende que esses recursos são estratégicos para isso. Também são estratégicos para garantir uma justiça social, porque no final das contas são recursos que devem estar comprometidos com a visão de futuro, com a visão geracional, com a visão de que esses recursos que são extraídos hoje, não vão existir amanhã e eles precisam ser gastos para construir uma superação, inclusive dessa condição de dependência da lógica de exploração extrativista, que a gente sabe que tem custo social, ambiental e que lá na frente não vai ser mais possível”, destaca a economista. 

Nesse sentido, a organização atua para que haja maior transparência sobre o destino que os municípios dão ao dinheiro da CFEM. Eles defendem uma regulação nacional que oriente de maneira mais explícita a destinação dos recursos. 

Royalties-mas-para-onde-o-dinheiro-vai Royalties da mineração na Amazônia, para onde vai o dinheiro?
Royalties, mas para onde [o dinheiro] vai
“É preciso que se crie um critério básico e único de transparência para que todos os entes que recebem esses recursos patrimoniais deem transparência máxima na execução. Porque a gente consegue olhar qualquer portal de transparência quanto que [cada governo] recebeu, mas para onde [o dinheiro]  vai? Essa resposta é extremamente difícil. Então não é justo com os grupos e comunidades que essa luta seja feita em cada local. É preciso que haja uma regulação nacional para garantir uma transparência em função da natureza desse recurso”, acentua Cardoso.

Além de maior transparência por meio de uma regulação nacional, o Inesc defende uma efetiva governança desses recursos, ou seja, que o destino do dinheiro seja discutido no âmbito de cada localidade, com base nas prioridades regionais e em diálogo com a sociedade. 

Mas como alerta Alessandra, essa questão é política, e não técnica. “A gente sabe que abrir essa informação significa colocar em escrutínio público o destino desse dinheiro. E as prefeituras e grupos locais que dominam a política não querem exatamente esse escrutínio, entendemos que não é possível que a gente coloque essa decisão na mão de cada prefeitura, de cada localidade como se fosse um ato de transparência próprio”. 

Como alternativa, o trabalho de articulação com coletivos e grupos locais tem sido fundamental para fomentar a participação e a organização popular em torno do orçamento público. Um forte exemplo são as iniciativas do grupo “Mulheres Amazônidas”, que, com o apoio do Inesc e de outras organizações, busca incidir nos debates públicos a respeito da necessidade de destinar parte dos recursos da CFEM para políticas de raça e gênero nos municípios mineradores do Pará. 

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Rose Lima, integrante do ‘Mulheres Amazônidas’, reforça que as mulheres são as mais afetadas pelos problemas decorrentes da má distribuição e uso do dinheiro público e que por isso, precisam ter políticas direcionadas a elas. 

“Qual é o lugar que as mulheres ocupam nesse processo todo? Quando olhamos os lançamentos públicos, a destinação da CFEM, vemos a inexistência dessas políticas e quando existem são muito fragilizadas por falta de uma estratégia clara e de um problema a ser enfrentado. A gente não tem clareza para onde vai esse recurso.”, esclarece Rose. 

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Rose mora em Marabá, outro município minerador do sudeste do Pará. Por lá, o coletivo ‘Mulheres Amazônidas’ tem discutido e enfrentado o debate com as prefeituras e outros atores da região, tanto a pauta de gênero, como a pauta racial. 

“A população negra é a que mais é afetada pelas violações, pelas contaminações, pelos despejos, pelas desapropriações. São elas que não acessam as políticas, são para elas que essas políticas não são pensadas”, enfatiza Rose. 

Um recorte ilustrativo sobre esse desamparo às mulheres, em particular às mulheres negras e indígenas, foi mostrado em uma reportagem de julho da revista Azmina, que revelou o alto índice de mortalidade materna e violência obstétrica no hospital de Marabá. O município tem uma taxa 39% maior de mortalidade que a média do estado do Pará. Mulheres negras e indígenas estão morrendo devido a negligência e racismo no atendimento. 

A reportagem ouviu 12 mulheres que relatam o descaso do poder público, com partos realizados no chão, bebês com membros fraturados no nascimento, negação de direitos básicos, tratamento desumanizado e mortes. 

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O projeto Mulheres Amazônidas – iniciativa do Inesc, analisa a relação entre a mineração, a receita de royalties e os impactos sociais e econômicos nas comunidades do sudeste do Pará, especialmente as mulheres

Iniciativas como o coletivo Mulheres Amazônidas têm feito o possível para incidir nas agendas públicas, inclusive na elaboração do Plano Plurianual para o período de 2026 a 2029, com o objetivo de definir diretrizes, metas e objetivos voltados para a dignidade das mulheres. 

Rose afirma que “se a CFEM é um recurso que vem de empresas que violentam corpos e esses corpos têm rosto, tem sexo, esse corpo está definido quem é, essas políticas têm que priorizar essas pessoas. São para elas que essa política tem que chegar. Não como uma reparação que a empresa tem que fazer, mas do que chega em termos de orçamento público”.

Como resultado dessas incidências políticas, o coletivo “Mulheres Amazônidas” tem dialogado com o Ministério Público Federal para orientar e cobrar que políticas públicas específicas para mulheres negras sejam criadas nos municípios de Marabá, Canaã dos Carajás e Parauapebas.  O MPF também recomendou a criação de Conselhos Municipais de Promoção da Igualdade Racial. 

Com relação ao orçamento público e transparência, os movimentos sociais de mulheres da região de Carajás exigem a efetivação de um orçamento público sensível aos recortes de gênero, raça e classe; a criação de mecanismos de participação social na criação do Plano Plurianual (PPA), na Lei de Diretrizes Orçamentárias (LDO) e na Lei Orçamentária Anual (LOA); e transparência na destinação da CFEM. 

*Entramos em contato por email com as prefeituras de Parauapebas e Canaã dos Carajás para solicitar esclarecimentos sobre a utilização dos recursos da CFEM nos municípios, mas até o momento não recebemos resposta. 

“Esta reportagem foi produzida por meio da Bolsa de Reportagem do edital Sala Colaborativa, promovido pela Ajor (Associação de Jornalismo Digital), em parceria com a InfoAmazonia e com apoio do Instituto Serrapilheira. O projeto tem como objetivo fortalecer o jornalismo socioambiental guiado por evidências científicas para informar decisões, gerar impacto real e fortalecer o diálogo público sobre desafios climáticos e ambientais.”

AçaíBot e o novo tempo da mecanização da floresta: tecnologia, renda e autonomia na Amazônia da COP30

Um robô na floresta

Na manhã úmida de uma segunda-feira na Ilha Grande, às margens do rio Pará, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva testemunhou algo raro: uma máquina se movendo entre os açaizais, não para derrubar, mas para colher.
O AçaíBot, primeiro robô nacional criado para a colheita mecanizada de açaí, é mais do que uma curiosidade tecnológica — é símbolo de um país que tenta, enfim, unir floresta e futuro.

Produzido pela Kaatech, empresa brasileira especializada em inovação voltada à bioeconomia amazônica, o AçaíBot foi desenvolvido para substituir o método tradicional e arriscado de colheita, no qual peconheiros escalam árvores de até 20 metros, equilibrados apenas em cintos de couro e força nos pés.
A nova tecnologia promete triplicar a produtividade diária, reduzir drasticamente os acidentes e ampliar a renda das famílias extrativistas.

Mas, mais do que eficiência, o AçaíBot representa uma mudança de paradigma. Como sintetizou o diretor comercial da Kaatech, João Luiz Rezende, durante a demonstração:
“O AçaíBot não é apenas uma máquina. É tecnologia aplicada à floresta, gerando renda, reduzindo risco e mantendo a Amazônia em pé.”

A floresta no centro da inovação

A apresentação do robô, apoiada pelo Ministério do Desenvolvimento Agrário e Agricultura Familiar (MDA), marca uma virada simbólica no modo como o Brasil encara a Amazônia: não como espaço de carência, mas como território de invenção.
Durante décadas, o discurso sobre a floresta oscilou entre a conservação idealizada e a exploração predatória. Agora, surge uma terceira via — a bioeconomia amazônica, onde conhecimento local e ciência se cruzam em busca de prosperidade sustentável.

“Robô nacional para colheita de açaí! Essa é a revolução que o presidente Lula está levando para os agricultores familiares”, declarou o ministro Paulo Teixeira, ao lado de cooperativas e técnicos do Banco da Amazônia.
“A colheita que antes exigia risco e esforço extremo agora pode ser feita com tecnologia brasileira, feita na Amazônia, para quem vive na Amazônia.”

A frase soa como manifesto político e técnico ao mesmo tempo: democratizar a tecnologia é condição para democratizar o desenvolvimento.

Financiamento e autonomia: a floresta como sujeito econômico

O AçaíBot é acessível. Seu valor final, R$ 12 mil por família, poderá ser financiado pelo Pronaf B, programa nacional de fortalecimento da agricultura familiar, com juros subsidiados e parcelamento de longo prazo.
As linhas de crédito já estão disponíveis em instituições como Banco da Amazônia, Caixa Econômica Federal, Banco do Brasil e Banco do Nordeste.

Mais do que um investimento, trata-se de uma política pública voltada à autonomia tecnológica da floresta.
Pela primeira vez, o extrativista pode acessar uma inovação projetada para seu ambiente de trabalho, e não adaptada de fora. A Kaatech planeja instalar centros regionais de capacitação, onde operadores locais serão formados em manutenção e uso do equipamento.
O objetivo é simples e ambicioso: garantir que o conhecimento técnico permaneça na Amazônia, evitando que o futuro seja importado.

A reinvenção do trabalho extrativista

A rotina do peconheiro — o colhedor de açaí que sobe dezenas de palmeiras por dia — é uma das mais arriscadas da Amazônia. O esforço físico é extremo; o perigo, constante.
Quedas fatais são frequentes. E, ainda assim, o trabalho sustenta uma das cadeias produtivas mais rentáveis do Norte do Brasil.

O AçaíBot muda esse enredo. Com seu braço robótico articulado, o equipamento identifica, alcança e corta o cacho maduro com precisão, sem danificar o tronco nem desperdiçar frutos.
Segundo dados da Kaatech, a produtividade pode triplicar em comparação ao método manual, e o desperdício cair de 40% para menos de 5%.
Ao mesmo tempo, o robô permite que mulheres, jovens e idosos participem da colheita, reduzindo a dependência de força física e ampliando a inclusão econômica nas comunidades.

“Ao eliminar a necessidade de subir nas palmeiras, protegemos vidas, ampliamos a produção e garantimos que jovens e mulheres também possam participar da cadeia produtiva”, disse Rezende.
Essa frase carrega uma revolução silenciosa: a mecanização que emancipa, em vez de excluir.

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Bioeconomia na prática: da retórica ao chão da floresta

O termo bioeconomia ganhou protagonismo nas últimas conferências climáticas e agora se torna palavra-chave da COP30, que o Brasil sediará em 2025, em Belém.
Mas, como observam especialistas, a bioeconomia só existirá de fato quando significar renda e dignidade para quem vive da floresta — e não apenas uma narrativa para investidores.

O AçaíBot, nesse sentido, é um protótipo daquilo que a bioeconomia precisa ser: tecnologia aplicada à realidade local, com impacto direto no cotidiano das famílias extrativistas.
Em vez de substituir o trabalho humano, ele o qualifica e o protege.
Em vez de importar soluções, ele nasce dentro da floresta, a partir do diálogo entre engenheiros e ribeirinhos.

A Kaatech aposta nesse modelo. Seu portfólio inclui outros projetos de automação sustentável — drones para mapeamento de copa, sensores de umidade, ferramentas de diagnóstico para manejo florestal — sempre com foco em pequenas comunidades e cooperativas.

O desafio, reconhece Rezende, é escalar a inovação sem perder o vínculo social. “O sucesso não será medido apenas em unidades vendidas, mas em famílias que deixam de se arriscar e passam a viver melhor do açaí.”

Açaí: o ouro roxo da Amazônia

O açaí é mais do que um fruto; é uma cultura, uma economia e uma identidade. Estima-se que mais de 300 mil famílias dependam direta ou indiretamente de sua extração e beneficiamento.
O Pará responde por cerca de 95% da produção nacional, com destaque para as regiões das ilhas de Belém, do Baixo Tocantins e do Marajó.

O ciclo do açaí, que antes era local e sazonal, transformou-se em cadeia global. O fruto hoje está presente em 60 países, e o Brasil exporta toneladas anuais, movimentando mais de R$ 3 bilhões por ano.
Mas o contraste é gritante: a maior parte dessa riqueza ainda escorre pelos dedos de quem colhe.

O AçaíBot, ao multiplicar produtividade e reduzir perdas, redistribui valor dentro da cadeia. É um passo para que o extrativismo deixe de ser visto como prática precária e passe a ser reconhecido como atividade tecnológica de alto valor agregado.

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Entre a máquina e o mito: quando a floresta fala em código

Há quem veja na mecanização uma ameaça à tradição. No entanto, o AçaíBot não rompe com o saber extrativista; ele o traduz em linguagem de engenharia.
O que antes era intuição do peconheiro — o olhar que distingue o cacho maduro, o toque que mede a resistência do tronco — foi transformado em algoritmo, calibrado para respeitar o ciclo natural da palmeira.

A máquina não substitui o homem; apenas o protege do risco.
O saber tradicional permanece como software invisível, embutido em cada gesto do robô.
Nesse sentido, o AçaíBot é, paradoxalmente, uma expressão da floresta digitalizada: tecnologia de ponta alimentada por sabedoria ancestral.

Financiamento verde e política pública

O sucesso da inovação dependerá de algo que a Kaatech não controla sozinha: política pública e crédito contínuo.
O Pronaf B é a engrenagem inicial, mas o alcance real virá da integração entre ministérios, bancos públicos e cooperativas regionais.
O Banco da Amazônia já anunciou prioridade na liberação de crédito para aquisição do equipamento, dentro da carteira voltada à agricultura familiar.

O contexto é promissor. Com a COP30 se aproximando e o Brasil reposicionando sua diplomacia ambiental, investimentos em tecnologias amazônicas ganharam novo impulso.
O AçaíBot se torna, assim, vitrine de um modelo em que inovação, crédito e política se unem para gerar resultados tangíveis.

A Amazônia como laboratório de futuro

A chegada do AçaíBot coincide com um momento em que a Amazônia volta ao centro da política global.
Belém, sede da próxima conferência do clima, será vitrine de iniciativas que tentam responder a uma pergunta simples e urgente: como conciliar desenvolvimento e floresta viva?

A resposta talvez não venha dos gabinetes, mas dos igarapés.
O robô da Kaatech é, nesse sentido, mais que uma invenção; é um símbolo de coerência.
Mostra que é possível inovar sem destruir, lucrar sem exaurir, modernizar sem expulsar.

A COP30 falará de compromissos multilaterais e metas de carbono, mas o AçaíBot falará outra língua: a da sobrevivência concreta das comunidades que seguram a floresta de pé.

Da Ilha Grande para o mundo

Nas próximas semanas, a Kaatech iniciará um programa de demonstração do AçaíBot em comunidades extrativistas, cooperativas e associações rurais da região Norte.
A empresa também lançará cursos de capacitação técnica local, com formação de operadores e mecânicos especializados.
A ideia é criar um ecossistema de aprendizado que una ciência e floresta, evitando a dependência de assistência externa.

Se der certo, o modelo poderá inspirar outras cadeias produtivas — da castanha-do-pará ao cacau nativo, do buriti ao cupuaçu.
Cada bioma amazônico pode ser também um polo de tecnologia social, com soluções desenhadas para a escala e a cultura locais.

Uma cena para o futuro

Ao final da apresentação, Lula caminhou até o robô, encostou a mão no metal e comentou:
“Esse é o tipo de tecnologia que faz o Brasil olhar para si mesmo e ver que tem tudo o que precisa para dar certo.”

A frase, dita entre aplausos e câmeras, resume o espírito do evento.
O AçaíBot não é um milagre isolado; é o prenúncio de um país que começa a enxergar na Amazônia não um desafio, mas uma oportunidade.

Quando a inovação nasce do território, o progresso tem sotaque local.
E o futuro, que tantas vezes chegou de fora, começa — enfim — a brotar do chão da floresta.

Transição justa, bioeconomia e Amazônia: veja algumas das principais discussões na COP30

Instituto Clima e Sociedade organiza três pavilhões em Belém e leva 22 especialistas para a maior conferência climática da ONU já realizada no Brasil

A COP30, que acontece em Belém, deve marcar um ponto de virada na agenda climática global — e o Instituto Clima e Sociedade (iCS) promete ter papel de destaque. Com três pavilhões oficiais e uma delegação de 22 especialistas, o iCS chega à conferência com a missão de conectar comunidades amazônicas, sociedade civil, investidores e governos em torno de um mesmo objetivo: tornar as promessas climáticas em ações reais.

Fundado em 2015, o iCS é a principal organização filantrópica brasileira dedicada exclusivamente ao enfrentamento das mudanças climáticas. E nunca teve uma atuação tão ampla em uma COP. A entidade participa da organização dos pavilhões Belém+10, Regional Climate Foundations (RCF) e World Climate Foundation (WCF), que vão abrigar debates sobre transição justa, bioeconomia, inovação financeira e fortalecimento da Amazônia.

“A COP30 será uma oportunidade única para mostrar que o futuro climático do planeta passa pela Amazônia — e pela capacidade do Brasil de liderar uma transição justa e inclusiva”, afirma o iCS em nota.


Belém+10: a Amazônia no centro das soluções

Localizado na Zona Verde da COP30, o pavilhão Belém+10 foi concebido para celebrar os dez anos do Acordo de Paris e colocar a Amazônia como protagonista da próxima década climática.

O espaço reunirá lideranças indígenas, quilombolas, cientistas, economistas, jovens e gestores públicos para debater temas como bioeconomia, justiça climática, governança territorial e o papel das cidades amazônicas na transição ecológica.

Além de painéis e debates, o pavilhão contará com mostras audiovisuais, apresentações culturais e encontros de articulação — uma mistura de ciência, cultura e política voltada à construção de soluções locais e replicáveis.

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Regional Climate Foundations: cooperação entre continentes

O pavilhão RCF, na Zona Azul, chega à sua terceira edição com a proposta de conectar fundações climáticas regionais de diferentes partes do mundo.

Com coorganização do iCS, o espaço pretende fortalecer o financiamento climático local e descentralizado, especialmente em países do Sul Global, onde os impactos da crise climática são mais intensos.

A ideia é mostrar que a implementação das metas internacionais depende da força das ações regionais e comunitárias, apoiadas por mecanismos inovadores de financiamento e filantropia.


World Climate Impact Hub: onde compromissos viram ação

Em parceria com a World Climate Foundation, o iCS também ajudará a organizar o World Climate Impact Hub Pavilion, espaço voltado à colaboração entre líderes empresariais, formuladores de políticas e representantes de governos.

Na Zona Azul, o Hub será palco de debates diários sobre energia, transporte, florestas, biodiversidade, sistemas alimentares e finanças verdes, alinhados aos temas oficiais da COP30.

O objetivo é gerar conexões que resultem em parcerias concretas, traduzindo compromissos em investimentos e impactos positivos reais.


Por que isso importa

Com o mundo se aproximando do limite de aquecimento global de 1,5°C, o papel de organizações como o iCS torna-se ainda mais relevante. A conferência em Belém — primeira COP realizada na Amazônia — simboliza uma nova etapa da diplomacia climática, em que ações locais e justiça social ganham o mesmo peso que as negociações globais.

Ao colocar a filantropia e a sociedade civil no centro das discussões, o iCS aposta em uma abordagem que combina financiamento, governança e inclusão — e que pode redefinir a forma como o Brasil e o mundo lidam com a transição para uma economia de baixo carbono.


Sobre o Instituto Clima e Sociedade (iCS)
O iCS é uma organização filantrópica brasileira que atua para acelerar soluções climáticas no país, apoiando projetos de pesquisa, capacitação, redes e políticas públicas. Desde 2015, tem sido um dos principais articuladores de iniciativas voltadas à justiça climática, energia limpa e proteção da Amazônia.

Quando o ouro vira veneno: o drama invisível do mercúrio na Amazônia

No coração da Amazônia, o medo substituiu a esperança de muitas mulheres indígenas. Em comunidades como Sai Cinza, no território Munduruku, no Pará, gestar uma criança tornou-se um ato de coragem. Rios que antes garantiam alimento e vida agora trazem uma ameaça silenciosa: o mercúrio despejado pelo garimpo ilegal. O metal, usado para separar o ouro do cascalho, está se infiltrando nas águas, nos peixes e, finalmente, no sangue, no leite materno e nas placentas das mulheres da floresta.

Entre os rostos dessa tragédia está o de Rany Ketlen, uma menina de três anos que nunca conseguiu sustentar a própria cabeça e sofre de espasmos musculares. Ela é uma das 36 pessoas na região — em sua maioria crianças — que apresentam distúrbios neurológicos inexplicáveis por causas genéticas. Agora, uma pesquisa apoiada pela Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz) pode estar prestes a confirmar o que as mães indígenas já suspeitam há anos: a ligação direta entre o mercúrio do garimpo e as deficiências em seus filhos.

O estudo, que deve ser concluído até o fim de 2026, busca evidências concretas de que a contaminação está provocando danos cerebrais em recém-nascidos e crianças pequenas. Os pesquisadores acompanham 176 mulheres grávidas, medindo a concentração de mercúrio em seus corpos e observando o desenvolvimento dos bebês. Os primeiros dados são alarmantes: em Sai Cinza, as mães apresentam níveis de mercúrio cinco vezes superiores ao limite considerado seguro pelo Ministério da Saúde, e seus filhos, três vezes mais.

Para o pesquisador Paulo Basta, da Fiocruz, que estuda o tema há mais de três décadas, trata-se de uma crise de saúde pública que não desaparecerá mesmo que o garimpo pare hoje. “O mercúrio não se decompõe. Ele continua circulando por décadas no ar, na água e no solo”, explica. Em 2021, Basta já havia constatado níveis perigosos do metal em 10 das 15 mães testadas em aldeias Munduruku. Casos semelhantes foram encontrados entre os Yanomami e os Kayapó, onde o garimpo também avança sem trégua.

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Garimpo

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O dilema é cruel: comer peixe contaminado ou passar fome. O cacique e enfermeiro Zildomar Munduruku explica que o surubim e outras espécies de rio são a base da alimentação de seu povo. “Se a gente obedecer às regras das autoridades de saúde, a gente vai passar fome”, lamenta.

A tragédia ganha contornos ainda mais urgentes às vésperas da COP30, a Conferência das Nações Unidas sobre o Clima, que acontecerá em Belém. O governo brasileiro, sob a liderança do presidente Luiz Inácio Lula da Silva, tem tentado reverter os danos causados por anos de avanço do garimpo ilegal. Desde 2023, operações federais expulsaram milhares de mineradores de terras indígenas e reforçaram o monitoramento ambiental. O Ministério da Saúde também ampliou a vigilância de mercúrio nos territórios indígenas e investiu em acesso à água potável. Mas o estrago, dizem os cientistas, já está espalhado por gerações.

O metal pesado, usado pelos garimpeiros para aglutinar partículas de ouro, é altamente volátil. Uma vez liberado, se transforma em metilmercúrio — uma substância neurotóxica que contamina os peixes e se acumula no organismo humano. Essa bioacumulação atinge principalmente mulheres grávidas e crianças, cujos sistemas nervosos estão em desenvolvimento.

A enfermeira Cleidiane Carvalho, que há anos conecta pesquisadores a comunidades indígenas afetadas, teme que a tragédia se torne invisível. “Se você não procura, também não vai encontrar. Sem esses estudos, a crise será silenciada para sempre”, alerta.

Os desafios científicos são enormes. A Fiocruz e a Universidade de São Paulo (USP) investigam os casos com o apoio do geneticista Fernando Kok, que tenta descartar outros fatores de risco, como doenças infecciosas e casamentos consanguíneos. Provar a relação causal entre mercúrio e as deficiências neurológicas exige tempo, análises detalhadas e acompanhamento contínuo das famílias.

Mesmo assim, o consenso entre especialistas é claro: o garimpo ilegal está envenenando corpos e futuros. Como aponta Basta, os 546 casos de contaminação documentados até março de 2025 “são apenas a ponta do iceberg”. As estimativas sugerem que dezenas de milhares de pessoas possam estar contaminadas em toda a Amazônia.

O ouro, que brilha como promessa de riqueza imediata, tem deixado um rastro de silêncio e dor nas aldeias amazônicas. Enquanto a comunidade internacional se prepara para discutir o clima e a justiça ambiental na COP30, as vozes de mulheres como Alessandra Korap e Cleidiane Carvalho ecoam como um lembrete urgente: o que está em jogo não é apenas a floresta, mas a própria sobrevivência dos povos que a guardam.

Amazônia protagonista: encontro sobre ESG na UniNorte em Manaus

A região amazônica está ganhando novo protagonismo no debate global sobre sustentabilidade, e no dia 5 de novembro, em Manaus, uma iniciativa se propõe a dar voz a esse momento de transformação. A UniNorte — instituição de ensino integrante do Grupo Ser Educacional — une forças com a ABRAPS – Associação Brasileira dos Profissionais pelo Desenvolvimento Sustentável, por meio de seu Núcleo Manaus, para promover o “Meet Up Pré-COP30: Desafios e Oportunidades do ESG no Polo Industrial e na Formação Profissional”, evento gratuito que acontecerá no Teatro UniNorte (Av. Joaquim Nabuco, 1365 – Centro) das 19h às 22h.

A proposta da noite é ir além dos conceitos: reunir especialistas, executivos, acadêmicos e gestores públicos para refletir sobre como o bioma amazônico — há muito visto apenas como símbolo ambiental — virou peça central de uma nova economia verde mundial. O evento integra a agenda de debates preparatórios para a COP30, marcada para 2025 em Belém, e busca aproximar as discussões globais sobre ESG (Ambiental, Social e Governança) às realidades, oportunidades e desafios locais.

No primeiro momento, o painel “Amazônia: o centro da nova economia sustentável” colocará em foco temas como bioeconomia, energia limpa, créditos de carbono e inovação social. Participam Karla Colares — diretora da UniNorte e mestre em Economia Criativa —, Lore Kotinski — doutora, pesquisadora em ESG e diretora da ABRAPS Núcleo Manaus —, e Caroline Braz — defensora pública e professora na UniNorte. Eles discutirão como conciliar desenvolvimento econômico e conservação ambiental quando o palco é a Amazônia.

WhatsApp-Image-2025-01-22-at-16.48.25-1536x864-1-400x225 Amazônia protagonista: encontro sobre ESG na UniNorte em Manaus
Manaus – Divulgação

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Em seguida, “ESG na prática: do discurso à ação na Amazônia e além” trará o olhar da prática corporativa, industrial e institucional. No painel, estarão Régia Moreira Leite — presidente da Comissão de ESG do Centro da Indústria do Amazonas (Cieam), CEO da Impram e diretora da ABRAPS Núcleo Manaus —, Lúcio Flávio — advogado e presidente da Cieam —, e Michelle Guimarães — CEO da Navegan. O debate abordará como transformar compromissos em resultados concretos e mensuráveis em contextos complexos como o da Amazônia.

Para a UniNorte, sediar este encontro é uma forma de reafirmar seu papel na formação de profissionais preparados para as demandas emergentes da nova economia. “Formar não apenas especialistas em disciplinas, mas agentes de mudança que compreendam a Amazônia como território de oportunidade e responsabilidade”, afirma a dire­ção da instituição. Por sua vez, a ABRAPS reforça sua missão de mobilizar redes de profissionais dedicados ao desenvolvimento sustentável, e destaca a Amazônia como território estratégico para essa mobilização.

Em tempos em que o eixo da sustentabilidade global passa não apenas pela proteção da natureza, mas pela criação de valor socioeconômico no âmbito dos biomas, a região amazônica assume posição de vanguarda. Este Meet Up funciona como espaço de articulação entre academia, indústria e poder público, e abre o caminho para que Manaus e a Amazônia contribuam ativamente para as pautas de ESG em escala nacional e internacional.

A entrada é gratuita, e a expectativa é que o público presente possa não só assistir aos debates, mas se engajar no diálogo, propor conexões e fortalecer ações de transformação. O momento exige diálogo em múltiplas frentes: inovação, governança, inclusão social, economia de baixo carbono — e este encontro anuncia que a Amazônia está pronta para responder.

Serviços:

Data: 5 de novembro | Horário: 19h às 22h | Local: Teatro UniNorte – Av. Joaquim Nabuco, 1365, Centro, Manaus. Realização: UniNorte (Grupo Ser Educacional) e ABRAPS – Núcleo Manaus.

Em nome de quem protege a vida: povos da floresta exigem acesso direto aos fundos climáticos

Enquanto o mundo busca frear o colapso climático, a distância entre as promessas globais e a realidade de quem protege os territórios continua abissal. Povos indígenas, comunidades tradicionais, quilombolas e ribeirinhos seguem sendo os verdadeiros guardiões das florestas, mas continuam à margem dos recursos que deveriam fortalecer sua atuação. É essa contradição que a Aliança dos Povos pelo Clima traz ao centro do debate, ao exigir que os novos mecanismos financeiros globais adotem regras simples, acessíveis e representativas.

Nas últimas décadas, o financiamento climático internacional se transformou em um labirinto. Formulários extensos, termos técnicos em idiomas estrangeiros e exigências contábeis incompatíveis com a realidade local criaram uma barreira quase intransponível. No fim da cadeia, o dinheiro se concentra em grandes instituições intermediárias — muitas vezes sediadas fora dos territórios —, enquanto quem mantém a floresta viva recebe migalhas.

Dois mecanismos em destaque na agenda internacional expõem esse desequilíbrio: o Tropical Forests Forever Facility (TFFF) e o Fund for Responding to Loss and Damage (FRLD). O primeiro, articulado pelo Brasil e previsto para lançamento durante a COP30 em Belém, pretende criar um fundo global permanente de remuneração para países que conservam suas florestas tropicais. A meta é ambiciosa: alcançar US$ 125 bilhões a longo prazo, combinando aportes públicos e privados.

O segundo, o FRLD, foi operacionalizado após a COP28, com o Banco Mundial como gestor interino. Embora já conte com promessas de mais de US$ 700 milhões, segue sem definir regras claras de acesso ou critérios que priorizem os povos e comunidades que mais sofrem os impactos das mudanças climáticas.

A Aliança dos Povos pelo Clima alerta que, sem corrigir essa estrutura, ambos os fundos correm o risco de repetir o mesmo erro histórico: destinar a maior parte dos recursos a instituições que operam distante do chão da floresta. O grupo propõe que a fatia destinada a povos indígenas e comunidades tradicionais no TFFF — atualmente prevista em 20% — seja ampliada para pelo menos 50%. A justificativa é sólida: esses povos são os que mais contribuem para a preservação.

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Caraíba Aracá – por: Diego Arregui

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Dados do MapBiomas mostram que dois terços das Terras Indígenas não registraram nenhum evento de desmatamento em 2024, e a perda total equivale a apenas 1,3% do desmatamento nacional. Entre 1985 e 2023, essas terras perderam apenas 1% da vegetação nativa, enquanto áreas privadas perderam 28%. Além disso, a criação de novas Unidades de Conservação (UCs) foi responsável por 37% da queda do desmatamento entre 2004 e 2006 — prova de que fortalecer esses territórios é também fortalecer o clima global.

A proposta da Aliança é clara: um financiamento climático justo, direto e baseado na confiança. Isso significa simplificar regras, adaptar mecanismos de prestação de contas e oferecer assistência técnica gratuita às organizações locais. Também é essencial garantir governança representativa, com assentos deliberativos para coletivos de base, cooperativas e movimentos sociais nos conselhos de gestão do TFFF e do FRLD.

A Aliança cita experiências inspiradoras já existentes no Brasil, como o Fundo Casa Socioambiental e a Comuá — redes que operam com legitimidade e flexibilidade, apoiando projetos em escala territorial. Para essas organizações, “confiança” deve ser o novo critério de eficiência. Financiamento direto às comunidades não é concessão: é estratégia inteligente de mitigação e adaptação.

Além de repensar a governança, é preciso rediscutir as fontes do dinheiro. A Aliança defende uma taxação global sobre lucros excessivos de grandes corporações e até 5% sobre multimilionários e bilionários, como forma de justiça fiscal e climática. Um relatório da Oxfam aponta que o 1% mais rico do planeta emite mais carbono do que 6 bilhões de pessoas mais pobres. A equação é moralmente insustentável: quem destrói deve pagar a conta.

A Amazônia, e com ela o futuro do planeta, depende de uma virada radical na forma como o financiamento climático é estruturado. Sem recursos acessíveis, sem representatividade e sem a voz dos povos da floresta nas decisões, nenhuma meta será suficiente. Como afirmam os representantes da Aliança — Ana Rosa Cyrus, do Engajamundo; Joelmir Silva, do Coletivo Olhos do Xingu; e Walter Oliveira, do Tapajós Vivo —, “financiar quem protege não é caridade, é a única forma de manter o clima habitável”.

Sem escutar e fortalecer quem vive e cuida da floresta, não há futuro possível — nem para o Brasil, nem para o planeta.

Brasil chega à cúpula do mercúrio sem plano contra uso no garimpo

O Brasil voltou a uma conferência internacional sobre o controle do mercúrio sem apresentar o plano de ação que deveria ter sido entregue há cinco anos. Na 6ª Conferência das Partes da Convenção de Minamata (COP6), iniciada nesta segunda-feira (3) em Genebra, o país cobrou financiamento internacional para combater a contaminação causada pela mineração, mas não apresentou uma estratégia completa para eliminar o uso do metal no garimpo.

A Convenção de Minamata, em vigor desde 2017, foi criada para proteger a saúde humana e o meio ambiente dos efeitos tóxicos do mercúrio, proibindo novas minas, determinando o fechamento das existentes e estabelecendo prazos para a eliminação do metal em produtos como lâmpadas, termômetros e pilhas. Embora o tratado não proíba explicitamente seu uso na mineração de ouro artesanal, recomenda que os países elaborem planos nacionais para reduzir e, no futuro, erradicar a prática.

O Brasil, signatário da convenção, deveria ter entregue seu Plano Nacional de Ação até 2020. No entanto, o compromisso foi descumprido tanto no governo anterior quanto nos primeiros anos da atual gestão. Na COP6, representantes do governo Lula admitiram que o documento ainda não está pronto. Segundo o Ministério de Minas e Energia, o plano está em fase final de elaboração e deve ser apresentado “em breve” ao Ministério do Meio Ambiente e Mudança do Clima, chefiado por Marina Silva.

Enquanto isso, a realidade avança em sentido contrário. Um levantamento do Instituto Escolhas aponta que 185 toneladas de mercúrio ilegal foram utilizadas na extração de ouro no Brasil entre 2018 e 2023. O metal, usado como uma espécie de ímã que separa o ouro das impurezas, é essencial para o garimpo ilegal na Amazônia, especialmente em áreas como as Terras Indígenas Yanomami, Munduruku e Kayapó, onde causa danos graves à saúde e à biodiversidade.

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Garimpo

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Segundo Larissa Rodrigues, diretora de pesquisa do Instituto Escolhas, a ausência do plano brasileiro é um retrocesso. “Avançamos pouco desde que o tratado entrou em vigor. Chegamos à COP6 praticamente na mesma posição de dois anos atrás. Precisamos estabelecer metas e prazos concretos para eliminar o mercúrio na extração de ouro e iniciar de fato a transição para uma mineração limpa”, afirmou.

Apesar das críticas, o governo brasileiro destaca algumas ações em andamento. O país apresentou a Avaliação Inicial da Implementação da Convenção de Minamata (MIA), iniciou um programa inédito de monitoramento ambiental na Terra Indígena Yanomami e criou a Comissão Nacional de Segurança Química (CONASQ), que inclui representantes do governo, da sociedade civil, da indústria e da academia. Além disso, o Brasil se comprometeu a eliminar gradualmente o uso de amálgamas dentárias até 2030 — decisão inédita apresentada oficialmente nesta COP6.

O país também informou que as três últimas fábricas que ainda utilizam mercúrio no país estão em processo de desativação dentro do prazo estabelecido pela convenção, até 2025. Ao contrário de nações como Argentina e Índia, o Brasil não pediu prorrogação para 2030.

Mesmo assim, o impasse é evidente. O Conselho Nacional de Política Mineral, reativado recentemente, ainda precisa aprovar o texto do plano de ação, que deverá passar também pela CONASQ. Os ministérios do Meio Ambiente e da Saúde insistem que o plano precisa ser interministerial, articulando políticas de saúde pública, segurança ambiental e transição produtiva para os garimpeiros.

No campo diplomático, o Brasil tenta compensar a ausência do plano com propostas voltadas ao financiamento. O governo propôs a criação de um mandato específico dentro do Fundo Global para o Meio Ambiente (GEF) para destinar recursos à vigilância ambiental e de saúde, especialmente em territórios indígenas afetados pela contaminação. A medida é apoiada por União Europeia, Noruega e Suíça.

Outra proposta brasileira é o desenvolvimento de mecanismos de rastreabilidade do ouro, a fim de identificar sua origem e impedir que o metal extraído com mercúrio ilegal entre no comércio internacional. O Banco Mundial e organizações da sociedade civil defendem a adoção de sistemas digitais de certificação para ampliar a transparência na cadeia do ouro.

A Rede Internacional para a Eliminação de Poluentes (IPEN) estima que o garimpo artesanal e de pequena escala seja responsável por 37% da poluição global por mercúrio. O setor emprega entre 10 e 20 milhões de pessoas no mundo e responde por 20% da produção total de ouro. A alta recente do preço do metal, triplicando em uma década, reacendeu a demanda por mercúrio, tornando o desafio ainda maior.

Para especialistas, a inércia brasileira compromete não apenas a credibilidade internacional do país, mas também a saúde de milhares de pessoas na Amazônia. O mercúrio contamina peixes, rios e populações inteiras, atravessando gerações. Eliminar o uso desse metal não é apenas uma questão ambiental, mas uma urgência humanitária.

Povos da floresta em foco: nova página da Terra de Direitos amplia vozes para a COP30

Com a proximidade da COP30, a Terra de Direitos lança uma página especial para reunir informações, reflexões e instrumentos de mobilização voltados a povos e comunidades tradicionais. A iniciativa, que entra no ar nesta segunda-feira (3), propõe um espaço digital de fortalecimento da participação popular na conferência climática e de visibilidade para as vozes que historicamente moldam a defesa dos territórios e da justiça ambiental.

A página nasce sob o lema “Sem territórios e povos protegidos, não há justiça climática” — uma mensagem que sintetiza o eixo central da atuação da organização: o reconhecimento dos povos originários, ribeirinhos, quilombolas e demais comunidades tradicionais como protagonistas da luta climática. Mais que um repositório informativo, o novo espaço se estrutura como um portal vivo de articulação política e pedagógica em torno das agendas do clima, dos direitos humanos e do meio ambiente.

Entre os principais destaques está a seção “Posicionamentos dos Povos”, que reúne manifestos e documentos elaborados diretamente por comunidades tradicionais afetadas pelas políticas climáticas. Essa parte do site reflete a pluralidade de vozes e visões sobre o futuro da Amazônia e de outros biomas, mostrando como essas populações constroem alternativas de governança territorial e enfrentam os impactos de políticas excludentes.

Outro eixo central é o conjunto de materiais pedagógicos que compõem a seção “Materiais de Apoio”. Ali, estão reunidas cartilhas, histórias em quadrinhos e publicações didáticas desenvolvidas tanto pela Terra de Direitos quanto por outras organizações e movimentos sociais, nacionais e internacionais. O objetivo é democratizar o acesso ao debate climático e traduzir termos técnicos e políticas globais em linguagem acessível, especialmente para povos e comunidades que vivenciam cotidianamente os efeitos das mudanças climáticas.

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A página também apresenta uma ferramenta de leitura e tradução conceitual da política climática: o “Climatês”. O glossário reúne expressões recorrentes em negociações internacionais, como mitigação, adaptação e perdas e danos, com explicações claras e contextualizadas. O intuito é tornar o vocabulário da governança climática compreensível a todos e romper com a barreira técnica que costuma afastar a sociedade civil do debate.

Na seção “10 Perguntas Centrais sobre a COP”, o público encontra respostas diretas sobre a estrutura, os objetivos e as etapas da conferência, ajudando a compreender por que o evento é considerado o principal espaço de decisão global sobre o clima. Além disso, a página sistematiza as principais políticas climáticas do Brasil, bem como as normas internacionais que orientam a ação dos países signatários da Convenção-Quadro das Nações Unidas sobre Mudança do Clima.

Um dos diferenciais do portal é a inclusão do posicionamento institucional da Terra de Direitos, apresentado em português, inglês e espanhol. O documento expressa as linhas de incidência política da organização na COP30, reforçando sua atuação junto a parceiros, movimentos e redes que defendem o fortalecimento da justiça climática com base em direitos humanos. Notícias e artigos complementam o conteúdo, oferecendo análises sobre o cenário nacional e internacional da política ambiental.

A nova identidade visual da página — e das redes sociais da organização — segue a estética da publicação lançada em maio, “O que povos e comunidades tradicionais precisam saber sobre a política climática e a COP?”, também elaborada pela Terra de Direitos. As cores terrosas e os grafismos inspirados em elementos da natureza refletem a centralidade dos povos tradicionais na luta por equilíbrio climático e soberania territorial.

Com essa iniciativa, a Terra de Direitos reafirma sua missão de traduzir o complexo universo das negociações internacionais em ferramentas de mobilização social, ao mesmo tempo em que amplia os espaços de escuta e diálogo entre povos tradicionais e formuladores de políticas públicas. Em um ano decisivo para o Brasil — que será sede da COP30, em Belém —, a nova página chega como convite à ação coletiva e à reflexão crítica: nenhuma política climática será justa sem a proteção efetiva dos territórios e das comunidades que sustentam a vida na Terra.